Terça-feira, 19 Março

Cannes: os protestos que marcaram esta 71ª edição

Desde a sua conceção que o Festival de Cannes foi palco de inúmeros protestos, com particular destaque para os ocorridos em 1968 que levaram os seu prematuro encerramento. François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Berri, Claude Lelouch, Louis Malle e outros lideraram um grupo que “insistia que o festival deveria fechar como uma questão de solidariedade para com os estudantes da Sorbonne e os 2 milhões de grevistas franceses”. Dos 28 filmes programados, apenas 11 foram exibidos.

Nos últimos anos, vários foram as ações realizadas, quer em sala, quer no tapete vermelho, estando na memória recente o protesto em 2016 durante a apresentação de Aquarius, de Kleber Mendonça, contra o impeachment de Dilma Roussef.

Time’s Up em Cannes

Logo no primeiro sábado do Festival, no dia 12 de maio, a presidente do júri do Festival de Cannes, Cate Blanchett, e a realizadora belga Agnès Varda deram destaque às reivindicações de 82 figuras da indústria numa marcha silenciosa no tapete vermelho no Festival de Cinema de Cannes protestando contra a falta de representação feminina no certame e nas suas 71 edições.

Relembrado que nas suas 71 edições, apenas 82 mulheres realizaram filmes presentes em Cannes (em oposição a 1688 realizadores), o grupo mencionou ainda como só 12 vezes o júri do festival foi liderado por uma mulher e que apenas duas realizadoras saíram de lá premiadas (em oposição a 71 homens).

Kristen Stewart, Marion Cotillard, Ava DuVernay, Lea Seydoux, Alice Rohrwacher, Haifaa Al Mansour, Jane Fonda, Mariana Ximenes, Salma Hayek e Ursula Meier foram outros nomes que marcaram presença nesta ação.

 

“Negra não é a minha profissão”

Ainda antes do Festival de Cinema de Cannes começar, dezasseis atrizes negras ou mestiças francesas apontam num livro as manifestações de racismo comuns ouvidas no exercício de seu trabalho. Com o nome Noire n’est pas mon métier, o projeto quis iniciar um debate sobre o racismo no cinema francês. No dia 16 de maio elas marcaram presença no certame para falar dos “clichés herdados de outras épocas“: Felizmente você tem traços delicados“, “você fala africano?“, “É demasiado negra para (desempenhar) uma mestiça“, “não é suficientemente africana para protagonizar um a Africana” são algumas das frases que este grupo de mulheres denunciou na obra e em Cannes.

Entre os nomes do cinema local que assinam em conjunto o livro, encontravam-se Aïssa Maïga (Bienvenue à Marly-Gomont) Nadège Beausson-Diagne (Bem-vindos ao Norte), a ex-Miss França Sonia Rolland (Palácio das Necessidades, 2013), e Eye Haidara, nomeada ao César pelo seu papel em O Espírito da Festa (2017) ou Assa Sylla, revelação de Bando de Raparigas (2014).

 

Os Krahô em Cannes

 O elenco e a equipe de Chuva e Cantoria na Aldeia dos Mortos, um filme sobre o povo indígena Krahô do norte do Brasil, assinado pelo português João Salaviza e pela brasilera Renée Nader Messora, mostrou cartazes de protesto contra o tratamento dos índios do Brasil. 

Segundo dados do governo, existem cerca de 900 mil índios no Brasil (abaixo dos estimados 3 a 5 milhões que viviam no país quando os colonos chegaram em 1500). 12,5% das terras da nação pertencem a eles. No ano passado, o governo fez mudanças na forma como a terra era demarcada para uso indígena, uma ação que os ativistas acreditam beneficiar os grandes proprietários de terras, em vez da população nativa.

 

Crimes na Faixa de Gaza


Vianney Le Caer/Invision, via Associated Press

Momentos antes de Han Solo estrear com pompa e circunstância no Festival, o tapete vermelho recebeu a visita da atriz libanesa Manal Issa mostrou um cartaz onde se lia “Parem os ataques a Gaza“, que vitimaram 60 pessoas apenas nos últimos dias.

Dias depois, no pavilhão da Palestina no Marché du Film, personalidades ligadas ao cinema juntaram-se para novos protestos. À cineasta e poeta Annemarie Jacir juntaram-se os restantes membros do júri da secção Un Certain Regard: o ator Benicio Del Toro, o diretor russo Kantemir Balagov, a atriz francesa Virginie Ledoyan e a diretora artística do Festival de Cinema de Telluride, Julie Huntsinger.

“Hoje de manhã acordei muito zangada (…) Quando entrei na reunião do júri, expressei a minha raiva e disse que faríamos um protesto que estava sendo planeado no Pavilhão da Palestina, e todos os meus colegas do júri disseram que se juntariam a mim nesta ação.”

Também compareceram nessa ação diversos outros nomes do cinema, como Raed Andoni, Rashid Masharawi, Mohamed Jabali, Hannay Atallah, Laila Abbas, Nehad Khedar, Rami Younis, May Odeh e Lena Boukhari.

 

Kristen Stewart sobre as escadarias sem sapatos


Alberto Pizzoli/Agence France-Presse

Não é concreto se realmente houve um protesto por parte de Kristen Stewart, mas a imprensa norte-americana avançou que a atriz decidiu quebrar o protocolo do Festival e caminhar descalça numa situação que fez as delícias das redes sociais. Falou-se que era um protesto contra medidas sexistas do certame, que não veem com bons olhos – por exemplo – que as mulheres andem no tapete vermelho com sapatos rasos. 

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