Segunda-feira, 29 Abril

«L’Apollonide» (Apollonide – Memórias de um Bordel) por Inês Monteiro

Março de 1900, final da Belle Époque. Entramos no dia a dia das raparigas tristes e deprimidas que dão corpo a um requintado e melancólico bordel parisiense. Madeleine, Samira, Julie, Clotilde, Léa e Pauline são lideradas pela sua Madame, que gere a casa com elegância e um conjunto de regras rigoroso. Pauline é a última a entrar naquele espaço em decadência e a única que de lá sai, de livre vontade e sem ser para a morte. 
 
Estamos perante um espetáculo cruel feito de jovens mulheres presas a uma vida sem saída. Elas são os servos da sua madame que lhes avança dinheiro para perfumes e vestidos luxuosos, mantendo-as em dívida para com ela. São as vítimas das doenças da sociedade e por isso punidas com sífilis, gravidez (razão pela qual se submetem a exames ginecológicos regulares com medo e trepidação) e encontros sexuais humilhantes. 
 
L’apollonide é um clube de cavalheiros que se encontram para conversar, beber e fumar e onde o relacionamento social é tão importante quanto o sexual. Os homens são retratados como fracos e o sexo é mais sobre a realização das suas fantasias do que sobre o ato. A sua passagem pela casa constitui uma fuga a um mundo em mudança. Não passam de almas perdidas, transportando uma imagem de decadência entediada. 
 
O filme interessa-se por mostrar a dinâmica das raparigas como um grupo, e entre elas e os seus clientes (os regulares, os casuais). Não existe propriamente um personagem principal. Depois de ser vítima de um fetichismo erótico doentio e perverso, Madeleine deixa de se encontrar com homens e passa a tratar da cozinha e da roupa, até ser convocada para aparecer como uma aberração numa soirée de sexo libertino. Destaca-se um pouco mais pela violência a que é exposta, mas nem por isso aparece em mais cenas. As outras, excetuando Pauline – que tem uma aparição mais curta, mas de extrema importância – são intercambiáveis e formam quase um só personagem.
 
É fora de grades, na única cena ao ar livre, que acontece um momento singular de verdadeira alegria. Com uma inocência desinibida, as raparigas podem ser elas próprias e não o brinquedo dos seus opressores.
 
A fotografia é lúgubre, sensual e fascinante. Rico em texturas, dá-nos os contornos da ansiedade e tragédia destas grandes odaliscas. A lírica da câmara e dos figurinos cria uma claustrofobia exuberante, uma espécie de gaiola dourada onde as prostitutas da alta-classe vivem. Há claras alusões à pintura de Manet, Renoir e Toulouse-Lautrec, tanto na pose e nos detalhes técnicos, como nos figurinos e iluminação.
 
A inesperada utilização de música moderna em várias cenas cruciais (The Moody Blues – Nights in White Satin ou Lee Moses – Bad Girl) pinta não só um retrato triste do fim de uma época, como relata uma tragédia contemporânea. 
 
Os bordéis estavam em declínio e L’apollonide encontra-se à beira da falência, desde que as mulheres começaram a prostituir-se na rua. Nas cenas finais, trespassa a sensação de um paraíso perdido, não sem se derramar sangue, sem se queimar a pele e presenciar a morte.
 
O Melhor: a fotografia
O Pior: a violência excessiva e escusada na cena crucial
 
 
Inês Monteiro
 

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