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Frankenstein, Lovecraft e a “Freira Maldita”: arranca hoje (04/09) o Motelx

 

 

O único festival português dedicado exclusivamente ao terror decorre entre 4 e 9 de setembro em Lisboa – tendo como espaços principais o cinema São Jorge, a Cinemateca Portuguesa e o Museu Berardo. Para a sessão de abertura The Nun – A Freira Maldita, spin-off de Conjuring que tem a sua primeira exibição a nível mundial em Portugal. Entre os convidados constam Pascal Laugier e Xavier Gens, ícones da vaga “New French Extremity” com Martyrs e Frontiers, respetivamente, que debatem o tema em masterclass, e Leigh Whannell, argumentista e colaborador de James Wan na criação das franquias Saw e Insidious, e que apresenta em Portugal Upgrade, trabalho que ele próprio realizou.

EXÉRCITO DAS TREVAS

Com um visual algo entre o medieval, com caveiras e masmorras e, segundo um dos diretores, Pedro Souto, com evocações de O Exército das Trevas, filme de Sam Raimi de 1992, o festival avança com a sua habitual ponte com o passado. “Este ano houve uma interpretação em torno de filmes como ‘O Exército das Trevas’, que une-se ao stop motion mítico de Ray Harryhausen para traçarmos um caminho mais clássico de transmitirmos a imagem“, observa.

 

MULHERES E MONSTROS

Mary Shelley escreveu há 200 anos o seu Frankenstein em meio a noitadas plenas de Romantismo no famoso castelo da vida Diodati junto do seu icónico anfitrião, Lord Byron. Para homenagear o acontecimento, nove filmes ganham vida na esplanada da Cinemateca – começando pelo Frankenstein com o qual James Whale e a Universal imortalizaram a criatura na cultura popular e passando por oportunidades de ver obras-primas como The Body Snatcher, clássico produzido por Val Lewton que une Boris Karloff e Bela Lugosi.

Ao mesmo tempo, as tonalidades dos dias que correm invocam uma apreciação no feminino. Para isso, um grupo de mulheres debate a presença de Shelley na sua época em evento na Cinemateca. Segundo outro dos diretores do festival, João Monteiro, “’Frankenstein’ fazia a passagem do terror gótico-medieval para a era moderna, com a revolução industrial como pano de fundo e trazendo ainda a questão da ciência – isso tudo décadas antes de outros clássicos. Impressiona como foi uma miúda de 19 anos a lembrar-se disto!

A questão da mulher vem ao de cima numa altura em que, por exemplo, na indústria do cinema, o seu papel tem sido revisto. “Não é o papel do festival debater o feminismo contemporâneo”, diz Monteiro. “Mas o debate é pertinente numa altura em que, cada vez mais, temos vindo a apreciar filmes de terror feito por mulheres – o que é notável num género com um histórico tão reacionário“.

 

QUARTO PERDIDO: O MALTRATADO CINEMA PORTUGUÊS

Já as escolhas para o Quarto Perdido de 2018 servem para demonstrar que não é preciso recuar muito no tempo para encontrar filmes esquecidos no sempre maltratado cinema português São o caso do distópico Aparelho Voador a Baixa Altitude e A Filha, obras da realizadora sueca radicada em Portugal Solveig Nordlund onde destaca-se a capacidade para o fantástico de uma das primeiras autoras mundiais a adaptar J. G. Ballard.

A primeira curta dela foi uma adaptação de Lovecraft e todos os seus filmes  têm um componente ligada ao fantástico, diz Monteiro. Em ‘Aparelho Voador a Baixa Altitude’, um OVNI na nossa cinematografia, ela adapta J.G.Ballard antes mesmo de Spielberg ou David Cronenberg. Já ’A Filha’ era um filme que andava desaparecido e há tempos queríamos exibi-lo. Mesmo sendo recente é difícil de encontrar. A ideia da seção Quarto Perdido é precisamente essa. Vamos reunir os atores que participaram destes filmes e fazer sessões interessantes”.

LUSITANOS – PARTE II – ÉPICOS ‘TRASH’ AÇORIANOS

Também não abundam longa-metragens portuguesas de terror; para este ano, no entanto, surgem duas coproduções – uma, a de Mutant Blast, primeiro filme de Fernando Alle, com a legendária Troma; a segunda, Inner Ghosts, com realização de Paulo Leite, uma coprodução com o Brasil. O primeiro liga terror com ação e comédia num futuro distópico com zombies; o segundo é um filme de fantasmas na linha de Insidious.

