Quarta-feira, 24 Abril

Cannes: a miserabilidade é um espétaculo em «Les Misérables»

Cannes é tomada de assalto com um "primeiro filme".

Les Misérables chegou e arrancou – dos vários jornalistas presentes no visionamento – um forte aplauso que sucedeu um olhar incrédulo e estourado após uma viagem infernal ditada pela lei do mais forte.

Há algum tempo o festival da Riviera Francesa não experienciava tão frenético ritmo. Extensão da homónima curta produzida em 2017, Ladj Ly marca de forma rompante a sua presença na Competição com um verdadeiro conto da moralidade ao invés de um conto moral.

É um filme que vem beber de uma crescente vaga de cinema policial francês, pontuando o seu teor de realismo social com uma visão de inclusão. É de uma força encontrar um realizador que consiga filmar a sua “selva de asfalto”, um multicultural subúrbio de Paris, com a sobriedade possível com que une o cinema de guerrilha, e ao mesmo tempo coloca como refém as imagens de um drone – que aqui obtém a sua relevância narrativa e não somente estética.

O enredo inspira-se nos tumultos de 2005 em Paris e também na famosa obra literária de Victor Hugo. Aliás, este Les Misérables segue o template de outros Les Misérables (Os Miseráveis) e coloca em xeque o imaginário romantizado de uma França que se apoia na força da maioria para expor o seu climax. A ambiguidade reina aqui e é tão bom ver estes tons cinzentos associados a uma guerra sem fim e apoiada por um argumento incisivo e prestável à memória dos policias à paisana (há um paralelismo com um universo tão Antoine Fuqua e David Ayer, isto comparando com o cinema made in USA).

Ao contrário da miopia de muita imprensa norte-americana, que utiliza o seu cinema como parâmetros de comparação, Ladj Ly não é nenhum Spike Lee como tem sido apresentado ao Mundo (na Europa também). A imparcialidade, mesmo inexistente, não soa tão gritante como no cinema do realizador de BlackKklansman e, claro, Do the Right Thing (Não Dês Bronca).

Se formos jogar esse jogo de elementos de reconhecimento, então porque não situá-lo no mesmo continente de Polisse, de Maiween, e La Haine: O Ódio, a obra-prima hoje algo desprezada do cinema francês.

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