Sexta-feira, 19 Abril

«Les Droles D’Oiseaux» por Jorge Pereira

Há um plano onde a nossa protagonista, envolvida em pensamentos, olha por uma janela como que refletindo a sua vida e fazendo um Raio X à sua alma. Essa imagem caracteriza bem todo este pequeno filme de Élise Girard, Les Droles D’Oiseaux, não seguisse ele a história de Mavie (que num jogo de palavras significa em português “A minha vida”), interpretada por uma Lolita Chammah que canaliza muito do olhar e figura da sua mãe na vida real, Isabel Huppert. E isto, enquanto cimenta simultaneamente a sua identidade como atriz numa obra que em certos momentos nos remete para outros tempos do cinema francês (Coucou, Godard) e para uma Paris sempre luminosa que mais parece um palco do Teatro.

Depois do autobiográfico Belleville Tokyo em 2010, Girard regressa com mais um “minúsculo” filme que funciona como meditação sobre o amor de uma jovem do interior (Tours) que se mudou para Paris e que encontra trabalho numa livraria com um dono misterioso que nunca vende livros, mas vai-lhe entregando altas somas de dinheiro.

Regado com referências literárias (ela gosta de Margueritte Duras, lê Virginia Wolf), cinematográficas (A Culpa é do Macaco, de Howard Hawks, é mencionado) e musicais (banda sonora de Bertrand Burgalat com uma pincelada de La Tosca de Puccini como contraste), este é um trabalho de interiores e exteriores que trespassam o estado de espírito de duas personagens separadas por várias décadas nas suas idades.

À ingenuidade e romantismo de Mavie, responde o veterano Jean Sorel (A Bela de Dia; Uma História Perversa) com o seu ácido Georges, uma figura longe do paternalismo que prima pelo sarcasmo e pragmatismo e que funciona simultaneamente como um pilar antagónico que dá ao filme o humor e crueza, e a Mavie o abanão para expandir o amor para além dos livros e da escrita.

Nisto, e mais que um filme com uma história sumarenta, Les Droles de Oiseaux é um trabalho de detalhes e pormenores poéticos que vincam a preferência de Girard para de forma lírica e simples contar os embaraços e delírios de um casal impossível.

Podíamos entrar no cliché de dizer que estamos perante uma pequena pérola, mas não o fazemos. Este é mais um pequeníssimo conto de duas “aves raras” que se sentem estranhas num mundo ainda mais estranho. Um mundo onde gaivotas caem do céu e se discute o nuclear e o ativismo sob um olhar bifurcado entre a ingenuidade romântica e o humor sarcástico dilacerante onde não faltam situações burlescas.


Jorge Pereira

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