Sexta-feira, 19 Abril

«Anni felici» por Roni Nunes

Em algumas cenas de grande sensualidade, uma dona-de-casa mãe de dois filhos, Serena (Micaela Ramazotti), emocionalmente dependente do marido, deixa-se embalar pelas cantigas de uma curadora de arte, Helke (Martina Gedeck).

Esta surpreendente revelação de uma até então insuspeita faceta homossexual da sua sexualidade é a porta de entrada para Serena num novo mundo: o da maturidade. A maior parte das sequências ocorrem num acampamento feminista (está-se nos anos 70), para onde Helke havia arrastado uma até então frágil mulher cuja maior finalidade era fazer cenas de ciúmes e seguir o seu amado para todo o lado – contra a vontade dele.

A dada altura, o foco muda para o marido de Serena, Guido (Kim Rossi Stuart), um artista às voltas com os dilemas da arte num tempo onde essa noção ainda era carregada de um grande peso simbólico e existencial. Tão incompreendido quanto desconhecido, ele não desiste de apostar todas as suas fichas na sua obra, até se dar conta do quanto o mundo (e a sua mulher, particularmente) estavam a mudar ao seu redor.

As diversas nuanças desta história de amor, brigas e reconciliações são recordadas em off pelo narrador, o filho de Serena e Guido, agora adulto, mas que na altura dos acontecimentos que narra era um garoto. Ao contrário de tantos exemplares nostálgicos no cinema, no entanto, esses “anos felizes” não são marcados por fantasias saudosistas e a poesia que lá se encontra é baseada nas profundas transformações das personagens.

Mas não é tudo: o que o realizador Danielle Luchetti encontra no seu passado, neste filme de fortes conotações autobiográficas, é uma ampla panóplia de temas, que vão desde a arte, a emancipação feminina, a libertação sexual, uma relação mãe e filho de contornos edipianos e chegada à vida adulta. Não é pouca coisa e o cineasta consegue tecer uma delicada teia onde se conjuga isso tudo com grande sensibilidade – e não isenta de uma boa dose de erotismo. “Sem dúvida foram anos felizes, foi pena não nos termos dado conta disto“, diz a certa altura o menino. Luchetti soube dar ao espectador umas belas memórias sobre aquilo que ignorava.

O Melhor: a forma como conjuga uma grande variedade de temas
O Pior: a parte coming-of-age da história é ligeiramente menos inspirada


Roni Nunes

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