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Thor: Amor e Trovão: ‘Filme da Treta’ versão Marvel

Regado a Guns n’ Roses, “Thor: Love and Thunder” não é um filme de super-heróis. É um filme com super-heróis. Um filme de deboche, algo próximo de uma comédia. Algo mais próximo do “Filme da Treta” (2006), de José Sacramento, do que de “Vingadores”. Está interessado mais em rir dos códigos de aventuras, incluindo aqueles sedimentados por “Erik the Viking”, de Terry Jones, e “Time Bandits”, de Terry Gilliam. Mas é algo sem o refinamento de um Monty Python. Trata-se de (mais) uma longa-metragem com a sanha autoral de Taika Waititi, realizador neozelandês cuja estética parece a do sketch humorístico de TV e cujo ethos dedica-se a demolições morais. A representação do masculino tem sido o seu alvo na sua entrada na franquia “Thor”, a partir de 2017, com o desastroso “Ragnarok”. A diferença é que, neste seu regresso ao universo de Asgard, a morada dos deuses nórdicos, ele lembra-se que o cinema é uma arte de imagens em movimento e não um teatro de revista. Lembra-se disso quando se esforça, dentro do que sabe, para poder apresentar uma narrativa um pouco mais ousada plasticamente. Consegue isso aqui e acolá, numa porção do filme em preto e branco (bem fotografada por Barry Baz Idoine) e na contagiante sequência inicial, na qual Thor põe os seus adversários abaixo, numa sucessão de golpes modulados pela adrenalina. É uma sequência à la John Wick, que Waititi não saberia fazer jamais. Tanto é que, no que sobra, reina o enfado. Dá preguiça ver o empenho do realizador em transformar o que nasceu para ser uma narrativa épica, nos moldes de “Conan The Barbarian” ou “Lord of the Rings”, num episódio de “Flight of the Conchords”. E, para piorar, ainda há um tratamento absolutamente irregular da vilania.  

Somados, os três filmes anteriores da franquia do príncipe de Asgard, lançados em 2011 (“Thor”, de Kenneth Branagh), 2013 (o excecional “The Dark World”, de Alan Taylor) e 2017 (“Ragnarok”, também de Waititi), arrecadaram 1,9 mil milhões de dólares. A nova produção promete elevar essas cifras, moldando um guerreiro implacável como o Deus do Trovão como um Chevy Chase fanfarrão. E há outros chamarizes, como o regressode Natalie Portman como Dra. Jane Foster, mas não apenas como física e, sim, como a nova portadora do martelo Mjölnir. Ela dignifica a releitura que Waititi tenta fazer da saga de BDs iniciada em “Mighty Thor” (2015) #1, com o guião de Jason Aaron. Nessa saga, ela vira a Poderosa Thor. Pode se dizer o mesmo da participação de Tessa Thompson, dando um tom mais pop à figura da Valquíria, agora governante de Asgard. Natalie consegue dar complexidade a um enredo que se agarra a piadinhas, traduzindo a angústia de Jane ao se encontrar na fase terminal de um cancro, que se agrava em metástases a cada uso que faz da marreta sagrada. E Tessa também escava novas potências comportamentais em Valquíria.

Mas no meio do caminho delas, e de Hemsworth, cuja star quality hoje beira as alturas, num binómio de carisma e vastas ferramentas dramáticas, existe uma pedra. Essa pedra é Waititi.

Vencedor do Oscar de melhor argumento adaptado de 2020 por “Jojo Rabbit”, no qual um rapaz alemão era amigo de Hitler (vivido por ele mesmo, uma vez mais no reino da troça), Waititi havia concorrido às estatuetas douradas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood antes, em 2005, com a curta “Two Cars, One Night”, de 2003. O filme concorreu na festa da Academia de 2005, no mesmo ano em que ele fez “What We Do in the Shadows: Interviews with Some Vampires”, com Jemaine. Nessa curta, ele cria uma estratégia supostamente documental para mostrar o que uma equipa de cineastas faz diante de três vampiros cuja verve aristocrática não parece mais compatível com um mundo interligado pela internet. De novo, ele conseguiu um sucesso, exibindo o filme na sua terra natal, no New Zealand International Film Festival, em julho de 2006. No ano seguinte, ele foi prestigiado pelo público do Festival de Sundance que aplaudiu a (hilária) comédia “Eagle vs Shark” ( 2007), também com Jemaine, e foi, com ele, filmar a já citada série “Flight of the Conchords”.

Em 2010, regressa a Sundance e vai à Berlinale, com “Boy”, comédia agridoce sobre um pequeno fã de Michael Jackson. Na sequência, roda mais uma curta “42 One Dream Rush” e embarca nas séries “Super City” (2011) e “The Inbetweeners ” (2012), enquanto prepara um filme baseado em “What We Do in the Shadows”, que é lançado em 2014, mais uma vez em Sundance. Gasta 1,6 milhões de dólares nas filmagens – realizadas em Wellington, em setembro de 2012 – e consegue 7 milhões nas bilheteiras, configurando um êxito comercial. De novo, ele e Jemaine vão a Berlim, agora concorrendo na mostra Geração, pela sua toada de comédia adolescente, indisfarçavelmente inspirada em John Hughes (1950-2009) e o seu seminal “The Breakfast Club” (1985). Fora os elogios alemães em solo berlinense, Waititi e Jemaine conquistam 26 prémios pelo filme, incluindo a láurea especial do júri do Festival de Turim pelo argumento, e o voto do júri popular da seção Midnight Madness do Festival de Toronto. Sttges, considerado o maior festival de cinema fantástico do mundo, realizado desde 1968 em terras catalãs, deu-lhe uma menção honrosa, seguida do prémio do júri popular. Foi daí que a Marvel se encantou por ele. Mas não avisaram a ele do que os fãs de BDs gostam. E nem o que esses fãs respeitam.  

