Sábado, 20 Abril

San Sebastián: «Prisoners» por Fernando Vasquez

A edição de 2013 do festival de San Sebastián começou com uma das mais bizarras e impressionantes produções do ano, Enemy, cortesia do novo mestre da sétima arte, Denis Villeneuve. Para acabar em beleza, o Canadiano trouxe também o seu segundo filme do ano, Prisoners, um thriller como já há muito tempo não víamos.

A base do filme é, aparentemente, algo convencional, a anos-luz da genialidade de Enemy. No entanto, desenganem-se os cínicos, já que Prisoners, repleto de tensão, metáforas provocadoras e uma linha estética aplaudível, nunca se contenta por ser um produto de qualidade inferior, muito pelo contrário.

O filme narra-nos o desaparecimento de duas crianças numa tarde de natal, algures num subúrbio norte-americano. O pai de uma das meninas, Keller Dover (Hugh Jackman), em total desespero inicia uma angustiosa busca, ao mesmo tempo que as autoridades, encabeçadas pelo detetive Loki (Jake Gyllenhaal), tentam resolver o mistério a tempo de as salvar.

Apesar da premissa vulgar, já vista vezes sem conta, Prisoners consegue ir um passo mais longe do thriller vulgar, no sentido em que tal como o Silencio dos Inocentes no seu tempo foi capaz de revolucionar o género, o mais recente trabalho de Denis Villeneuve possivelmente terá a mesma capacidade.

Ao longo do filme impera uma constante nuvem de suspeição sob todas as personagens. Ninguém sai ileso do filme. Os valores que nos habituamos a ler em filmes deste género são todos invertidos. Todas as personagens parecem estar a lidar com um passado negro, todas incapazes de lidar com a desgraça de uma forma meramente racional. De todas, Kelle Dover é o mais inconformado e assustador, chegando ao ponto de raptar o único suspeito detido, Alex Jones (Paul Dano), de forma a tortura-lo até que confesse onde mantém as meninas reféns.

Antes de mais, um parêntesis para salientar a performance de Hugh Jackman, que aproveitou a deixa de Villeneuve para relembrar ao mundo que consegue ser muito mais do que uma celebridade com dotes para musicais e filmes de ação, mostrando uma sensibilidade dramática de arregalar os olhos. Jackman apresenta-se como nunca o vimos: negro, sinistro e mais humano do que nunca. Aliás, Prisoners é daqueles filmes que se alimenta acima de tudo por uma serie de performances de cortar o fôlego, capazes de nós fazer esquecer do tempo durante as duas horas e meia de filme. Menos não seria de esperar de uma produção que inclui, para além do melhor Hugh Jackman, Paul Dano, Viola Davis, Maria Bello, e melhor ainda, Melissa Leo e Jake Gyllenhaal. O último, depois de impressionar as hostes de San Sebastián em Enemy, consegue repetir o feito, numa representação de um polícia com um currículo irrepreensível que se vê confrontado com o maior desafio da sua carreira.

Villeneuve, nunca deixando de lado a sua visão geopolítica, latente em todos os seus trabalhos, abre aqui espaço para fazer renascer, mesmo que através de metáforas, o debate sobre o uso da tortura. Se em desespero de causa o seu governo não encontra obstáculos ao uso da tortura para alcançar confissões, porque haverão os seus cidadãos de reagir de forma diferente numa situação extrema? A conclusão não tem nada de rebuscada, e Villeneuve é suficientemente provocador e subtil para rechear o seu filme com uma crítica disfarçada, tornando Prisoners ainda mais vital, principalmente numa altura em que a indústria do cinema se procura reinventar.

A fotografia instigadora do lendário Roger Deacons, mais conhecido pela sua relação de sucesso com os irmãos Coen, complementa um thriller desenvergonhado, inesquecível e obrigatório, que arrisca-se vir a ser repetido até à exaustão.


Fernando Vasquez

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