Sexta-feira, 29 Março

Seis Noites de Terror: Comboio para a diversão

O yin e o yang no quarto dia do Motelx. Em “Berlin Syndrome” a protagonista fascina-se com tapetes na janela, em “A Dark Song” o contato com o “lado de lá” não inclui telecinese histérica; no extremo oposto não há tempo para olhar pela janela em “Train to Busan”: um suspiro em falso significa uma dentada fatal.

TRAIN TO BUSAN

Clichés de filme-catástrofe, dramas sentimentais colados com cuspo. Críticos americanos referiram o “conteúdo social” do filme; estão habituados à anemia dos seus blockbusters. O que existe aqui é uma “réstia” de ideia, que pode ser resumida assim: os culpados dos males são os especuladores da Bolsa de Valores. Over. Mas nada disto importa. Em “Train to Busan” só os zombies interessam. E a ação – para uma diversão que sabe menos a plástico que “World War Z”.

A Coreia do Sul é um país com uma área pouco maior que a de Portugal com 50 milhões de habitantes: quando uma praga de origem não identificada (o artifício lançado por Romero continua a valer) se abate, até há mortos-vivos a caírem do céu e a infestarem todos os espaços passíveis de serem preenchidos; ultraviolentos, andar requebrado, velocíssimos, mais loucos e ferozes do que nunca.

Fora dos ecrãs mais de dez milhões sul-coreanos saíram de casa para embarcar na viagem: foi o único filme a conseguir a façanha por lá. O responsável já andou pelo Motelx com algo mais sombrio em 2013: Yeon sang-ho fez “King of Pigs”. Também foi sucesso em França e a Gaumont quer fazer um remake. A única coisa a lamentar é que este filme, ideal para uma experiência coletiva de sustos e gargalhadas (dependendo do sentido de humor), não tenha aberto o Motelx 2017.

BERLIN SYNDROME

No extremo oposto Cate Shortland propõe uma história de sequestro com a beleza sutil da arthouse: delicados movimentos de câmara, pormenores nas passagens, nuanças nos personagens. Todas as possibilidades a Teresa Palmer mostrar o que vale. Ela é uma turista australiana que anda a fotografar detalhes de uma Berlim desconhecida. Viagem, descoberta, risco, romance. Não será bem assim, mas é o que ela pensa – especialmente conhece um nativo (Max Riemelt), o bom liberal alemão de dia, um fetichista sem humanidade à noite.

Shortland gosta de pôr as suas protagonistas em processos forçados de autodescoberta; mas enquanto em “Lore” Saskia Rosenthal vagueava pela terra arrasada com a ressaca do sonho nazi-nacionalista como pano de fundo, aqui o único movimento é para dentro. Sem hipóteses de saída: ao contrário das aparências, não existem as soluções de thriller (confrontos físicos apenas esporádicos, nenhuma autoridade policial, sem salvadores de para-quedas). O tempo flui à frente das janelas que Palmer olha como uma condenação irremediável. Mas muita coisa está a acontecer.

A DARK SONG

Em “A Dark Song” o cenário também único e a quantidade de protagonistas também se resume a uma dupla, mas a jornada de descoberta é bastante menos inocente. Uma mulher (Catherine Walker) aluga uma casa na zona rural de Gales para ter sossego. Alia-se a um rude praticante das artes da cabala (Steve Oran) para adentrar pelo além; quer encontrar seu anjo da guarda (e outras coisinhas mais).

Comparado à vasta tradição de casas a lidar com fenómenos paranormais, “A Dark Song” parece uma meditação. Em termos de cinema não há objetos a voar nem um desespero histérico em provocar sustos (filmes como “Annabelle 2”); “A Dark Song” é contruído num cuidadoso limbo entre a farsa, a crença e o real, onde Gavin conecta-se cinematograficamente com os terrores invisíveis de velhos mestres como Jacques Tourneur.

A Irlanda, país do estreante Liam Gavin, em outros tempos foi terra de mosteiros e sacrifícios ascéticos, das guerras de religião e de um catolicismo arraigado. Talvez isso explique que uma aventura pelas artes mágicas se revele misturada com a mitologia cristã e os seus fundamentos morais, como o perdão – com uma representação visual surpreendente. Conclusão: deste filme anti-sustos não se espera cinismo: na mente do argumentista/realizador o bom e o mau existem e duelam algures no intangível.

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