Sábado, 20 Abril

«Mr. Turner» por Paulo Portugal

O britânico Mike Leigh é um dos habitués de Cannes. E, para já, com um filme merecedor de prémios. Quanto mais não seja pela assombrosa fotografia captada pelo genial Dick Pope, que conseguiu conferir ao filme um tom que parece entrelaçar-se com as tonalidades suaves dos quadros de J.M.W. Turner.

Na verdade, o vencedor da Palma de Ouro por Segredos e Mentiras, em 1996, e com o prémio de realização em 1993, por Nu, abandona o seu habitual realismo britânico para penetrar num registo biográfico, evocando o último período da vida e obra do pintor britânico que captou, como poucos, o uso da luz, sendo mesmo considerado um dos percursores do impressionismo. O que não significa uma concessão no seu cinema, até porque tem em Timothy Spall, seu habitual colaborador, um eficaz (e agradavelmente) truculento Turner, o tal pintor famoso pelos quadros de agitada vida marinha.

Percebe-se que a escolha de Spall terá sido crucial para o sucesso do projeto, já que recolhe sem esforço o perfil daquele homem rezingão que frequentemente substitui palavras por um rosnar, sem pejo de suprir os seus impulsos sexuais com a sua criada, mas que tem uma capacidade de observação que escapa aos mortais.

Neste registo do excêntrico criador, Leigh dá-nos um retrato preciso do mestre no momento de inspiração criativa. E quando isso acontece, estamos já no reino do sublime. Um filme intenso, por certo, mas que não parece beneficiar da sua algo excessiva duração de 2h30.


Paulo Portugal
(crítica originalmente escrita em maio de 2014)

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