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Urso de Ouro para Nadav Lapid: um prémio que é sinónimo de coragem

Talento nunca faltou à parisiense Juliette Binoche e, a julgar, pela premiação do 69º Festival de Berlim, cujo júri ela presidiu, coragem também é algo que ela tem para esbanjar, dada a opção por ignorar o favoritismo do drama sobre empoderamento feminino God exists, Her name is Petrunya, e coroar um esteta de explosivo teor político como Nadav Lapid.

O israelita de 43 anos ganhou o Urso de Ouro por um filme geométrico: Synonymes não transcende o campo do afeto, mas é de uma potência formal singular, além de carregar uma contundente carga de filosofia em sua mirada sobre o pertencimento. O seu foco é a inquietude do jovem Yoav (Tom Mercier), um alter ego do cineasta, que, como ele, deixou Israel (cheio de mágoas com sua terra natal) para refazer a vida em Paris. O seu aliado é um dicionário de Hebreu x Francês. O passado é a sua cruz. A sua vontade é se apagar e renascer parisiense. Mas a tradição não vai deixar. Nem a saudade, palavra que não encontra correspondente preciso em vernáculos de diáspora, de exílio.

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Polémico em sua visão crítica sobre sua pátria, Lapid é o atual queridinho da revista Cahiers du Cinéma, a bíblia da intelectualidade cinéfila desde os anos 1950. Aos 43 anos, com uma obra iniciada em 2003, ele ganhou prestígio ao filmar por The Kindergarten Teacher (2014), que ganhou um remake no ano passado nos EUA. Agora, entra de vez para a equipa dos gigantes. É pena que Juliette tenha ignorado God exists, Her name is Petrunya, reduzida ao Prémio do Júri Ecuménico. Mais pena ainda foi ver Fatih Akin e seu primoroso The Golden Glove serem ignorados. Mas o público há de fazer desse thriller sobre o assassino Fritz Honka, o Nosferatu de Hambugo, um sucesso.

Mas o lamento por Akin pode ser atenuado com o êxito de François Ozon e seu necessário Grâce à Dieu. A trama sobre o combate à pedofilia na Igreja Católica saiu daqui com o Prémio Especial do Júri. É um reconhecimento ético da luta das vítimas de um padre abusador (cujo processo será julgado em março) e uma reverência merecida a um prolífico realizador que coleciona sucessos de bilheteira (8 mulheres, Dentro da casa, O amante duplo) e críticas elogiosas.

Há que se comemorar o reconhecimento do escritor Roberto Saviano como argumentista dos bons, por La Paranza dei Bambini (Os Meninos da Camorrapt; Piranhasbr). É um Les quatre cents coups da Camorra. Foi Saviano quem escreveu Gomorra, livro filmado em 2008, por Matteo Garrone e celebrizado como um dos mais importantes longas da Itália neste século. Agora, o diretor romano Claudio Giovannesi (de Fiore) aproveita a literatura de Saviano pelo prisma da juventude: seu longa aborda um grupo de adolescentes mafiosos.

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Ao decidir quem contemplar com o Prémio de contribuição artística, uma distinção técnica, a equipa de Juliette escolheu o fotógrafo Rasmus Videbaek, pelo visual estonetante de Out stealing horses, da Noruega – nele, um viúvo vai se refugiar da dor da perda emu ma fazenda e se depara com fantasmas da sua juventude. Ao decidir sobre o ganhador do Prémio Alfred Bauer, um troféu que coroa novas perspectivas narrativas para o cinema, os jurados bateram o martelo em prol da estética videoclipada de System Crasher, de Nora Fingscheidt, no qual uma menina inferniza a vida dos casais que tentam adotá-la, ao limite da brutalidade.

Foi uma premiação cerebral, mas digna.

Lista de Premiados da Berlinale 2019

Urso de Ouro: “Synonymes”, de Nadav Lapid (Israel)
Prémio Especial do Júri: “Grâce à Dieu”, de François Ozon (França)
Documentário: “Talking about trees”, de Suhaib Gasmelbari (Sudão)
Melhor filme de estreante: “Oray”, de Mehmet Akif Büyükatalay (Alemanha)
Realização: Angela Schanelec (“I was home, but…”)
Atriz: Yang Mei (“So long, my son”)
Ator: Wang Jingchun (“So long, my son”)
Guião: Roberto Saviano, Claudio Giovannesi e Maurizio Braucci por “Piranhas – La paranza dei bambini”
Troféu Alfred Bauer (de inovação de linguagem): “System crasher”, de Nora Fingscheidt
Prémio de contribuição artística: Rasmus Videbaek, pela fotografia de “Out stealing horses”
Curta-metragem: “Umbra”, de Florian Fischer e Johannes Krel (Alemanha), com o Prémio Audi de curtas para “Rise”, de de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca (Brasil)
Prémio da Crítica: “Synonymes”, de Nadav Lapid (Israel)
Prémio da Amnistia Internacional: “Espero tua (re)volta”, de Eliza Capai
Prémio do Júri Ecuménico: “God exists, Her name is Petrunya”