Terça-feira, 19 Março

Fragmentos do mundo contemporâneo: começa hoje (19/10) o Doclisboa

O festival decorre entre 19 e 29 em espaços como a Culturgest, a Cinemateca, o Museu Berardo e os cinemas São Jorge e Ideal. A programação desloca-se em diversos tempos e locais para oferecer um amplo panorama temático; o enfoque alternativo presta-se a outros olhares sobre o mundo que nos cerca.

TERRITÓRIO NACIONAL

Tudo começa em Lisboa: Ramiro, de Manuel Mozos, mergulha na rotina dum alfarrabista da capital e faz as honras de abertura do Doclisboa 2017; para o Encerramento o teatro desloca-se para a capital do Brasil (Era uma Vez Brasíla), que surge distópica na ótica de Adirley Queirós – que retorna ao festival depois da passagem com Branco Sai, Preto Fica em 2014.

Em Portugal os temas da Competição são muitos e trazem uma mostra que ignora a duração dos filmes – há curtas, médias e longas-metragens. A crise económica perpassa em Notas de Campo, a destruição do património histórico e o desalojamento de famílias em função do negócio em Dom Fradique, enquanto muito se passa em interiores (À Tarde, Eclipse, Barulho, António e Catarina), Espadim acompanha a vida de três homens entre a casa e o trabalho e Vira Chudnenko trata de uma mulher atacada por cães rotweiller.

Entre as longas, há o inevitável tema da desertificação e do envelhecimento das populações do interior em obras como Diário das Beiras, de João Canijo, enquanto dois destaques que apontam para outras fronteiras: I Don’t Belong Here (Paulo Abreu) aborda a dura vida de imigrantes açorianos deportados para ilha vindos dos Estados Unidos – que não estão nem aqui nem lá e O Canto do Ossobó (Silas Tyni) marca uma viagem a outro arquipélago, o de São Tomé e Príncipe, em busca de identidade pessoal entre os fantasmas da longa história de escravatura da população.

Fora de competição João Salaviza estreia em Portugal aquilo que já mostrou em Berlim – uma mistura de paranoia com rap cabo-verdiano em Altas Cidades de Ossadas; por seu lado Todas as Cartas de Rimbaud (Edmundo Cordeiro) é uma aventura intelectual que entrecruza poesia e filosofia e Filipa Reis mergulha em cenários da Guiné-Bissau em Spell Reel.

Um dos grandes momentos deste Doclisboa será, porventura, Quem Foi Bárbara Virgínia (Luísa Sequeira), narrativa que segue os passos da personagem-título para entender o cruel “apagamento” da história da primeira mulher a fazer longas-metragens em Portugal. Três Dias sem Deus, o seu filme, também cometeu a proeza de ser selecionado para a edição inaugural do Festival de Cannes – exibida lado-a-lado a monstros do cinema como Alfred Hitchcock, Billy Wilder e Jean Cocteau!

PELO MUNDO

Risk desdobra-se pelo mundo para Laura Poitras contar a claustrofóbica história de um herói à moda do século XXI, Julian Assange; muito longe também foi o veterano Claude Lanzmann na mistura de comentário político com memórias pessoais em Napalm, resultado de uma visita à Coreia do Norte; Ainda na Ásia há o suspeito do costume, Wang Bing, com Bitter Money e Mrs. Fang, e Barbet Schroeder a abordar o budismo em Venerable mr. W.; preocupado com a Terra toda estará em videoconferência Al Gore para a sessão de The Unconvenient Sequel: Truth to Power.

Do Brasil, além da sessão de encerramento, há um poema de rara beleza (No Intenso Agora, de João Moreira Salles) e um achado de construção histórica (Histórias que o Nosso Cinema não Contava, de Fernanda Pessoa) – onde uma sociedade sob uma ditadura sangrenta (anos 70) é transgressivamente retratada num subgénero cómico-erótico que passou à história como “pornochanchada”. Como parte da Competição está Martírio (Vincent Carelli), um amplo panorama sobre a destruição dos índios pelo agronegócio.

AS ARTES

Como sempre umas tantas cerejas do topo do bolo do Doclisboa vêm da secção Heart Beat, inteiramente dedicada ao mundo das artes.

Este ano há divas provocativas (Grace Jones: Bloodlust and Bami), trágicas (Marianne Faithful em Faithfull, Whitney Houston em Whitney Can I Be Me), grandes astros de outros tempos (Becoming Cary Grant), cinema indie com música (Alive in France, de Abel Ferrara), música com cinema indie (The Inertia Variants” com Matt Johnson, dos The The, Never Stop com os eletrónicos alemães, Bamseom Pirates Seoul Inferno, com uma banda punk coreana), jazz (Bill Frisell: a Portrait), artes plásticas revolucionárias (Beuys), entre outros.

Uma menção adicional que poderia ser escolhida entre muitas: do Afeganistão vem a história de um cineasta que, contra todas as probabilidades, faz filmes numa terra devastada – em The Prince of Nothinwood (Sonia Kronlund).

A HISTÓRIA

Cineasta com mais sorte na proveniência, Jean-Luc Godard tem um raro momento seu recuperado: Grandeur et Décadence d’un petit Commerce de Cinema foi feito para a televisão nos anos 80 e, como sempre, parte de uma coisa (um thriller, neste caso) para chegar a outra muito diferente.

Por fim, mas não menos importante, os destaques especiais são Vera Chytilova, nome absoluto do Cinema Novo da antiga Checoslováquia, e a americana Sharon Lockhart. O festival contará ainda com uma grande retrospetiva dedicada ao cinema de Québec e um trabalho essencial sobre a  antiga Presidente do Conselho Europeu, a francesa Simone Veil (Simone Veil – a French Story), falecida em junho deste ano.

A programação completa pode ser conferida aqui.

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