Quinta-feira, 25 Abril

Arranca hoje (20/04) o Indielisboa

Arranca hoje a 13ª edição do Indielisboa, um festival que nos últimos anos tem-se assumido como um dos mais influentes certames nacionais. Neste novo ano, a mostra de cinema independente irá continuar a focar-se nas últimas novidades do panorama cinematográfico, assim como nos seus heróis. Nesse aspeto, o próximo Indielisboa terá como destaque a retrospetiva completa à obra do realizador holandês Paul Verhoeven. O C7nema falou com o diretor e programador Nuno Sena sobre programação, começando curiosamente por salientar este “autor interessante do cinema contemporâneo”.

 

Uma programação sob o signo de Verhoeven e Macaigne

A homenagem e retrospetiva integral do cineasta holandês “foi um parto iniciado já há algum tempo“, afirmou o diretor. Sena acrescentou ainda que com um filme seu na programação de Cannes, este conjunto de 17 sessões (16 de longas e uma sessão composta por todas as suas curtas) poderá ser visto como um “momento perfeito para revisitar o autor”.

Garantindo que esta proposta só fora reproduzida “até à data pela Cinemateca Francesa“, Paul Verhoeven será, no Indielisboa, fruto de uma “reavaliação crítica”. Sabendo que fora um cineasta que obteve uma “grande popularidade” e que caiu no esquecimento em consequência do seu flop americano, Showgirls, um filme que é atualmente discutido e até mesmo defendido por grandes nomes do Cinema, como o recém-falecido cineasta e crítico Jacques Rivette, e a anterior Herói Independente do Indielisboa, Mia Hansen-Løve.


Paul Verhoeven

O grande público, porventura, reconhecerá o realizador graças aos seus populares trabalhos em Robocop (1987) e Instinto Fatal (1992). O C7nema recomenda ainda ao leitor uma espreitadela à sua fase holandesa, como Delícias Turcas (1973) e Flesh + Blood (1985) como prioridades, e ainda o regresso a esse seu país natal com o conto de espionagem ambientado na Segunda Guerra Mundial, O Livro Negro (2006).

Ao contrário de Verhoeven, o qual não necessita de apresentações, Vincent Macaigne, um jovem ator, encenador, argumentista e realizador (tendo já assinado dois filmes), é um “talento enorme que necessitava ser apresentado ao público português“. Com mais de 40 anos e uma carreira composta por pouco mais de 30 filmes, Macaigne “foi apadrinhado por uma série de jovens realizadores franceses”. Porém, o ator também apadrinhou jovens “talentos que ele próprio considera fazerem parte de uma família, uma comunidade que está a mexer no atual cinema francês“, como por exemplo Louis Garrel, que estreia-se por detrás das câmaras com Les Deux Amis, filme que se encontra integrado nesta retrospetiva.


Vincent Macaigne

Nuno Sena acredita na importância deste Herói Independente, e a urgência deste ciclo entre o público, visto que Macaigne “será, ou se não é, um dos maiores atores franceses contemporâneos“. O Indielisboa orgulha-se de trazer o ator a Lisboa, que para além das suas intervenções durante os filmes, irá apresentar e coordenar uma conferência com um “titulo no mínimo provocatório” – Por uma Política dos Atores – onde visará de que maneira um “ator e um autor podem coincidir na criatividade do cinema“. Segundo Sena, “ele é um ator, não deixando com isso de ser um coautor dos filmes que entra. A sua influência sobre os filmes que participa está muito longe de cotar a questão da representação, mas sente-se que existe uma energia transbordante que acaba por influenciar em diversos aspetos a criação de um filme“.

Um festival em crescimento

Desde da sua primeira edição em 2004, o Indielisboa tem vindo a crescer gradualmente, e o resultado nota-se naquilo que é hoje apresentado. Nuno Sena relembrou que no seu primeiro ano, o festival contou com cerca de 500 filmes inscritos, tendo sido 100 selecionados. Na altura, “o Indie era um festival pequeno, contando com apenas três salas.“. O ritmo de crescimento estabilizou por volta dos 4 ou 5 anos (com uma seleção que rondava os 240/250 filmes). Para o diretor, esta 13ª edição é consideravelmente maior na sua mostra, muito derivado aos segmentos especiais de curtas.

