Quinta-feira, 25 Abril

«Life Itself» por Paulo Portugal

Uma das virtudes pelas quais o festival de Karlovy Vary, na República Checa, tem sido louvado, terá seguramente em conta a vastíssima programação que permite uma exploração a la carte, conforme os desejos de cada um. No nosso caso, foi a oportunidade de repescar alguns dos filmes perdidos em diversos festivais. Um deles, foi Life Itself, o documentário que Steve James (Hoop Dreams) dedicou ao famoso e carismático Roger Ebert, aquele que muitos de nós conhecem por ter mantido um lugar cativo no nº1 dos críticos listados no site imdb.

Ele era o homem dos ‘polegares para cima’. Na verdade, muito mais do que para baixo… Ou seja, o crítico popular, das massas, ligeiramente mainstream, mas sem nunca perder uma pinga de cinefilia. Caramba, o homem recebeu um prémio Pullitzer!

Antecipando o irremediável final do seu cancro da garganta, Ebert concordou com a ideia do registo. Um relato afetivo que nos permite conhecer a vida do jornalista a quem um dia ofereceram o cargo de crítico principal do jornal Chicago Sunday-Times, do homem que viveu a profissão no cinema de intervenção americano dos anos 70, ajudando a carreira de Scorsese e outros, da personalidade televisiva quando abraçou o desafio de confrontar-se com o seu rival Gene Siskel, do jornal Chicago Tribune, em duelos de opinião apaixonando milhões na rubrica Gene & Ebert at the Movies.

Temos até as curiosidades, como o momento em que se refere a predileção de Ebert por mulheres peitudas. Algo que o terá aproximado da obra de Russ Meyer, com quem haveria até de colaborar como argumentista em Up! (1976) e Ultravixens (1979). Mas ressalta também o homem, o marido dedicado de Chaz Ebert, o enfermo que nunca perdeu o sorriso ou a verve, mesmo depois de ter perdido há muito a fala. Valerá a pena recordar que vimos há cerca de dois anos em Cannes um Ebert já muito desfigurado, mas com um permanente sorriso e olhar de sonho. Caramba, estava no seu local predileto.

Como peça documental, Life Itself não estará sequer perto de uma obra-prima. James opta pelo registo convencional, fundindo os momentos passados com Ebert, frequentemente, em salas de hospital, com a ajuda do Mac, do bloco de notas ou do sistema de comunicação oral, bem como depoimentos de personalidades, como Richard Corliss, o crítico da revista Film Comment, que fora mesmo um crítico do estilo de Ebert. No entanto, a forte presença e influência de Chaz – a atual gestora da empresa de comunicação de Ebert – acaba por ter no filme a dimensão devida.

Apesar dos momentos de evidente emoção, da inegável informação sobre uma personalidade do cinema, as frequentes imagens de decadência física acabam por sublinhar o desnecessário melodrama que acaba por enfermar o seu fim. Ainda assim, apesar de não ter podido assistir à sua estreia em Sundance, Roger Ebert provavelmente responderia com ambos os polegares em riste.


Paulo Portugal

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