Filmes de super-heróis, sustentáculo da economia cinematográfica, são, por essência, épicas de autossacrifício: existem cordeiros que se oferecem à imolação em prol da Humanidade. Não existe humor na espinha dorsal desse gesto. Pode haver gargalhadas como apêndice, como efeito de oxigenação da tensão. Pode haver um respiro para o que há de bruto na peleja do sacrificado contra a moléstia moral que leva um vigilante a se arriscar em prol de quem precisa de auxílio. É o que se via em “Homem-Aranha 2”, uma das obras-primas do filão, pilotada por Sam Raimi, em 2014. Pode e deve haver arejamento, pois o riso é um convite ao carisma. Mas esse riso não pode se superpor a essência das narrativas de super-heróis, cuja génese dos quadradinhos vem da ação e não da troça. Existem bds para rir e existem as de super-herói. É assim desde as primeiras viagens galácticas de Buck Rogers, em janeiro de 1929: a pedra fundamental pop da jazida. Mas Waititi não percebeu isso muito bem quando finalizou o corte do histérico “Thor: Ragnarok”, o mais vazio das longas-metragens da Marvel.

No desespero de dar ao conglomerado das bandas desenhadas um novo Deadpool – uma produção de 58 milhões da Fox, que, em 2016, arrecadou 783 milhões -, o cineasta neozelandês resolveu substituir a seriedade épica comum aos vigilantes uniformizados por galhofas sucessivas: é piada atrás de piada, mesmo nos momentos em que elas são desnecessárias. O resultado beira um programa humorístico enrugado.

Porém, esse erro mostra-se ainda mais grotesco frente à maneira como Waititi apresenta a figura do Mal, Gorr, ao escrever o filme em parceria com Jennifer Kaytin Robinson. Apesar de ter nas mãos um dos atores mais talentosos da atualidade, Christian Bale, o cineasta não consegue justificar a vilania que tenta imputar a Gorr. O seu advento é inverossímil. Pior do que isso: Waititi faz com que o público se apiede dele, apesar dos seus crimes envolverem assassinatos. Gorr é alguém que se perdoa à primeira vista. E, para agravar a situação, o redesenho, no trânsito da BD para os ecrãs faz lembrar o Santo dos Assassinos de “Preacher”, da DC Comics. É uma leviandade sem fim, que emperra o que prometia ser um entretenimento com vigor intelectual.

E fica pior quando Thor chega a um Olimpo gourmet, onde as divindades de diferentes civilizações se refugiam, sob a batuta de Zeus. Este é vivido por um Russell Crowe nas raias da caricatura, envergonhando o legado do majestoso “Gladiador” (2000). É mais uma evidência do desaparecimento daquele Waititi cheio de retidão que realizou o episódio 8 da temporada 1 de “The Mandalorian”: ou seja, um Waititi sóbrio, a brincar de Sergio Leone. Ficou o Waititi da galhofa, com pouco ou nada a oferecer.

Carro Rei: A monarquia ciborgue da invenção

Posted By Rodrigo Fonseca On In Entrevistas | Comments Disabled

Apresentando ao mundo há 1 ano e seis meses, durante o Festival de Roterdão, na Holanda, de onde saiu cercado de elogios, o thriller sci-fi Carro Rei arranca, enfim, pelo circuito brasileiro adentro, com o carburador aditivado de prémios. Foram 16 ao todo, conquistados em festivais como Raindance – Inglaterra (Melhor Roteiro); Feratum – México (Melhor Filme de Ficção Científica Latino-americano); Fantasia (Canadá) e Fantastic Festival (EUA). No Brasil, a longa-metragem dirigida por Renata Pinheiro, uma aclamada diretora de arte, arrebatou a competição do CineFantasy, conquistando estatuetas nas categorias Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator e Júri Popular. Renata conquistou ainda o disputado Kikito de Melhor Filme em Gramado, a mais popular das mostras do cinema brasileiro. Contabilizou ainda nestas terras as distinções de Melhor Desenho de Som (dado a Guile Martins); Direção de Arte (de Karen Araújo); e Banda-Sonora (de DJ Dolores). E recebeu um prémio especial do júri, dado a Matheus Nachtergaele, por uma vulcânica atuação. É uma longa-metragem que renova a estética de invenção de Pernambuco, de onde saíram Amarelo Manga”, “Árido Movie”, “Boi Neon”, “Aquarius e Bacurau.  

A sua trama lembra muito Bumblebee (2018) nos seus momentos iniciais, quando um rapaz é salvo de um atropelamento por um carro com quem estabelece uma estranha conexão. Por “estranha” leia-se: ele fala com o carro. Anos depois, dedicado ao ativismo ambiental, o jovem (Luciano Pedro Jr.) retoma a relação com o veículo, mas vê o tio, o mecânico Zé Macaco (Nachtergaele), conectar-se com o totalitarismo, e formar um gangue com ímpeto ciborgue.

