Quinta-feira, 25 Abril

«On Body and Soul» arrasa e vence também Urso de Ouro

 
Diogo Costa Amarante recebeu o Urso de Ouro pela curta Cidade Grande. E assim Portugal bisa em Berlim. Crise no cinema Português? Mas qual crise?!
 
Pronto, já está! A Berlinale nº 67 acabou com a chave de ouro. E que enorme edição foi esta, que não precisou de estrelas de Hollywood a desfilar pela passerelle, centrando assim a atenção totalmente na escolha dos filmes. Foi uma das melhores edições de que nos lembramos onde o nível médio foi igualmente dos mais elevados. Teresa Villaverde ficou-se pelo prémio de participação na Seleção Oficial, com Colo. Foi como ela disse na nossa entrevista “é uma vitória imensa estar em Berlim”.
 
 
Colo
 
Os diversos júris estiveram de acordo, já que o júri oficial acabou por repetir a decisão que o ecuménico e o da crítica haviam feito ao início da tarde de hoje, ao entregar o Urso de Ouro a On Body and Soul, o tal filme que nos cativou desde o dia 2 do festival. Assim que vimos este filme húngaro, ficámos literalmente presos – de corpo e alma – a este registo perfeito que combina um rigor meticuloso na mais sensacional história de amor. No sonho tudo é perfeito foi o título feliz que encontrámos para definir essa emoção que transbordou para fora do ecrã de uma forma contagiante. Ainda hoje já havia vencido o prémio FIPRESCI, da crítica internacional, bem como o prémio ecuménico, das organizações de fundo espiritual. É por assim dizer um vencedor em toda a linha.
 
Isto apesar de o grande favorito da imprensa ter residido em outras latitudes. Desde logo, nos dois grandes favoritos, sobretudo The Other Side of Hope, do finlandês Aki Kaurismaki, e também em Una Mujer Fantástica, do chileno Sebastián Lelio.
 
 
The Other Side of Hope
 
Em nosso entender, Kaurismaki tem um belo trabalho, rigoroso a seguir o seu trabalho autoral, e aqui a alinhavar o tema dos refugiados. Em todo o caso, apesar dessa componente afetiva ter merecido logo o aplauso da massa crítica, não podemos dizer que exista algo de novo no seu cinema. Há claro, uma eficácia feliz em dominar as várias componentes do filme, humor, estética e tema, mas, de alguma forma, a comédia ácida que vemos não cresce por beneficiar da intromissão desse tema mais sensível de incluir um refugiado sírio na sua história e a sua associação a um dono de restaurante. Fica-se, diríamos, pela intenção. Por tudo o que já se disse fica-lhe a matar o prémio da realização.
 
Já no que diz respeito ao bravo Una Mujer Fantástica, passa-se algo que é igualmente semelhante. Apesar do chileno Sebastián Lelio ter conseguido um drama pessoal brilhante, será difícil de dissociar a presença da atriz trans Daniela Vega, em cujos ombros carrega todo o filme. É essa também uma ‘causa’ do filme. Não que se trata de uma ‘causa’ abordada na narrativa, mas uma mensagem que é indelével, ao mesmo tempo orgânica neste filme. Ao receber o prémio de Melhor Guião, premeia-se então essa magnífica história de amor e perda de um homem que decidiu ser mulher, que amou e perdeu. Por isso mesmo, tiramos o chapéu ao júri liderado por Paul Verhoeven na sua escolha.
 
 
On the Beach at Night Alone
 
Já no plano das interpretações, as entregas para o alemão Georg Friedrich, em Bright Lights, de Thomas Arslan, e para a coreana Kim Ming-hee , por On the Beach At Night Alone, de Hong Sang-soo. George dá uma prestação robusta no pai introvertido que acaba por fazer uma viagem de carro com o filho adolescente durante o verão depois de cumprir o desejo de enterrar o seu pai no norte da Noruega onde decidira viver uns anos antes. Temos então essa luta de comunicação entre um pai a tentar recuperar o tempo perdido com o filho e este a retribuir com o distanciamento adolescente. Uma prestação que acaba por ser bem mais orgânica, já que vive quase tanto do que não se diz do que com aquilo que é proferido, devidamente ampliada pela luz constante do sol da meia-noite.
 
Já a coreana KimMing-hee  foi uma absoluta revelação no papel de uma atriz demasiado segura que gosta de apreciar as coisas boas da vida e as pessoas. Sobretudo quando bebe uns copitos de soju coreano deixando que a sua língua se solte para além do conveniente. Uma performance de tremenda segurança e afecto que só pode estar ao alcance de uma atriz completa.
 
 
Felicité
 
Referência ainda ao Prémio do Júri para Felicité, do francês de origem senegalesa Alain Gomis, com o seu retrato de fundo realista da vida dos menos desfavorecidos em Kinshasa, em particular da cantora que terá de arranjar uma pequena fortuna em tempo recorde para que o seu filho possa ser operado no hospital após um grave acidente de moto.
 
Cãlin Peter Netzer (que já havia vencido o Urso de Ouro em 2013 com Mãe e Filho), oferece-nos agora Ana, Mon Amour, uma observação psicológica e terapêutica da relação amorosa e turbulenta de um jovem casal romeno. O filme acabou por vencer o prémio de contribuição artística pela montagem da editora Dana Bunescu. 
 
Uma palavrinha apenas para Pokot, de Agnieszka Holland, vencedor do prémio Alfred Bauer, que acaba por ser um prémio de consolação para a Presidente da Academia Europeia de Cinema pelo seu esforço em criar um filme com uma componente de boas causas algo insólita. Ainda assim, bem filmado.
 
O que importará realçar neste momento é que a 67ª edição da Berlinale teve um nível bastante elevado, sem filmes de fraca qualidade. Compreende-se, pois, que filmes como Colo, de Teresa Villaverde, ou Joaquim, uma co-produção luso-brasileira, pela Ukbar Filmes de Pandora da Cunha Telles, possam ter ficado arredados do palmarés. Mas a qualidade não lhes será negada.
 
Foi bom este festival, Para o ano há mais.
 
 
 
On Body and Soul
 
 
Palmarés 67ª edição do Festival de Berlim
 
Urso de Prata Contribuição artística – Ana, mon Amour (montadora Dana Bunesco)
Urso de Prata Melhor Argumento – Una Mujer Fantástica, de Sebastián Lelio
Urso de Prata Melhor Ator – Georg Friedrich – Bright Lights, de Thomas Arslan
Urso de Prata Melhor Atriz –Kim Ming-hee  – On the Beach At Night Alone, de Hong Sang-soo
Urso de Prata Melhor Realização – Aki Kaurismaki (The Other Side of Hope)
Urso de Prata Albert Bauer – Novas perspectivas – Pokot, de Agnieszka Holland
Urso de Prata Prémio do Júri – Felicité, de Alain Gomis
Urso de Ouro – On Body And Soul, de Ildikó Enyedi
 

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