Nas curtas-metragens, no entanto, não há problemas de escassez. Segundo os organizadores do Motelx, entre 60 e 80 filmes concorreram, um número notável dado o contexto de produção de cinema em Portugal. “Temos divulgado o prémio junto de escolas, produtoras, agências e temos recebido muitos projetos“, assinalam. E a qualidade, tem crescido ao longo dos anos? “Certamente“, asseguram. Já a diversidade estilística e temática é total. Conforme pormenoriza João Monteiro, existe animação, filme com “crianças diabólicas“, “revenge films“, uma adaptação de Edgar Allan Poe (Coração Revelador, pela atriz e realizadora São José Correia), uma bizarrice inclassificável (Yet Another Christmas Tale) e até o que classifica como um épico ‘trash’ absoluto – a obra açoriana Freelancer.

LOVECRAFTIANOS

Mais de um século depois um escritor mal pago perambulava com seus escritos repletos de novos mundos: H.P. Lovecraft terá direito à uma exposição no cinema São Jorge, uma edição ilustrada de seus contos mais famosos e uma sessão muito especial com Edgar Pêra e Legendary Tigerman, um cine-concerto em 3D com leituras de trechos das suas obras.

EXPERIÊNCIAS INESQUECÍVEIS

Na Competição, onde estão incluídas nove longa-metragens europeias, e no Serviço de Quarto constam a maioria dos filmes do Motelx. Um dos destaques, estreado em Sundance e com passagem por Cannes, é Mandy. Diz Pedro Souto: “Não é só pelo Nicolas Cage, o filme como um todo é uma experiência de cinema inesquecível, onde o trabalho de imagem, de som, de música leva-nos para uma coisa meio etérea, totalmente psicadélica entre o sonho e o pesadelo absoluto. Foi muito bem recebido e é um filme ideal para ver em sala“.

Souto também destaca Piercing: “é um filme intenso e inesperado e uma confirmação de um realizador que nos trouxe Eyes of my Mother, mostrando que é um cineasta a acompanhar. É uma comédia negra bastante perturbadora e também brinca com a questão da tortura de uma maneira violenta mas muito estilizada. A realização explora isso de maneira fascinante”.

Cutterhead, segundo Monteiro, é da Dinamarca e um filme muito interessante. “É passado nas obras do metro em Copenhaga e uma jornalista que está a fazer uma reportagem fica presa numa cabina de compressão da escavadora. Ela fica lá fechada com dois imigrantes, um da Croácia e um africano e o filme é sobre a Europa que temos agora pós-Brexit e o tema da imigração. É um ‘thriller’ sufocante, com cenas bem fortes”.

Ele assinala também mais três filmes: o brasileiro Morto não Fala, que assinala o regresso do cinema do país ao Motelx pela mão de Dennison Ramalho, argumentista do último trabalho do Zé do Caixão (“um filme de terror incrível sobre um rapaz com poderes mediúnicos que trabalha numa morgue e fala com os espíritos!“), o argentino Terrified (“uma grande surpresa, um filme bastante simples, artesanal, mas cheio de boas ideias e com algumas sequências que nos fizeram, mesmo estando mais habituados a esse género, arrepiar“) e o britânico Ghost Stories, uma antologia que homenageia standards do cinema das ilhas, como os filmes da Amicus, da Hammer e o clássico Dead of Night, do qual retira a estrutura episódica.

Para além de tudo o que já foi destacado, vale a pena mencionar diversos outros filmes: Murder me Monster, uma das grandes bizarrices do último Festival de Cannes, Ghostland, retorno de Pascal Laugier aos temas da claustrofobia e do sadismo na senda de Martyrs, Hagazussa – A Heathen’s Curse, um atmosférico devaneio no universo das bruxas, Unsane, um claustrofóbico suspense passado num hospício do sempre inventivo Steven Soderbergh, e Knife + Heart, obra de Yann Gonzalez estreada em Cannes que traz Vanessa Paradis como uma produtora de filmes porno de terceira categoria a investigar um homicídio…