A cineasta e diretora de arte Renata Pinheiro – Crédito da foto: Raul Toscano

Realizadora de Amor, Plástico e Barulhoe Açúcar, filmado em duo com Sérgio Oliveira, Renata fala ao C7nema sobre sua imersão nas veredas da ficção científica.

Mais do que sedimentar a ficção científica na América Latino, o seu filme reforça a dimensão sociológica do cinema brasileiro ao retratar a revolta das máquinas, via Zé Macaco, de um modo similar ao que se vê em “Metropolis”, de Fritz Lang. As máquinas parecem metáforas da massa operária excluída. Mas que signos conscientes atribui aos carros que ganham vida?

Metropolis”, você me lembrou muito bem. Existe essa semelhança entre as máquinas serem a metáfora da massa operaria excluída. No meu filme, os carros antigos são sucateados pelo sistema capitalista que incentiva o consumo, como também os trabalhadores que são excluídos do sistema. São excluídos uma vez que eles deveriam se endividar para poder entrar no sistema. Num signo direto e consciente, esse carro inteligente e humanizado é um signo de uma inteligência artificial que está cada vez mais presente na nossa vida. É signo também da manipulação de massa pelas redes sociais e gadgets que temos como companheiros agora. São elementos que modificam o panorama de uma sociedade através dessa manipulação muito mais direta e mais presente onde quer que você esteja. Não é só a máquina em si, mas a máquina tecnológica que é um ser influenciador do pensamento e da consciência humana.

Qual é o signo daquele quasímodo encarnado por Matheus Nachtergaele?

Quanto ao Zé Macaco, eu iria para outro pólo, que seria o do brasileiro comum. Frente a um sistema de educação falhado e excludente como o nosso, perdemos diversos talentos em diversas áreas. No caso do filme, Zé Macaco é esse cientista que possui um talento natural para a tecnologia, mesmo sem ter tido uma educação formal. Ele conseguiu ser autodidata e aprender com os manuais dos carros como se constrói um motor e fazer objetos electrónicos. O Zé Macaco é um excluído. Ele é excluído do seu núcleo familiar por conta de ser essa pessoa diferente das outras. É uma metáfora do tanto de gente talentosa que é excluída. No filme, ele transforma essa frustração em um monstro. Essa evolução humana faz ele liderar o gangue. Mas essa liderança não o torna melhor e, sim, um fascista.

A que tradição do pluralíssimo cinema de Pernambuco você acredita se conectar nesse filme? Que recantos de Pernambuco estão ali?

Essa é uma pergunta muito mais para vocês, que têm uma visão de fora das nossas obras. Acho que é um filme que se conecta a uma tradição latino-americana nordestina que é do realismo fantástico. O nosso filme também é uma fábula, conectado à tradição nordestina. É claro que também é impregnado de influências dos nossos colegas, dos nossos filmes, mas eu não te dizer quer dizer qual ou quem. Eu me identifico com a obra do Tavinho Teixeira, um grande colaborador do cinema pernambucano. Pernambuco e Paraíba já foram até um só lugar, mas acho que Tavinho também se utiliza da fábula, da sátira, para falar de assuntos importantes. Se tivesse que apontar referências dos meus pares, colocaria, a princípio, o paraibano Tavinho Teixeira nesse meu lugar de fala.

O cartaz internacional do filme

Quais foram as reações mais inusitadas que você apanhou nas sessões de “Carro Rei” pelo mundo, a partir de sua passagem por Roterdão?
Lançamos o filme para o mundo em janeiro de 2021, em plena pandemia. Inclusive Roterdão não teve sessão presencial. Foram para o ambiente online, como em outros festivais. Até na Coreia fizemos live com sessão comentada. O que mais me impressionou é a capacidade que um filme como esse tem de conversar com diversas culturas. Na Inglaterra, Serginho (Oliveira, produtor e parceiro habitual de Renata) foi e eu estava trabalhando. Mas ele me relatou que o entendimento era muito profundo do filme. Isso surpreendeu muito e foi quando ganhamos um prémio de melhor roteiro. Acho um prémio muito especial, por ser um filme que não tem nada a ver com a cultura inglesa. O que chama mais atenção é a quebra da expectativa de ser um filme que eles esperam vir do Brasil. Esperam um filme sobre violência ou filmes latino-americanos de dramas familiares. Mas “Carro Rei” é um filme que aborda uma outra questão pertinente à Humanidade. De facto, quando estávamos a fazer o filme, eu pensava que iriam me matar por não entrar numa tendência do cinema brasileiro. Mas era o que queria fazer. Não tive medo de reação negativa. Quando a ideia vem, ela aparece com tanta força que chega ser incomodo não a realizar. No site de Roterdão, eles falam dos carros como zombis do capitalismo. Houve muitas críticas e resenhas ao redor do mundo. Cada uma delas vem com uma questão nova sobre o filme. É super satisfatório ter feito um filme com a roupagem muito peculiar e regional, mas que trata dessas questões que são interesse de todos.

Oscars® 2021 poderão ser adiados

Posted By Ana Sofia Santos On In Notícias | No Comments

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood enfrenta mudanças repentinas e incertezas.

