“Quero ver-te a tomar um duche. Não te secas. Sentas-te no meu colo. Eu quero acariciar o teu corpo e enquanto o faço quero chamar-te Lídia.» 

É assim que «Stillleben» começa, com um homem a escrever numa folha um texto que termina com a passagem acima. Depois disto guarda a carta e coloca uma fotografia de uma criança em cima mesa. Segue-se música, ainda que em nós surja um silêncio perturbante quando a câmara esquece o local onde ele está e prefere mostrar o espaço, pelo lado de fora.

 No filme seguimos um pai que paga a prostitutas para que estas desempenhem o papel da sua filha, Lydia. A chocante revelação relativa a esta longa obsessão vai arrasar com a estrutura familiar, já de si tocada por problemas de alcoolismo paternal. O filho culpa-se a si mesmo e procura agora desvendar se o pai alguma vez colocou as suas fantasias em prática. A irmã, raiz da obsessão, entre o choque e o isolamento, quer colocar as suas memórias em ordem de maneira a entender como aquilo lhe escapou à perceção durante tantos anos. Mas é na reação da mãe que as coisas são silenciosamente ensurdecedoras. Já o pai, este terá de lidar com a vergonha e a culpa. 

Não procurem notícias de capa de jornais, nem vilões estereotipados em «Stillleben», um trabalho de Sebastian Meise, um cineasta que se baseou no argumento escrito por Thomas Reider. O conceito nasceu após a descoberta de uma projeto num hospital em Berlim onde se lida com pedófilos que nunca passaram das fantasias aos atos. A grande procura do serviço médico de prevenção levou Reider a escrever uma obra nessa linha, sobre os que resistem às suas fantasias e vivem com essa condição, fechados e reprimidos em sentimentos de vergonha e culpa.    

E o mais fascinante desta obra é que ela é bastante rica em torno das suas personagens, todas martirizadas à sua maneira com a chocante revelação. O filme nunca encontra soluções óbvias, nem usa dedos acusadores de forma cega. Se por um lado nos fere alguém sentir desejo pela própria filha, de certa maneira nos orgulha por nunca realmente ter tocado nela. Realce para todo o elenco desta obra e especialmente para a realização sofisticada e absorvente de Meise que cria com este «Stillleben» um dos melhores filmes sobre a temática.