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IndieMusic, uma das grandes ideias do IndieLisboa em 13 notas

O contrário pode existir, mas não existe público de cinema alternativo que não adore música. Por isso o IndieMusic é uma boa ideia. O festival decorre entre 26 de abril e 6 de maio e os filmes do IndieMusic são exibidos no cinema São Jorge e na Culturgest.

O C7nema fez um inventário da programação – e uma divisão temática em três partes – meramente ilustrativa e tão artificial quanto qualquer separação. De denominador comum encontrou isto: música é ousadia, desafio, esticar os limites. Ou, pelo menos, aquela que possa, de alguma forma, ser associada ao espírito indie. E é também empreender: a rebelião não pode esperar pelas estruturas estabelecidas.

Assim, não é à toa que o punk está um pouco por todo o lado – seja em testemunho direto (Here to Be Heard: The Story of The Slits) ou dos seus herdeiros (o rock escocês de Teenages Superstars, as L7 em Pretend We’re Dead, os loucos empreendimentos de Stuart Sweezey em Desolation Center).

Betty, They Saying I’m Different

Mais mulheres fortes estão no universo do “funk” em Betty, They Saying I’m Different, sobre a rainha do funk Betty Davis, e na música eletrónica em M.I.A., Maya, Matangi que, por seu lado, dispensará maiores apresentações.

De origem negra tem a música pela qual os   portugueses travaram duras batalhas para verem aceites aquilo que adoravam: hip hop, grafite, breakdance. Dois filmes contam essa história – Não se Pode Criar o Mundo Duas Vezes e Hip to da Hop, aos quais, por afinidade temática, pode se incluir French Waves – ou a grande luta das raves contra a repressão em território francófono.

Outros andamentos: do universo da música erudita vem o belo Ryuichi Sakamoto: Coda, dos primórdios do jazz fusion Milford Graves: Full Mantis e da longínqua, culturalmente falando, Etiópia, vem Ethiopiques.

 

PUNK, ROCK, REBELIÃO: FAÇA VOCÊ MESMO – PARTE 1

 

HERE TO BE HEARD: THE STORY OF THE SLITS (William E. Badgley)

Tipicamente essa banda de ladies enfurecidas consta frequentemente na historiografia do punk como a banda de abertura de The Clash e Sex Pistols. O machismo não lhes foi de todo desconhecido – antes pelo contrário: quando a arrasadora onda iconoclasta varreu as ilhas britânicas e mudou o mundo da música para sempre, isso não significou que as mulheres estavam convidadas para a festa. O filme narra como as Slits derrubaram a porta a pontapés.

 

L7 – PRETEND WE’RE DEAD (Sarah Price)

Quem aproveitou tudo isso uma década depois foi outra girls band poderosíssima – com uma diferença crucial: enquanto as Slits nunca ultrapassaram o underground, a banda de Donita Sparks, Jennifer Finch, Demetra Plakas e Suzy Gardner arrebentou nos charts e legou para posteridade um pequeno clássico punk-rock-grunge-pop: Bricks Are Heavy. A história segue com diversão garantida e a mais original e divertida sequência de abertura da seção.

 

DESOLATION CENTER (Stuart Sweezey)

Os punks fogem da polícia para o deserto em Desolation Center. O filme narra as aventuras do muito empreendedor Stuart Sweezey, que a alturas no filme até se compara a Fitzcarraldo (personagem do clássico de Werner Herzog que comandava o transporte de um navio pela floresta amazónica) no sentido de meter-se em empreitadas difíceis. O resultado são algumas epifanias coletivas muito peculiares – e por lá passam, entre outros, reis do noise como o Sonic Youth ou alguns dos primeiros exploradores do rock industrial, os germânicos do Einstürzende Neubauten.

 

TEENAGE SUPERSTARS (Grant McPhee)

Outro lugar a entrar na história depois das possibilidades abertas pelo punk foi Glasgow. Os frutos começaram a nascer a meio dos 80s, especialmente inspirados em mentores como The Pastels e, principalmente, o selo Creation. A partir daí um leque de bandas de referência inscreveram-se na história, compondo uma invasão escocesa protagonizada por Jesus & Mary Chain, Soup Dragons, Primal Scream e os multiplatinados Oasis. A narração é de Kim Deal – a baixista dos Pixies.