Segundo a Variety, citando várias fontes anónimas, a Academia de Hollywood pondera adiar a 93ª edição da cerimónia de entrega dos Oscars, que está agendada para decorrer no dia 28 de fevereiro de 2021.

Uma dessas fontes avança na possibilidade de uma nova data, enquanto que outra indica que a ABC, a estação televisiva que emitirá o evento, não é favorável à mudança.

Recorda-se que que em abril a Academia anunciou – devido às circunstâncias atuais, consequência da pandemia de COVID19 – algumas mudanças quanto à elegibilidade dos filmes. Nessas novas regras estava a inclusão de produções que foram inicialmente agendadas para um lançamento em sala de cinema, mas que passaram diretamente para o VOD. Esta nova regra só será aplicada até aos cinemas reabrirem.

Após o comunicado das mudanças, David Rubin, presidente da Academia, foi entrevistado pela publicação, e questionado quanto à hipotese de alteração de data da gala de premiação, afirmando ser cedo para discutir “esse cenário.

“O que sabemos é que queremos celebrar os filmes, mas ainda não sabemos exatamente como o fazer.” disse Rubin.

Megalopolis: o regresso grandioso, mas sobrecarregado de Francis Ford Coppola

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Crítica | Comments Disabled

Cerca de 45 anos depois de levar a Cannes – com alguma polémica na premiação – “Apocalipse Now”, Francis Ford Coppola regressou à Croisette com “Megalopolis”, um projeto tão gigantesco e ambicioso que os 120 milhões de dólares que gastou do próprio bolso só podem ser vistos como um risco alucinante, com diversas complexidades no que torna a um eventual retorno financeiro.

É que apesar do elenco estar minado de nomes reconhecíveis do cinema norte-americano, como Adam Driver, Aubrey Plaza, Laurence Fishburne, Giancarlo Esposito, Shia Labeouf e até mesmo Dustin Hoffman e Jon Voight, e das ideias gerais apontarem para temas apetecíveis como a eterna luta entre os visionários e os tradicionalistas, além de diversos jogos de poder, corrupção e os novos e velhos populismos, a forma como Coppola maneja toda a sua alegoria e os peões do seu jogo pessoal (sim, é um filme bem pessoal) é com um tal aparato e fanfarra que o espectador comum vai acabar abalroado, sem saber como digerir toda a informação, dificultando a apetência no box-office.

Esquecendo essa questão, porque ela não é relevante como objeto artístico, esse mesmo aparato e grandiloquência do discurso e personagens leva a que grande parte de tudo o que enche o ecrã e invade os tímpanos passe omisso ou sufoque quem o assiste.

Tudo se passa num espaço urbano denominado de “Megalopolis”, que usa Nova Iorque como a “Nova Roma”. É neste local físico, mas também figurado (como Hollywood o é), que um arquiteto visionário com a capacidade de parar o tempo, Cesar Catilina (Adam Driver), vê as suas ideias urbanísticas revolucionárias serem contrariadas por um político, Franklyn Cicero (Esposito), que comanda o município com ideias conservadoras. É a partir daí que Coppola cria uma história narrada ao melhor estilo shakespeariano (há referências a Hamlet e A Tempestade), inspirando-se nas conspirações catilinárias que tentaram abalroar o Império Romano para assumir o poder da República. Com telhados de vidro no que diz respeito à esposa que morreu, César  – que criou um material de construção inovador e polivalente chamado Megalon -vive um flirt proibido com a repórter da TV Wow Platinum (Aubrey Plaza), prestes a casar com o homem mais rico da região (Voight), que o vai deixar vulnerável a ataques externos, sendo amparado nesse processo pela filha de Franklyn, Julia (Nathalie Emmanuel), com quem começa a ter uma relação contra a vontade do pai. 

Pelo meio, quer a personagem entregue a Aubrey Plaza, quer a de Shia Labeouf, adicionam doses de manipulação e conspiração nos bastidores, mas também de humor, que esbate, mas nunca faz esquecer, uma obra com um claro discurso político e social sobre o mundo em que vivemos, onde não escapa a arte, já que frequentemente os artistas visionários são encostados às cordas pelo pragmatismo de uma indústria que pensa principalmente em faturar.

No visionamento em Cannes, ocorrido na tarde de 16 de maio, houve ainda um momento caricato, mas extremamente feliz, quando uma pessoa na audiência subiu ao palco e encenou questionar o César que vemos no ecrã, tendo este respondido. A ideia de levar um cinema-vivo a Cannes é brilhante, mas demonstra a extravagância e os riscos que Coppola toma nesta espécie de herança em que se pensa no legado que se deixa. 

Em oposição, alguns momentos melosos a roçar a pirosice esbatem um pouco com a generalidade do tom de grande arte com mensagem política que o filme possui a toda linha e que se materializa no último momento do filme, quando Coppola apresenta as bases da nova “constituição” desta “Nova Roma”.

Por tudo isto, “Megalopolis” é frequentemente espetacular, mas demasiado sobrecarregado e espalhafatoso, alienando mais que absorvendo o espectador.

Jessica Hausner preside o júri do Festival de Locarno

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Em Foco,Festivais | Comments Disabled

A cineasta austríaca Jessica Hausner será a presidente do júri do Concorso Internazionale que decidirá o vencedor do Pardo d’Oro – o Leopardo de Ouro – no 77º Festival de Cinema de Locarno, que decorre em agosto na Suíça.

