Sexta-feira, 29 Março

Morte às fórmulas e um “viva” à diversidade: arranca hoje (16/03) a Monstra

A arte pura está em conseguir nos emocionar de uma forma profunda não tendo que utilizar artifícios e fórmulas que estão sempre a repetir-se no cinema comercial”. Quem o diz ao C7nema é Fernando Galrito, o criador e diretor da Monstra.

Assim, sob o signo da diversidade estética e temática, começa hoje o maior festival de animação português. A 17ª edição da Monstra decorre entre 16 e 26 de março, em Lisboa, e vai exibir 565 filmes vindos de 68 países. A Itália, país homenageado este ano, terá mais de uma centena de títulos exibidos, enquanto Portugal, que terá diversos trabalhos nas competições de curtas-metragens, contará com 20 obras – entre as quais três antestreias mundiais.

O conglomerado Disney/Pixar e o esgotamento do mercado

Pelo seu poderio económico e logístico a animação “blockbuster” é a maior referência popular do cinema de animação, mas hoje em dia abusando de repetições que demonstram um claro esgotamento criativo. “Nada contra eles, mas a verdade é que a Disney e a Pixar esgotaram o mercado e engoliram tudo a volta deles – compraram as empresas todas e não sobrou quase nada“, lamenta Galrito.

Entre os grandes destaques da Monstra estão os filmes em competição que denotam, justamente, que a criatividade continua solta nos circuitos alternativos. É o caso de Minha Vida de Courgette, que esteve entre os cinco nomeados ao Oscar na categoria e tem antestreia nacional com a presença do realizador Claude Barras.

Apesar do tema forte, sobre órfãos, é um filme que pode ser apreciado pelas crianças“, diz o criador e curador da Monstra. “Tive muita pena dele não ter ganho o Oscar, já que o filme que ganhou não é, nem de perto nem de longe, comparável em termos de dimensão artística ou estética“.

Diga não aos “plot points”

Os argumentistas profissionais sabem bem o que são os “plot points” – um artifício utilizado no cinema mainstream para determinar os momentos específicos para cada sentimento (de tristeza, de humor) ou viragem no enredo.

Esse reducionismo à dinâmica da arte de contar histórias não acontece em Louise à Beira-Mar, outro filme da competição. “Temos uma história quase em linha reta e, no entanto, sentimos uma grande diversidade de emoções com aquela mulher que vive ali naquela cidade abandonada… E quase não precisa de diálogos, o filme não precisa explicar-se, as suas ações dizem tudo“.

Por trás do projeto está Jean-François Laguionie, do magnífico “Le Tableau” – também presença confirmada no festival.

Os iranianos não são terroristas

Um dos lemas mais perenes da Monstra é o seu compromisso com a busca da tolerância, sempre baseado na crença do seu idealizador de quanto melhor se conhecer a cultura alheia, menos temível ela parecerá.

Esta é a via temática do canadiano Window Horses, de Ann Marie Flemming, igualmente em competição, que conta a história de uma jovem poetisa que sonha viajar para Paris. Em vez disto ela vai parar ao Irão, onde irá descobrir não só as suas origens pessoais como uma cultura milenar e sofisticada.

Estamos sempre com medo das outras culturas“, observa Galrito. “Hoje em dia basta vermos uma pessoa com uma pele mais escura e uma barbicha e, certamente, ele carrega uma bomba dentro da mochila. O que descobrimos indo ao Irão é uma civilização milenar, muito anterior à nossa“.

Enquanto isso, no Japão, nem tudo são “ghiblis”…

O Hino do Coração, de Tatsuyuki Nagai, traz outro tipo de variedade – neste caso uma variação ao padrão Ghibli, uma das grandes referências internacionais da animação japonesa. “É um drama juvenil forte, com uma dimensão humana muito forte e uma estética muito própria – que foge ao padrão dos estúdios japoneses de referência. É bom haver outros olhares dentro do país“.

Os italianos somos nós

Mr. Rossi representa o italiano médio: à sua maneira, ele questiona a desorganização do seu país, a sua política e os seus serviços – terminando por encontrar verdades transversais a todos os povos. Ele é uma criação de Bruno Bozzetto, ícone histórico do cinema italiano e um dos convidados especiais da Monstra.

O realizador por um dos grandes clássicos da animação dos anos 70, definido por Galrito como “exuberante e felliniano”, Allegro non Troppo – uma paródia “dark” e sarcástica de “Fantasia“, da Disney.

Já a vertente da provocação política da obra de Bozzetto encontra ecos na novíssima geração – representada numa vasta mostra do cinema italiano contemporâneo. É o caso de nomes como Simone Massi e Gianluigi Toccafondo, quase “neorrealistas” na sua abordagem das classes mais desfavorecidas. Já de uma geração intermédia, o destaque é Enzo d’Aló.

A programação completa do festival pode ser encontrada aqui.

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