 

RAVES, HIP HOP, REBELIÃO: FAÇA VOCÊ MESMO 2

 

NÃO SE CONSEGUE CRIAR O MUNDO DUAS VEZES (Francisco Noronha, Catarina David)

Da sabedoria de um dos criadores dos Mind da Gap saiu o nome deste filme, que traça um panorama tão amplo quanto possível de um instante no tempo impossível de recriar. Por outras palavras, a dado momento um grupo de rappers do Porto (mais precisamente de Vila Nova de Gaia) começou a introduzir em Portugal um estilo de música e artes associadas vindo dos guetos nova-iorquinos. O resultado da interpretação foi longevo – sente-se até hoje. Além dos citados Mind da Gap, os Dealema e muitos, muitos outros, fazem as rimas.

 

HIP TO DA HOP (Fábio Silva, António Freitas)

Hip Hop e cultura de rua num âmbito espacial alargado (o título refere-se à Viagem a Portugal em 4 Vertentes) e que coloca no mesmo plano que a música outras áreas ligadas ao fenómeno – como o grafite e o breakdance. Os artistas entrevistados discutem a evolução do cenário em Portugal – das dificuldades iniciais à massificação – enquanto muitos revelam os seus métodos de trabalho.

 

FRENCH WAVES (Julian Stark)

Já não havia punks para inspirar a juventude nos anos 90 – mas havia os DJs. Os primeiros, que ainda promoviam raves ilegais e eram frequentemente importunados pela esquadrão do conservadorismo repressor – a polícia. Os Daft Punk, como sempre, só aparecem em “espírito”, mas por aqui andam Bob Sinclair e Laurent Garnier e, ainda mais, a novíssima geração, que já não promove raves e, muito sintomaticamente, trabalha sozinha a partir de casa.

 

MATANGI/MAYA/M.I.A. (Steve Loveridge)

Mais artistas houvessem como M.I.A. em termos de posicionamento político público e talvez o mundo fosse um lugar melhor. A abrir com um “eu estaria enterrada no álcool e nas drogas se não me expressasse”, o título do filme passa pelos seus diversos batismos e a história por muitos momentos – dos backstage dos Elastica ao remoto Sri Lanka.

 

BETTY – THEY SAY I’M DIFFERENT (Phil Cox)

Outra história no feminino – a de Bette Davis e o seu epíteto de “rainha do funk”. Mais uma nos anos 70 – que continuava a não ser lugar para mulheres – particularmente aquelas que compunham e produziam as suas próprias músicas e não ostentavam a imagem desejada para o seu sexo. O título do filme foi o mesmo escolhido por ela para o segundo álbum espelha justamente esse sentimento.

 

STUDIO 54 (Matt Tyrnauer)

Há cenas culturais que não seria as mesmas sem os grandes templos e vários filmes da seção IndieMusic falam destes “santuários” onde tudo começou. Studio 54, no entanto, debruça-se só sobre um deles – a icónica discoteca de Nova Iorque que foi o templo da disco music e de um império de hedonismo louco e inevitável decadência. Estrelando, os mentores do empreendimento: Ian Schrager e Steve Rubell. E, claro, muitas personalidades.

 

OUTROS ANDAMENTOS

 

RYUICHI SAKAMOTO: CODA (Stephen Schible)

Há de figurar no saldo final dos grandes momentos deste IndieLisboa este trabalho em torno do músico, ator e ativista japonês. Longe do barulho, a poesia meditativa do homem que foi chamado para ser intérprete em Feliz Natal, Mr. Lawrence, clássico de Nagisa Oshima, mas “na arrogância da juventude” disse que só aceitava se fizesse a banda sonora (legou um dos seus momentos mais conhecidos, “Forbidden Colours”) e entre imagens de Tarkovsky e retornos no tempo vai construindo o seu percurso e revelando o seu processo criativo.

 

MILFORD GRAVES: FULL MANTIS (Jake Meginsky, Neil Young)

Cinematograficamente o mais inquieto dos filmes da IndieMusic, onde a preocupação em sintonizar com o biografado em experimentos formais o leva ao uso dos mais variados recursos estilísticos. O virtuoso baterista que esteve nas origens dos jazz fusion a partir do final dos anos 60 não é apenas o homem por trás de tambores ensurdecedores, mas também alguém dotado de uma filosofia de vida e uma perspetiva do universo muito particular.

 

ETHIOPIQUES – REVOLT OF THE SOUL (Maciek Bochniak)

Mais que de música Ethiopiques avança por melhores tempos na vida da Etiópia, onde um regime de tolerância cultural possibilitou uma ampla diversidade originada da música local no cruzamento com obras ocidentais. Em 1974 tudo mudou com um golpe militar e uma ditadura subsequente. Somente 22 anos depois toda essa vitalidade chegou a Europa quando um jornalista organiza uma série de álbuns que chegaram a ate ao volume 30. O nome da coleção: Ethiopiques.