A responsável por filmes como “Lourdes [1]“, “Amor Louco [2]“, “A Flor da Felicidade [3]” e “Club Zero [4]” começou a sua carreira nas curtas-metragens depois de estudar na Academia de Cinema de Viena e, desde o início, os seus filmes austeros e distintos cativaram e seduziram o público.

É uma grande honra e também um grande prazer para mim presidir ao júri principal do Festival de Cinema de Locarno deste ano“, afirmou Jessica Hausner. “A responsabilidade que sinto é a de ouvir respeitosamente as várias opiniões dos meus colegas membros do júri, pois acredito verdadeiramente que cada pessoa vê um filme diferente e que todas as perspectivas são interessantes de discutir. Para mim, Locarno é um festival que valoriza as abordagens artísticas e originais do cinema, reforçando assim a vanguarda do cinema mundial. Estou feliz por contribuir para esta agenda porque, na minha opinião, o cinema é desafiar as nossas perspectivas e encontrar formas novas e invulgares de ver as coisas“.

Já Giona A. Nazzaro, Director Artístico do certame, afirmou: “Jessica Hausner, cineasta vital e inquieta, criou uma obra diversificada que reflete os aspectos mais ocultos da sociedade contemporânea com uma profundidade extraordinária. Com clareza, firmeza e uma progressão impecável, ela imaginou mundos espirituais e fantásticos que refletem a riqueza convincente de uma experiência humana complexa e contraditória. Ter Jessica Hausner como presidente do júri do Concorso Internazionale do Festival de Cinema de Locarno é uma honra extraordinária e uma garantia de que os filmes serão discutidos por um júri liderado por uma das mais extraordinárias cineastas a trabalhar atualmente“.

Hausner sucede assim ao ator Lambert Wilson, que presidiu o júri do Concorso Internazionale em 2023.

The Girl With The Needle: um abraço de conforto e também destruição

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Notícias | Comments Disabled

Inspirado em acontecimentos verídicos que ocorreram em Copenhaga após o fim da Primeira Guerra Mundial, o regresso de Magnus von Horn ao cinema após o destemido “Sweat [5]” é um recreio de segredos imundos e escabrosos que abalroam o espectador do primeiro ao último minuto.

No género de filmes contorcidos, sem nunca cair no efeito do choque pelo choque, “The Girl With The Needle” junta à sua história macabra, com requintes de malvadez, o desempenho sensacional de duas atrizes em estado de graça: a inevitável “Rainha de Copas” Trine Dyrholm, e a impressionante Vic Carmen Sonne de “Terra de Deus”. A dupla, por si só, vale o filme, mas Magnus von Horn deixa em todo o lado o seu dedo, sem nunca se sentir um trabalho de mão pesada, onde a estética engole a história e interpretações. Existe, aliás, uma simbiose bem lapidada em todos os aspetos de construção fílmica, seja na direção de fotografia de Michal Dymek (EO), que carrega o seu filme com um preto e branco que tanto brilha como soterra o espectador num formato 3:2 (1:50) emprestado da fotografia; seja na montagem pausada de Agnieszka Glinska (Cordeiro; EO), na direção artística atenta aos pormenores de Ristergren Albistur Lisette e Ewa Mroczkowska, ou no guião de Line Langebek Knudsen e do próprio von Horn.

Nesta dura viagem de quase duas horas que passam num ápice, o espectador segue Karoline (Carmen Sonne), uma mulher que após o desaparecimento do marido se envolve com o patrão da fábrica de vestuário onde trabalha. Grávida, ela vê Peter (Besir Zeciri), o marido, regressar desfigurado e o “amante”, Jorgen (Joachim Fjelstrup), desaparecer sob o manto de uma mãe condessa que se recusa a que ela faça parte da sua família. Abandonada e despedida do emprego, a mulher tenta por fim à própria gravidez, mas é dissuadida e ajudada, após uma tentativa de aborto fracassado, por uma simpática vendedora de doces chamada Dagmar (Dynolm), que lhe oferece uma alternativa: dar o filho para uma adopção responsável. Aos poucos e poucos, Karoline e Dagma tornam-se inseparáveis parceiras de “um negócio” que a pouco e pouco se vai revelando de forma sinistra.

Na corrida pela primeira vez à Palma de Ouro do Festival de Cannes, Von Horn socorre-se frequentemente de rostos distorcidos e pequenos sons de tom sinistro que fazem o espectador esperar o pior e manter a atenção ao máximo. Mas essa é apenas uma dica estética e visual pontual, pois em tudo o resto ele vai escondendo a verdade sobre a arte da manipulação e o lado obscuro do ser humano.

E tal como as multiplas agulhas que vemos por aqui (de máquinas de costura, de tricotar, de seringas para administrar morfina e até uma enorme para tentar fazer um aborto), os abraços geram igualmente diferentes complexidades e verdades omissas. É que por aqui, eles são usados para confortar, mas também para destruir. E tudo bem debaixo do nosso olhar.

Um filme surpreendente e que dificilmente sai da cabeça após o seu visionamento.

