Sexta-feira, 29 Março

«Le métis de Dieu» (O Cardeal Judeu) por Hugo Gomes

Um telefilme de gema (produzido pela Arte France) que obteve um currículo semelhante a qualquer outra obra cinematográfica, integrando a programação de inúmeros festivais de cinema e chegando a possuir uma distribuição limitada nos EUA. O Cardeal Judeu remete-nos à singular história de Jean-Marie Lustiger (Laurent Lucas, Harry: Um Amigo ao Seu Dispor), filho de emigrante judeus polacos que se converteu ao catolicismo e com isso a vontade de servir a sua crença através de uma carreira clerical. Contudo ,nunca esquecendo as suas raízes judaicas sendo, mesmo com a nomeação a Arcebispo por parte do Papa João Paulo II (Aurélien Recoing, L’Vie D’Adèle), continuou a afirmar ser igualmente católico como judeu, algo que o próprio orgulhosamente comparava aos apóstolos de Cristo. Devido a esta dualidade, Jean-Marie Lustiger gerou vários inimigos em ambas as instituições religiosas no seu caminho a cardeal.

É uma viagem míope aos bastidores da Igreja Católica, mas não sendo essa a sua intenção, O Cardeal Judeu conserva-se como um filme de espírito audacioso sobre um homem dividido e comprometido à preservação da sua memória cultural. Como pano de fundo, servindo de arranque para esse confronto inerente, deparamos-nos com a disputa de Auchswitz e a renegação tardia da Igreja Católica em relação ao Holocausto. Ilan Duran Cohen é competente na sua direcção, mas não se consegue “desviar” de eventuais esquematizações, uma das fragilidades mais comuns dos filmes de teor biográfico.

Ainda assim, O Cardeal Judeu funciona não somente pela força do seu tema, surpreendente e inédita (quase desconhecida aliás), ou pelos pequenos e ousados ataques ao órgão hierárquico do Vaticano (provavelmente nunca mais veremos o Papa João Paulo II retratado desta forma), mas sim pelo desempenho e empenho de Laurent Lucas e, acima de tudo, recria em Jean-Marie todos os requisitos essenciais de um herói cinematográfico. Por fim, os pequenos laivos de humor que tornam a fita numa proposta cativante. A sua grande falha é um final apressado e forçadamente branqueador da imagem até então negra de João Paulo II.

O Melhor – Laurent Lucas e o tema
O Pior – o final constrangido


Hugo Gomes 

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