Quanto aos critérios de seleção, ao contrário do que se imagina, não existe uma “fórmula ou guia para o selecionador do Indielisboa, o que há é um conjunto de pessoas que tem uma proximidade e afinidade na sua visão de cinema. Mas também alguma diversidade“. Nuno Sena ainda referiu o processo de seleção como “uma comitiva de consenso para o que parece mais importante, mais incontornável e que se identifique com o projeto, que é essencialmente à volta de uma ideia do cinema primeiramente renovado.”

Acreditamos que o cinema ainda tem coisas novas para oferecer“, aposta o diretor que adianta ainda que essas “propostas podem basear-se no passado do cinema, mas trazer algo de novo.

 

Os desafios do Cinema Português, a constante batalha!


Cartas da Guerra

Uma das principais preocupações do Indielisboa é a seleção nacional. Porém, Nuno Sena adiantou que tal tarefa já fora mais difícil, relembrando os tempos quase austeros de 2004 e salientando que a vinda do digital facilitou “muitas economias de produção“. Atualmente, o “leque de escolhas é mais alargado“, contando com quase 40 filmes selecionados de 100 inscrições, correspondentes a curtas e a longas-metragens.

Para o diretor, existem dois tipos de produções que poderemos encontrar na programação do Indielisboa: as de orçamento baixo, onde “a vontade de fazer cinema” é erguida, como os filmes de escola ingressados na secção Novíssimos, e as produções de maior ambição como Cartas da Guerra, de Ivo Ferreira, que será o filme protagonista do dia 25 de Abril.

“O Indie é um espaço de cinema, em que todos eles devem possuir uma forte identidade dos seus autores”, acerta Sena, “trazendo qualquer coisa, enquanto as suas premissas formais e estéticas fazem-nos acreditar para além de uma receita ou fórmula. Escolher cinema português é mais delicado, porque envolve que o festival funcione, para alguns realizadores, como uma primeira montra do seu trabalho. Podendo mesmo contribuir para que esses filmes tenham uma carreira nacional e internacional mais forte.

O veterano cineasta português, João Botelho, marcará presença nas salas do Indie com um íntimo tributo cinematográfico a um dos mestres do Cinema Nacional e Mundial, Manoel de Oliveira, que nos deixou no ano passado. Um filme concretizado com dedicação, mas infelizmente sob grande pesar, por um homem que deve a sua arte a este “pai” do nosso cinema. O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, é uma das recomendações do C7nema.

 

A música continua presente no Indie!

Como é habitual, o coração do Festival continua sob acordes musicais com a secção Indiemusic. Este ano, nas grandes novidades destacam-se em Sonita, de Rokhsareh Ghaem Maghami, que venceu dois importantes prémios em Sundance (de Júri e Público da secção World Cinema). Uma coprodução iraniana, suíça e alemã que vai ao encontro da jovem Sonita, uma imigrante ilegal afegã que vive nos subúrbios da cidade de Teerão e que sonha ser a futura “Rihanna”, porém, a família, ultra-conservadora, tem outros planos para a rapariga.

Miss Sharon Jones, da conceituada documentarista norte-americana Barbara Kopple, é o retrato de uma luta pela sobrevivência da vocalista Sharon Jones, a tardia rainha do R&B da banda The Dap-King. Conta-se ainda o regresso de Amy Berg (Deliver us From Evil), num encontro com outra rainha, desta vez a do rock and roll, em Janis: The Little Girl Blue.

 

A Boca do Inferno, mais um ano de vida!