“Esta saga sobreviveu por sorte e pela trama alegórica”, diz George Miller sobre ‘Furiosa’

Posted By Rodrigo Fonseca On In Em Foco | Comments Disabled

Ovacionado na sua passagem por Cannes, com “Furiosa“, George Miller destacou a natureza “cinemática” do audiovisual, para além das narrativas de ação, na conferência de imprensa da longa-metragem.

Esta saga sobreviveu por sorte e pela força alegórica da sua trama. Encontramos um pouco das histórias de samurais aqui. Akira Kurosawa foi uma influência para todos nós. Ele inspirou grandes westerns e os westerns nos inspiraram“, diz Miller.

A superprodução garantiu ao 77º Festival de Cannes a sua primeira grande personagem: o vilão Dementus. Vivido por Chris Hemsworth, ele é um líder excêntrico de uma casta de guerreiros que desafia o poderoso Imortan Joe. Nas primeiras sequências, ele assume uma menina como sua filha, a despeito do desprezo dela por ele. Ela cresce e vira a valquíria Furiosa (Anya Taylor-Joy) e decide se vingar.

Comecei a filmar na época da película, mas apanhei o início o cinema digital, com ‘Babe‘ e ‘Happy Feet‘. Fascina-me ver como a indústria muda, sobretudo a tecnologia. Tive a chance de ter câmaras mais avançadas e um sofisticado sistema de pré-visualização neste filme“, diz Miller, antes de relembrar a sua infância na Austrália, onde a franquia nasceu, no fim dos anos 1970. “Cresci numa cidade rural onde tudo o que tínhamos eram BDs e as matinés de domingo. A sala que tínhamos era uma catedral. Nestas últimas décadas, tudo o que fiz carrega as lembranças daquela sala de cinema“.

O Festival de Cannes prossegue até o dia 25 de maio.

Furiosa: Uma Saga Mad Max – gerir expetativas e desfrutar a expansão do universo Mad Max

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Crítica | Comments Disabled

Nove anos após “Mad Max: Estrada da Fúria” e quatro décadas e meia depois do primeiro “Mad Max” nascer pelas mãos de George Miller, o australiano regressa a Cannes com todo o furor, pujança e ambição, acrescentando histórias e personagens inesquecíveis ao seu universo, que agora faz um regresso ao passado e à génese da personagem Furiosa, interpretada por Charlize Theron no filme de 2015.

É como ver uma banda de heavy metal ou rock pesado tocar como sempre, mas agora já entregue ao modelo das grandes produções de estúdios, com os riffs da realização de Miller a ecoarem a partir de colunas e ecrãs de topo de gama, manejadas pelos melhores técnicos que a indústria tem para dar. A forma artesanal e crua como a saga começou perdeu-se, mas o espírito sempre fiel aos códigos de série B, além de uma energia incomparável mantêm-se, mesmo que neste “Furiosa” a duração do filme se estenda até às 2h38, um novo recorde para a saga, que agora, e ao contrário dos filmes anteriores, acompanha 15 anos deste universo, divididos por cinco capítulos – em particular de Furiosa, agora interpretada por Alyla Browne (em criança) e Anya Taylor-Joy (jovem adulta).

Embora contenha sequências de ação verdadeiramente incríveis, daquelas que parece que comemos o pó que circula no ar nas telas, invariavelmente em terrenos desérticos carregados de hooligans plasticamente tratados com rigor e precisão,  George Miller – na sua expansão conceptual – dá tanta atenção à construção do seu mundo como à  formação da guerreira que Furiosa se tornou no capítulo anterior. Na verdade, Miller usa-a como guia para nos dar mais e mais pistas deste local distópico que denomina de Wasteland, minada de cidades estratégicas geridas por vilões assombrosos, todos entregues à sede da conquista de mais e mais poder, terras e recursos naturais.

Descobrimos assim que Furiosa, ainda em criança, nasceu numa terra de abundância cujo caminho se encontra marcado – de forma estelar – numa tatuagem do seu braço. Levada por um grupo de motards maquiavélicos ligados ao Dr. Dementus (Chris Hemsworth, na sua melhor atuação até hoje no cinema), Furiosa vai no seu percurso infantil e adolescente atravessar por vários campos de batalha, onde a Citadel e o conhecimento do Immortan Joe representa um novo poiso de estratégia para preparar a sua vingança, ou, como diz um dos títulos dos capítulos deste quinto filme da saga Furiosa, ir mesmo além dela. 

Claro está que, na gestão das expetativas, “Mad Max: Estrada da Fúria” superou qualquer um dos filmes anteriores na ambição, meios e na força do seu salto de 30 anos, acompanhado pelos enormes desenvolvimentos técnicos que surgiram durante três décadas. Já este quinto filme, com “Mad Max: Estrada da Fúria” ainda fresco na memória (“Oh, what a day. What a lovely day!” que foi este comeback), teria forçosamente de ser “Bigger, Better, Faster, Stronger” para conseguir se aproximar do impacto que teve o regresso da saga em 2015. Consegue-o, mas sentimos que mesmo com o esforço de Taylor-Joy e Chris Hemsworth, além de Lachy Hulme a substituir o falecido Hugh Keays-Byrne como Immortan Joe, Charlize Theron  e Tom Hardy, os heróis do capítulo anterior, davam outra vitalidade a este mundo distópico e aterrador. Por isso mesmo, “Furiosa: Uma Saga Mad Max” não tem a força, impacto e até o magnetismo de “Mad Max: Estrada da Fúria”, mas George Miller não descarrila no seu ato fulgurantemente arrojado de expandir o universo “Mad Max”, abrindo portas para preencher o puzzle de uma saga que permanece cada vez mais viva.

