Terça-feira, 30 Abril

«Labour of Love» por Jorge Pereira

A escassez ou falta de diálogos nunca foi razão para tornar um filme entediante (que o digam Kim Ki-Duk ou Béla Tarr, por exemplo), mas nesta primeira longa-metragem do realizador, designer e pintor Aditya Vikram Sengupta, essa ausência apenas acentua o facto de estarmos perante uma curta-metragem no corpo de uma longa e onde uma boa ideia é traída pela inépcia do cineasta em ir mais além do que apresentar um trabalho visualmente cuidado e belo.

Os sacrifícios e a vida difícil de um casal de trabalhadores que nunca se vê (ela trabalha de dia numa fábrica de bolsas, ele de noite na gráfica de um jornal), numa Calcutá a fervilhar laboralmente (lá nos diz uma voz-off), são a essência deste desafiante, mas nunca desarmante Labour of Love. Esta obra, que Sengupta levou à jornada dos autores em Veneza, peca essencialmente pela pouca destreza do realizador em cativar o espectador a chegar ao final que tanto quer mostrar.

Assim, e ao longo de uns curtos (mas que parecem infinitos) 84 minutos, vamos assistindo à vida deste duo, juntos mas separados pela necessidade de sobrevivência, enquanto cozinham, dormem, passeiam, trabalham etc.

É verdade que estes momentos são captados sempre de forma tecnicamente superior e até poética, preferindo o cineasta uma forma não convencional de apresentar a sua narrativa, ou seja, esta avança através de elementos que são mostrados e não contados. Mas, por outro lado, também é correto dizer que a queda para certos simbolismos ocos, aqui transformados em ouro, soa a pretensiosismo. Até porque muitos desses elementos funcionam como meros artefatos ausentes de substância, embora nos queiram impingir – pela sua beleza plástica -que são muito mais que isso (o sol a pôr-se, a água a evaporar numa panela, a bicicleta a subir as escadas etc).

É no meio destes fetiches artísticos que o centro da história, o amor de um casal afastado pela necessidade de sobreviver, se perde, transformando tudo em algo mais abstrato e onírico que real ou sofredor.

Assim, e embora estejamos perante uma obra com pontos muito ricos, até a nível sonoro (o design de som é sublime, mesmo sem a existência de diálogos), Labour of Love acaba por se perder e por se transformar em algo demasiado plástico, terminando por ser mais interessante visualizar pelo potencial que o seu realizador demonstra ter do que, propriamente, pelas qualidades do filme em si.

O Melhor: Embora caia muitas vezes na tentação do videoclipe artístico e erudito, é um filme estética e sonoramente belo
O Pior: A mensagem central do filme perde força e realismo pela sua plasticidade


Jorge Pereira

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