Love, de Gaspar Noé

A mais recente novidade do Indielisboa demonstra, neste segundo ano de longevidade, fortes sinais de vitalidade. Uma seção nascida através da frustração dos seus programadores que se deparavam com alguns filmes que não encaixavam no já formado programa. Para Nuno Sena, “são filmes que jogam contra as expetativas do espectador, filmes provocatórios, da maneira como quebram ou desconstroem géneros cinematográficos.”

Outra razão para a criação do Boca do Inferno derivou do desejo de trazer a tradição das sessões de culto da meia-noite, presentes em inúmeros festivais mundiais, entre os quais Toronto, que trazem consigo um rol de cinema de género, ou de terror. A etapa do Indielisboa, foi em apostar nessas ditas fórmulas e colocar a sua “marca Indie”.

Segundo o diretor, com este espaço é possível “trabalhar registos que não são pactuáveis em outras secções do festival. Não deixando de ser filmes que sabotam, reconstroem ou reformulam questões genéricas. No caso deste ano, não se espera evidentemente que um festival passe filmes pornográficos, mas Love de Gaspar Noé trabalha esse tabu do cinema mainstream que é a representação do sexo e do explícito no ecrã. É um filme que encaixa perfeitamente nesta secção [Boca do Inferno].

Entre as novidades deste ano conta-se uma sessão especial que vem ressuscitar uma tradição lisboeta que no entanto desaparecera. Trata-se das maratonas cinematográficas. Na Boca do Inferno está agendado um ciclo contínuo que arranca às onze da noite, terminando às seis da manhã, aproveitando o espaço convidativo e particular do Cinema Ideal para um esperado ambiente de festa. Durante esta alusão, Nuno Sena relembrou as maratonas anuais dos Cinema Quarteto na década de 80 e a atmosfera festiva que na altura acomodava centenas de cinéfilos.

O diário filmado La Californie, de Charles Redon, foi uma das recomendações deixadas pelo diretor neste espaço. Neste filme, o realizador regista a sua história e a sua vida íntima ao lado da sua mulher, Mathilde Froustey (que é bailarina). Trata-se de uma obra em que o “espectador desconfia sempre do que está a ver e o diário filmado transforma-se, a dado passo, em qualquer outra coisa. Uma ficção com a biografia do realizador“, reafirma Nuno Sena.

 

Os convidados


Jean-Gabriel Périot

A presença do mais esperado de todos ainda está em aberto“, garantiu-nos Nuno Sena em relação a Paul Verhoeven. A sua eventual vinda a Lisboa poderá coincidir com os preparativos para o seu próximo filme, Elle, que estará em competição no Festival de Cannes. Porém, Vincent Macaigne está confirmado, assim como Jean-Gabriel Périot, que conquistou o público da edição anterior do Indie com a sua longa-metragem, Une Jeunesse Allemande.

Périot será alvo de retrospetiva na secção Foco Silvestre, com objetivo de demonstrar ao espectador mais desatento que este realizador “não nasceu ontem“, compilando os seus anteriores trabalhos e as curtas que tão bem evidenciam o seu modus operandis. A sua árdua tarefa em vasculhar o found footage com o intuito de “mostrar imagens do passado para iluminar o presente.” Para Nuno Sena, o cinema de Périot desencadeia o debate quanto às “condições político-sociais da sociedade contemporânea a partir das imagens registadas do passado“.

O diretor ainda revelou ao C7nema a confirmação de Petra Costa, a documentarista brasileira que tem triunfado com a sua ambição de unir o documentário e a ficção em prol do extremo intimismo. O Olmo e a Gaivota, a sua nova obra, que fora apresentado pela primeira vez no passado Festival de Locarno, aposta num drama docuficional e experimentalista duma atriz, que após uma inesperada gravidez, encara-se com a desintegração da sua carreira artística. Costa irá apresentar o filme em Portugal (que já conta com estreia comercial), ao lado da sua co-realizadora Lea Globb e dos protagonistas, assim como a criança que motivou a criação deste filme.

A 13ª edição do IndieLisboa, realiza-se entre 20 de abril e 1 de maio na Culturgest, na Cinemateca Portuguesa, Cinema São Jorge e Cinema Ideal.

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