Diamant Brut: Agathe Riedinger e o real da “Reality television”

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Crítica | Comments Disabled

Beleza é sinónimo de poder e poder é sinónimo de dinheiro, independência e relevância, assim o pensa a protagonista de “Diamant Brut”, Liane (Malou Khebizi numa atuação estonteante), de dezanove anos, que num contexto de arquétipo e fascínio pelo universo da Reality television, partindo dos seus pressupostos hiperfeminizados e hipersexualizados, do entretenimento agarrado à imagem corporal e capacidade de implosão, define a sua persona numa rota para a fama.

Com uma relação problemática com a mãe, que nos leva até “Fish Tank” de Andrea Arnold, e uma “carreira” de “influencer” a despoletar (que nos leva a “Sweat” de Magnus Von Horn), Liane já adicionou implantes mamários e agora pensa em fazer o mesmo ao rabo, especialmente quando após um casting bem sucedido tem tudo para ser chamada para um reality show televisivo intitulado “Miracle Island“. 

Embora este primeiro filme da francesa Agathe Riedinger, que surpreendeu ao ser incluída na competição à Palma de Ouro do Festival de Cannes, se desoriente no seu percurso, um pouco como a personagem principal na ciranda da obsessão pela fama, existe nele a mesma energia provocante e contaminação reflexiva que Ruben Ostlund tinha, por exemplo, em “Involuntary”, enquanto nos mostra mais uma mulher cercada pelas pressões invisíveis da sociedade, de certa maneira, ainda que noutro registo, como a jovem protagonista de “How To Have Sex”, que curiosamente (ou não) passou por Cannes no ano passado.

No mais, destaca-se a cinematografia, assinada por Noé Bach, saturada e tão artificial como as pestanas e unhas de Liana, e a escolha de um formato de imagem de TV (4:3) para trazer até nós uma peça de realismo twerk nos tempos em que Kim Kardashian e a exposição Tik Tok são o topo faraónico de inspiração adolescente. 

E é curioso que num festival em que Quentin Dupieux brincou na sua abertura com a noção de realidade e ficção, mesclando as duas numa abordagem metafilmica, Liana tenha uma perspectiva da realidade de total ficção. E no meio dessa confusão de criação de uma persona triunfante temos uma figura hipersualizada na forma, mas emocionalmente (e efetivamente) virgem, revelando uma dessexualização contrastante especialmente na presença de Dino (Idir Azougli), um “caso social” como ela define.

Por tudo isto, e apesar de não ter a consistência para levar a água ao seu moinho, especialmente na crítica social a uma “realidade” ensaiada, “Diamant Brut” mostra certamente uma realizadora a seguir nos próximos anos. É que a forma como estudou e desenvolveu o estudo da personagem de Liane levou Cannes a discutir o filme já fora da sala.

Uma carta de amor a Londres. Tom Hardy por Edward Berger para a Jo Malone

Posted By Ana Sofia Santos On In et cætera | Comments Disabled

O ator britânico é o embaixador oficial da nova água de colónia “Cypress & Grapevine” da Jo Malone London. Para a campanha, Hardy recrutou o seu pai, Chips Hardy, e o cineasta Edward Berger para produzir um filme que defendesse as “idiossincrasias, dicotomias e peculiaridades” de Londres.

O visual cinematográfico tem como cenário as ruas escuras de Londres, onde Hardy observa uma “bela mistura” de pessoas, numa noite normal. O guião, escrito por Chips, ecoa o sentimento da cena: “A vida em Londres é viver com diferenças”, diz Hardy na abertura, antes de uma eclética lista de imagens mostrar uma mulher a tomar um milk-shake, um homem à espera de transporte, um dançarino de roupa dourada e um florista a fazer entregas à chuva.

Os opostos que se atraem, os enigmas, os paradoxos, o excecional e o contraditório: fazem parte de quem somos”, narra o ator sobre acerca das vistas deslumbrantes da capital inglesa antes do filme passar o plano para a personagem principal, a fragrância.

Elogio a Spielberg e desabafo sobre a família marca encontro de Cannes com Meryl Streep

Posted By Rodrigo Fonseca On In Em Foco | Comments Disabled

Atriz com o maior número de nomeações aos Óscares (21), Meryl Streep passou a limpo os seus 47 anos de serviços prestados à arte numa espécie de aula armada por Cannes no dia seguinte à entrega da Palma de Ouro de Honra à estrela.

Sou mãe de quatro crianças. Elas já estão crescidas, mas o trabalho não para. E eu tenho cinco netos. Não consigo ver muitos filmes, fora no período do fim de ano, quando as produções do Oscar chegam aos cinemas“, disse Meryl, que elogiou a longa-metragem de abertura do festival, “Le Deuxième Acte“. “É um filme espetacular. Fui dormir de madrugada a falar dele“.

Numa conversa com o jornalista Didier Allouche, a atriz de 74 anos passou em revista os seus sucessos e escolhas. “Ao ver o videoclipe de imagens da minha trajetória feita por Cannes, onde estive pela última vez há 35 anos, sinto-me num comboio bala a ver a minha juventude a passar pela janela. A minha idade madura também, assim como a fase na qual estou, sem saber para onde vou“, disse ela, que elogiou Steven Spielberg, com quem trabalhou em “The Post” (2017). “Ele é um génio que sabe tudo de mise-en-scène“.

