Terça-feira, 16 Abril

«It Follows» por Fernando Vasquez

Se dúvidas havia, este ano Cannes deixou-o bem explícito: o cinema de terror deixou de ser a ovelha negra da família do cinema.

Na Quinzena dos realizadores, possivelmente o cineasta mais falado foi o veterano Tobe Hooper, que voltou a apresentar o clássico Massacre no Texas após uma comovente introdução de Nicolas Winding Refn, que proclamou o acontecimento como se de uma Palma de Ouro metafórica se tratasse, acrescentando ainda que o filme foi o gatilho que lhe despertou um amor imenso pela sétima arte.

Um pouco mais abaixo na avenida Croisette, na Semana da Critica, as multidões tiveram a oportunidade de encontrar várias obras do género em competição, um fenómeno nada habitual. De todas, It Follows, do norte americano David Robert Mitchell, foi sem dúvida a mais impressionante e inesquecível.

O filme transporta-nos para o tormento de um grupo de jovens perseguidos por uma entidade tenebrosa que os segue até que estes cedam ou cometam um deslize. Quando apanhados pela “força” incansável, invisível a todos menos às seleccionadas vitimas e que assume diferentes encarnações, esta oferece-lhes apenas um só destino: uma morte sangrenta. A nível de narrativa o filme reduz-se a muitos dos clichés do género. Por essa mesma razão não é de estranhar algumas das criticas redutoras de que Mitchell foi alvo durante o festival. Provavelmente basta salientar que o mal que condiciona as suas vitimas se transmite de jovem para jovem através de relações sexuais. Sem duvida que já vimos estes contornos morais vezes sem conta, tornando-se difícil defender uma obra que opta por caminhos tão batidos e gastos.

No entanto, outros tantos não se limitaram a um olhar fugaz de It Follows. Pondo de lado a história, que tem tanto de repulsivo como de banal, o filme é uma autêntica bomba explosiva a nível estético e por essa mesma razão um dos trabalhos mais extraordinários este ano em Cannes, que tornou o nome de Mitchell num dos mais repetidos no festival.

Em primeiro lugar há que salientar o papel jogado pelo som. Na sequência inicial, uma das mais assustadoras e eficazes dos últimos tempos, a audiência é abalada por uma batida que aumenta de ritmo subtilmente. O mais impressionante é que não se trata de uma batida normal, que nos leva pela mão indicando-nos quando nos devemos assustar e/ou aproveitar o momento para um libertar da tensão quase ininterrupta que o filme exerce sob a audiência. A banda sonora de Disasterpeace é um exemplo perfeito do poder do som no cinema contemporâneo. É tão enganadora, manipulativa e multifacetada que por vezes se sobressai à própria imagem. Apesar de ser um elemento que se torna cansativo pela incessante repetição, nunca deixa de exercer um impacto significativo, marcando muito mais do que o passo a um filme eletrizante. Completa-o quando tudo o resto falha, e como tal, torna-se no fator mais poderoso que permite a It Follows manter-se erguido do principio ao fim.

A fotografia é também ela particularmente bem pensada. Não há cá os truques habituais de planos demasiado fechados, sombras que escondem corredores ou esconderijos do inimigo. Existe sim uma neblina luminosa constante, que nos adormece e acorda conforme a ação assim o torna imperativo. Em diversos momentos atinge mesmo uma imaculada perfeição, reminiscente de obras recentes como The House of the Devil de Ti West, chegando mesmo a explorar caminhos surreais, em particular nos enquadramentos perfeitos das vitimas mutiladas.

Se a historia peca por demasiados defeitos, a ação e o suspense não comete as mesmas falhas. É verdadeiramente notável como Mitchell conseguiu reproduzir tanta tensão com um inimigo que persegue as suas vitimas tão lentamente como os zombies originais de Romero. Para uma geração mais que calejada o contrário seria de esperar. O cineasta prosseguiu outro caminho, trocando a velocidade pelas bizarramente normais encarnações do vilão.

Por ultimo, um dos efeitos mais surpreendentes de It Follows está nas performances dos jovens atores, que no seu coletivo, aparentemente, ameaçam uma ausência de emoções, cada vez mais comuns em películas do género, mas no entanto conservam sempre um charme sedutor.

It Follows pode não ser o filme que muitos esperavam numa seleção da Semana da Critica de Cannes, e as limitações da narrativa são demasiado ingénuas para serem levados a sério. No entanto, o filme não deixa de ser eficaz e muito bem conseguido, reforçado pelo facto de anunciar ao mundo o surgimento de mais um nome a recordar no futuro, em particular quando lhe for oferecido um guião digno desse nome.


Fernando Vasquez

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