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Cannes: do falhanço de Sean Penn ao surpreendente «Aquarius»

 A extravagância da critica num dos melhores filmes brasileiros desde Elena, de Petra Costa. Mesmo que não ganhe a tão cobiçada Palma de Ouro, Aquarius já é um vencedor, um filme assombroso que opera sobre metáforas visuais, tecendo uma crítica subversiva à corrupção brasileira. A intriga remete-nos à conceituada jornalista Clara (Sónia Braga), a única residente do edifício Aquarius, visto que os outros habitantes foram a aliciados e persuadidos a sair por uma ambiciosa construtora, com misteriosos planos para o prédio. O aquário do titulo funciona como abuso a esta sociedade cada vez mais debatida, a situação atual sócio-politica brasileira é ponto de reflexão, antes, durante e depois do visionamento. A atriz Sónia Braga é a mais justa candidata ao prémio de melhor interpretação feminina.

Mas a surpresa não se ficou com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, o realizador filipino, Brillante Mendoza, supera o seu deslize do ano passado, Taklub, com este retrato social Ma’Rosa. Tal como seu oponente brasileiro, Ma’Rosa aborda uma sociedade corrompida, mas metáforas são deixadas de fora, porque é o realismo, o cinema verité manchado com o neo-realismo que transporta o filme a um argumento mais direto e provocador. Uma Manila que tão bem poderia-se comparar com Sodoma e Gomorra, as duas bíblicas cidades gémeas ligados aos pecados mortais.

Quanto à nova obra dos irmãos Dardenne, La Fille Inconnue, a surpresa é algo que não mora aqui. A dupla de realizadores continuam o seu retrato de mulheres frágeis, mas essa mesma fragilidade que lhes adquire uma força, longe o arquétipo heróico de Hollywood. O registo continua despido de qualquer brilho tecnicamente cinematográfico, tudo é filmado a cru e umbilicalmente ligado ao realismo formal. Adèle Haenel opera como o combustível dessa jornada cívica.

Já Cristian Mungiu, o realizador romano consagrado com a Palma de Ouro por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, continua com o seu cinema frio e ético com Graduation (Bacalaureat). Um filme que coloca o espectador na posição de juiz, julgando as personagens e os seus atos, a interpretação da paternidade, como uma responsabilidade acima de qualquer outra. Um dever que desafiará as próprias convenções morais.

The Neon Demon

Quanto ao momento “que é isto?”, temos o muito antecipado The Neon Demon, de Nicolas Winding Refn, um dinamarquês da escola de Lars Von Trier que tem igualado na repudia geral da imprensa. Uma analise ultra-estilizada e puramente visual de uma sociedade que julga pelos parâmetros de beleza centrando numa aspirante a modelo, Jesse (Elle Fanning), a típica rapariga do vilarejo que chega a Los Angeles em busca de um sonho. Porém, esta nossa “menina” tem algo de especial, um toque irresistível que desperta paixões, obsessões e ciume. Nicolas Winding Refn influencia-se em Mario Bava e Brian De Palma para a temática e estética desta pseudo-obra de terror, mas no seu córtex está tendências do expressionismo alemão, onde as luzes neons são as novas sombras e a imagem da femme fatale é aqui revisada. Contudo, este é o mais egocêntrico dos filmes de Refn, ou diria antes, uma rodagem centrada no seu umbigo com momentos de risibilidade involuntária. No final vieram os apupos e os corredores foram ditados pela controvérsia e a diversidade de opiniões.

Mais consensual, e com direito aos seus apupos, está The Last Face, a nova longa-metragem de Sean Penn, que evidencia ser o grande equivoco da Competição. Por mais que bem intencionado seja, este é uma pura iluminação da consciência branca, novamente citado por um ativismo politico de ingenuidade. Um romance entre os Médicos sem Fronteiras, imagens manipuladoras de massacres e “criancinhas” de forma a forçar uma sensibilização no espectador, diálogos péssimos (a audiência ria e aplaudida quando surgia uma péssima fala) e atores encalhados em “bonecos” unidimensionais. O que Sean Penn mostrou, foi um colonialismo, como África continua-se a ser um palco de romances indescritíveis, o pior é o racismo que este tipo de tratamentos pode trazer, deixando o nativos do Continente como meros danos colaterais, sem voz e sem alma. Certamente o pior do Festival.

Na próxima crónica, falaremos sobre a desilusão que foi Xavier Dolan, o regresso de Nicolas Cage à boa forma e os prognósticos de Elle, do holandês Paul Verhoeven.