O Festival de Cannes prossegue até o dia 25.

O cinema das Filipinas em foco na Quinzena de Cineastas

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Em Foco | Comments Disabled

Um ano depois de uma programação orientada para o Norte de Portugal, a Quinzena de Cineastas, e a sua “Fábrica”, lança na sua edição 2024 um olhar atento a Dapitan nas Filipinas, cidade na província de Zamboanga del Norte, onde foram filmadas quatro curtas-metragens, assinadas a meias por realizadores locais e internacionais, exibidas esta quarta-feira, 15 de maio, em Cannes

Este programa, que se propõe a apoiar novos talentos no cenário internacional, permitindo que várias duplas de jovens cineastas co-realizem um filme, conta com o aclamado Lav Diaz [6] como Padrinho desta “Fábrica”, e a presença das curtas “Cold Cut”, de Don Josephus Raphael Eblahan (Filipinas) e Tan Siyou (Singapura); “Silig”, de Arvin Belarmino (Filipinas) e Lomorpich Rithy (Cambodja); “Nightbirds”, de Maria Estela Paiso (Filipinas) e Ashok Vish (Índia); e “Walay Balay”, de Eve Baswel (Filipinas) e Gogularaajan Rajendran (Malásia).

E começamos pelo último, “Walay Balay”, provavelmente a curta que revela maior maturidade e dimensão política já que se passa nas sombras e dolorosas memórias do conflito de Marawi, um combate armado que decorreu na cidade de Marawi, em Mindanau, entre as forças do governo das Filipinas e militantes dos grupos islamitas salafitas Abu Sayyaf e Maute, filiados ao grupo Estado Islâmico (EI). É com isto em mente que seguimos Norayda e a sua filha Yahairah, que encontraram consolo numa cidade vizinha, mas são frequentemente abaladas pelas lembranças do conflito. Construído num preto e branco evocativo e simbólico, “Walay Balay” demonstra ser um registo doído do impacto que a guerra tem na condição humana.

Filmado na mesma província, mas em registos bem diferentes do dramatismo da curta anterior, “Silig” puxa pelo humor e “Cold Cut” pela dança para contar a história dos desejos de duas mulheres. No primeiro, Sylvie Sanchez é uma mulher que regressa à sua terra natal, minada de tradicionalismos ligados ao catolicismo, para preparar o funeral. Esta tarefa, à partida simples, dá uma volta de 180 graus quando a mulher decide optar pela cremação, ao invés do enterro tradicional, gerando uma série de problemas. Já “Cold Cut” parte de um concurso de talentos para, do Hip Hop à dança contemporânea com raízes ancestrais, mostrar uma jovem confrontada por um estranho talhante. Na estética, são os filmes com menos força, mas o carácter sensorial de “Cold Cut” dá à curta uma dimensão além cinema e no campo da performance.

É de misticismo e com carácter mais surreal que chega até nós a última das curtas exibidas, “Nightbirds”, onde seguimos o caminho de Ivy quando o pássaro místico Tigmamanukan a ajuda-a libertar-se do seu marido, o qual gasta o dinheiro comum em lutas de galos. Com personagens adornadas, através de CGI, por cabeças de pássaros, “Nightbirds” é o tomo mais arrojado dos quatro, embora essa gímnica visual distraia mais que organicamente contribua para a sua história e força.

O Festival de Cannes arrancou no dia 14 e prolonga-se até dia 25 de maio.

Kirsten Dunst e Daniel Brühl juntam-se a Keanu Reeves no novo filme de Ruben Östlund

Posted By Jorge Pereira Rosa On In Em Foco,Notícias | Comments Disabled

Kirsten Dunst e Daniel Brühl vão juntar-se a Keanu Reeves no elenco do próximo filme do realizador Ruben Östlund, “The Entertainment System Is Down“.

Este novo projeto de Östlund, duas vezes vencedor da Palma de Ouro (“O Quadrado [7]“; “Triângulo da Tristeza [8]“), passa-se num voo de longo curso cujo sistema de entretenimento do avião desliga-se e os passageiros tornam-se “seres humanos modernos que têm de lidar com o tédio e os seus próprios pensamentos“.

Em entrevista, Östlund assumiu que ambiciona ter “o maior número de desistências da história de Cannes” durante o visionamento de um filme, acrescentando que existe uma cena do filme em que um rapaz pede emprestado o iPad do irmão mais velho e é-lhe dito que tem de esperar cinco minutos. “E depois quero desafiar o público“, brinca Östlund. “Ficamos com o miúdo em tempo real. E ele está a olhar para o catálogo, a pô-lo no sítio e a inquietação começa a aparecer. Então ele pergunta à mãe: “Quanto é que nos resta?”. E ela diz: ‘Bem, agora são quatro minutos e 45 segundos, tens de te acalmar‘”. “Quando o público começar a perceber que se trata de uma filmagem em tempo real, acho que muita gente vai ficar muito, muito frustrada“.

Recorde-se que este projeto é o sétimo de Östlund e o seu segundo em língua inglesa, depois de “Triangle Of Sadness“.