Sexta-feira, 29 Março

«As Linhas de Wellington»: muitos cadáveres para poucos heróis

O general inglês Wellington (John Malkovich) não está contente com o seu pintor “pessoal”, o francês Lêvêque (Vicente Pérez). É que, para desgosto do oficial, o artista insiste em retratar a guerra como uma carnificina, repleta de cadáveres e desprovida de heróis – uma bela metáfora para a proposta deste argumento de Carlos Saboga para o falecido realizador chileno Raul Ruiz. 

Uma visão muito ao sabor dos novos tempos (que já não são tão novos assim): mortas as ideologias e os heróis do passado, até mesmo as séries televisivas já há alguns anos buscam um realismo histórico desideologizado – e onde das batalhas resultam não em aventuras levianas – mas em tragédias sangrentas e emocionalmente intensas. 

Também dentro deste enfoque, aparecem sob cores esmaecidas os ideais da Revolução Francesa, representados pelo desertor Bordalo, vivido por Adriano Luz – assim como os do valor do nacionalismo luso no seu empenho para reconquistar o seu território quando o próprio monarca e sua corte o haviam abandonado! É que, sobre a heroica batalha do “Davi” português contra o “Golias” francês – como numa irónica analogia feito pelo sargento Francisco Xavier (Nuno Lopes) – aparece a sombra dos pouco fiáveis ingleses.

A POLÍTICA DA TERRA QUEIMADA 

 

O filme retrata a terceira invasão francesa a Portugal, no início do século XIX. Com poucos recursos, o general inglês Wellington construiu uma linha de fortificações a volta de Torres Vedras para tentar barrar os invasores. O argumentista Carlos Saboga pontua a sua história com as deambulações dos refugiados de Coimbra, que abandonaram a cidade ante a eminência de um ataque. 

Este recurso permite a apresentação dos mais diversos tipos sociais da altura – um mundo formado por aldeões transformados em construtores, soldados ou ladrões; prostitutas e freiras, fanáticos religiosos líderes de milícias, desertores, comerciantes, mendigos e, até mesmo, uma prosaica figura representativa do romantismo então imperante nas artes: um poeta/burguês (vivido por Filipe Vargas) à procura da amada…

Este Wellington “a Malkovich” – retratado de forma pitoresca – é um estrategista distante dos campos de batalha – onde a realidade é, obviamente, muito menos amena. Historicamente, situa-se num momento crucial da história portuguesa: as invasões francesas tiveram as mais diversas consequências (não abordadas no filme).

Embora não seja nenhuma aula de história, a abordagem histórica poderia pelo menos deixar implícita os importantes resultados políticas e económicos das invasões francesas – cujas consequências para o futuro de Portugal não foram só “deixar o país devastado”, como sugere no fim: as invasões estão ligadas à fuga da corte de 1808 para o Brasil, que deixou o país sem qualquer espécie de governo central, a revolução liberal de 1820 e a perda da colónia brasileira em 1822.


O ELENCO

  

O grande elenco de “As Linhas de Wellington” pode ser dividido em dois: aqueles com papéis relevantes em termos dramáticos, e aqueles que lá passaram para dar “ o ar de sua graça” – caraterística na qual se incluem quase todos os atores franceses que entraram no projeto para homenagear Raul Ruíz, mais alguns luminares nacionais, como Maria João Bastos e Paulo Pires.

Os principais papéis couberam aos portugueses, que fizeram um ótimo trabalho e cuja maioria já possui um currículo sólido no circuito nacional: Nuno Lopes, Carloto Cotta, Marcello Urgeghe, Adriano Luz, Filipe Vargas, Miguel Borges, Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, Soraia Chaves, Joana de Verona, Afonso Pimentel. Destaque ainda para Marisa Paredes, Mathieu Amalric e Melvil Poupaud.

Outros atores:

Elza Zylberstein: francesa, já vencedora de um César de Atriz Secundária em 2009;
Victória Guerra: saída dos “Morangos com Açúcar”, tem seu primeiro papel numa longa-metragem de cinema, a interpretar, com um sotaque perfeito, uma inglesa lasciva;
Jemina West: francesa, estreou em “Joana D’Arc”, de Luc Besson; mais conhecida na televisão do seu país.

“As Linhas de Wellington” estreia depois de passagens por Veneza, Toronto e San Sebastián. 
 
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Realização: Valéria Sarmiento
Elenco: Nuno Lopes, Carloto Cotta, Marcello Urgeghe, Adriano Luz, Filipe Vargas, Miguel Borges, Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, Soraia Chaves, Joana de Verona, Afonso Pimentel, John Malkovich, Marisa Paredes, Elza Zylberstein, Victória Guerra, Jemina West, Vincent Pérez, Mathieu Amalric, Melvil Poupaud, Catherine Deneuve, Michel Piccoli, Isabelle Hupert, Chiara Mastroianni, Maria João Bastos, Paulo Pires. França/Portugal, 2012 
 
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