Quinta-feira, 25 Abril

O levante da Tunísia no BFI – e o que de melhor se viu em Londres

Neste sábado, Londres vai ser loteado pelo México: ROMA, de Alfonso Cuarón, contará com uma série de projeções no BFI – London Film Festival para deixar evidentes as virtudes que lhe renderam o Leão de Ouro de Veneza. Na terça, o mesmo vai acontecer com Touch me not, o misto de artes plásticas, cinema e sessão de psicanálise que rendeu o Urso de Ouro à romena Adina Pintilie na Berlinale. Já que a função do Festival de Londres é servir como uma compilação do melhor que houve nas grandes competições cinematográficas internacionais, as joias de Cannes não podem ser descartadas. Dear son, da Tunísia, é uma das mais valiosas. É exibido em Inglaterra neste sábado. Retrato cru da juventude tunisiana que luta contra os valores da tradição moral, Weldi no original é dirigido por Mohamed Ben Attia (de Hedi) e foi revelado na mostra Quinzena dos Realizadores, tendo aí convertido num acontecimento.

O mundo olha pra juventude com medo, de modo opressor. Precisamos de entender quem são os jovens e como eles podem mudar a realidade”, disse Ben Attia ao C7nema, em Cannes.

O seu filme é uma porta aberta para uma nação que o cinema pouco conhece e funciona, ao mesmo tempo, como um divã para as relações entre pais e filhos. Custou €1,2 milhão, quase nada frente ao custo médio dos projetos de maior impacto na Croisette (€9 milhões para os europeus; US$ 20 milhões para os americanos), e só teve sinal verde para sair papel graças ao sucesso da anterior longa-metragem, batizado de A Amante no Brasil. Com ele, o cineasta conquistou o prémio de Primeira Longa-Metragem no Festival de Berlim de 2016, tendo as neuras familiares como foco a partir de um dilema romântico.

Existem fantasmas universais e a família é um deles. É um mal comum a todas as culturas que, um dia, pode acabar, tornando a gente mais livre, porém menos humano“, disse Ben Attia, que chega à capital inglesa neste sábado. “Não sei se a recorrência do meu interesse em dilemas familiares faz de mim um autor. E talvez a questão mais recorrente nas histórias que eu tenho esteja no papel dos jovens no seio familiar. O tempo passa, mas a inquietação e a inadequação dos jovens não muda de cultura para cultura. Todo o mundo tem problemas com rejeição, introspeção, incompatibilidade com os pais”.

Elogiado como “magistral” e “perturbador” em sua passagem pela Quinzena de Cannes, Dear son parte da relação entre o jovem Sami (Ben Ayed), tímido e alvo de recorrentes doenças, e dos seus pais. Preocupado com a situação do filho, Riadh (Mohamed Dhrif), um pai zeloso, decide reformar para aproveitar mais a companhia do rapaz. Mas perto desta, Riadh é avisado de que Sami desapareceu. Uma tragédia instaura-se no seu lar a partir desse ponto.

Meu trabalho é entender a falta de diálogo, que é um cancro inter-relacional. Existe uma eterna nódoa de incomunicabilidade entre as gerações que parte, no caso familiar, de uma certa imposição da felicidade como norma. O facto de um pai alimentar, vestir e dar teto a um filho não dá a ele o direito de cobrar do rapaz ou da rapariga uma alegria que pode não fazer parte de seu quotidiano. ‘Dear son’ é uma forma de expor essa dificuldade de conexão entre pais e filhos sem passar por questões religiosas tão inerentes à representação da África nos grandes ecrãs“, disse Ben Attia. “Durante 70 anos, o meu país apenas fazia dois filmes por ano. Há menos de uma década, conseguimos chegamos à marca de 20 longas-metragens ao ano, com o apoio de coproduções com outras nações, a maioria delas europeias, e a vitrine de festivais”.  

O QUE SE VIU DE MELHOR NO BFI ATÉ AQUI:

Life Itself

Criador da série This is us, um fenómeno global, Dan Fogelman fez Londres chorar com este folhetim sobre os efeitos que o fim do casamento entre um argumentista (Oscar Isaacs) e uma pesquisadora de teoria dramática (Olivia Wilde) pode ter sobre diferentes pessoas – seja eles parentes, seja eles desconhecidos. Antonio Banderas vive um dos afetados por esse trágico rutura amorosa: na pele de um produtor de azeite, o ator espanhol chega ao apogeu do seu talento.  

The Broker

Desafiando todas as convenções de censura do Irão, a cineasta Azadi Moghadam dá um nó nos nossos juízos morais neste documentário sobre a rotina de uma agência de namoro no país. Cabe a uma senhora, a experiente Sadri, ser cupido para homens e mulheres que se cansaram da solidão.

Border

Neste louco thriller fantástico vindo da Suécia, mas dirigido por um iraniano (Ali Abassi), uma oficial de aduana com olfato apurado se encanta com uma criatura da floresta.

Wildlife

O ator Paul Dano estreia na realização com uma maturidade única, fazendo um balanço da decadência moral dos EUA a partir da crise de um casal nos anos 60, tendo uma Carey Mulligan em estado de graça como protagonista.

Ash Is The Purest White

Dona de uma leveza contagiante em seu gestos, a atriz Zhao Tao vive uma destemida integrante de um clube de mafiosos de quinta duma periferia da China neste recente thriller de Jia Zhang-ke.

Mandy

Sob a direção de Panos Cosmatos (filho de George P. Cosmatos, o realizador de Cobra), Nicolas Cage dá a Cannes a sua atuação mais inspirada num thriller de horror sobre uma seita satânica.

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