Terça-feira, 23 Abril

«De Armas e Bagagens» por Hugo Gomes

Mais de 300 mil portugueses abandonaram Angola entre 1974 e 1976, dos quais mais de 100 mil nasceram por lá. De Armas e Bagagens ilustra um país em conflito e a jornada de milhares forçados a seguirem ao desconhecido e deixar para trás a terra que os acolheu e nalguns casos, os viu nascer, tudo isto erguido sob um amontoado de testemunhos de quem viveu esta crucial mudança marcante, não somente a ponto de vista pessoal mas também no rumo da própria Angola como o país que é hoje.

Desde os primeiros momentos, o documentário de Ana Delgado Martins evidencia uma ternura e compaixão pelos seus colaboradores oratórios, interessando-se pelas suas experiências e sobretudo valorizando as histórias de sobrevivência que vão se revelando durante a narrativa. Esta última, consolidada por uma montagem dinâmica que cruza imagens de arquivo, diários de bordo sobre letras dactilografas, o panorama atual de Angola e o “tempo de antena” das testemunhas, apresentadas sob um formato livre de entrevista. Assim sendo, De Armas e Bagagens decorre sem pretensões nem ambições de se tornar algo mais de que o prometido, um tributo cinematográfico acima do seu teor informativo ou evocações do foro politico. Por outras palavras, este é um filme de amigos feito para amigos e para ser amado por amigos. Mas felizmente ninguém esperava que mesmo sob essas intenções humildes e algo pessoais, o documentário de Ana Delgado Martins não deve ser sobretudo subestimado.

Trata-se de uma obra reforçada por atributos técnicos invejáveis dentro da produção nacional do género, um rigor narrativo que envolve até mesmo quem não viveu na primeira e terceira pessoas as situações expostas e uma banda sonora simbiótica e devidamente inserida. De Armas e Bagagens é um filme de experiências, bem desenvolvido e elaborado, cuidado e assente de algum talento nos cânones cinematográficos e jornalísticos. Quem me dera que todos os documentários portugueses fossem assim!

O Melhor – Os seus valores técnicos como a montagem e os testemunhos nada entediantes
O Pior – Não desenvolver o seu conteúdo político-social (mesmo sabendo que o filme nem possui tais intenções), nem invocar um “catch up” dos eventos históricos


Hugo Gomes

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