Terça-feira, 16 Abril

Ninguém é bem-vindo ao «El Club»

Depois de Não, o chileno Pablo Larraín prenunciara o final da trilogia dedicada à ditadura de Pinochet, iniciada com Tony Manero, e prolongada por Post Mortem. No entanto, em El Club – vencedor do Urso de Prata pelo Grande Prémio do Júri em Berlim – ficámos a saber que essa resposta é apenas parcialmente verdade, pois neste ‘clube’ muito particular subsistem as relações de um poder tentacular invisível, no caso da igreja católica, e a forma como afastam dos fiéis determinados sacerdotes com passado de pedofilia.

Essa informação, no entanto, só nos seja dada após conhecermos o interior desse ‘clube’ onde a ‘penitência’ incluir apostas com cães de corrida e muito álcool à refeição. Algo que o padre Garcia (Marcel Alonso) da ‘nova igreja’ vem tentar solucionar após o suicídio de um cura incapaz de lidar com da ladainha vernacular com que o abusado Sandokan (Roberto Farías) vem expor à porta dessa casa de reclusão. Esse grupo de homens é defendido pelas interpretações de Alfredo Castro, uma presença obrigatória nos filmes de Larraín, Jaime Vadell, Alejandro Goic, que representou o filme no Cine Ceará, e Alejandro Sieveking, devidamente coadjuvados por uma mulher (Antonia Zegres, esposa do realizador). Novas regras passam a entrar nesta casa de ‘retiro’: tolerância zero ao álcool, nada de cães de corridas, oração e penitência.

Neste guião original alinhavado pelo próprio Larraín, em parceria com Guillermo Calderon e Daniel Villalobos, debaixo de fogo cerrado fica a santa madre igreja católica no Chile. De facto, um retrato algo sinistro da instituição que esteve também na base da educação de Pablo que recria esta espécie de mosteiro de luxo para proscritos. Mas um clube onde se passa a debater com alguma abertura a forma como é encarado o sexo com homens ou mesmo com crianças ou como a forma como o sexo entre homens pode ser defendido como algo superior ao sexo com uma mulher com fins reprodutores.

Não deixa de ser salutar que El Club aborde um tema tão complexo e perigoso com uma salutar aproximação que não está sequer isenta de um sentido de humor sibilino e perspicaz. Até porque esta narrativa incómoda vem envolvida num estilo visual que pôs de lado a alta definição e que impregna um aspeto mais cru e sujo, mas também mais verdadeiro, ao filme, a cargo da fotografia nublada de Sergio Armstrong. O mesmo se diga da compassada e penitente seleção musical a cargo de Alvo Part. Mesmo a uma segunda visão, deu para perceber a vitalidade do cinema que nos chega daquele país cuja forma alongada com perto de quatro mil quilómetros de distância e que nos deu outros filmes arrebatadores.

Em Berlim, por exemplo, com El Botón de Nácar, de Patricio Guzman, tal como Gloria, de Sebastian Lelio, em 2013, isto para não esquecer também outro Sebastian, o Silva, autor de Nasty Baby, uma fita apresentada este ano em Berlim na secção Panorama Special. Entre todos subsiste a particularidade de existir uma enorme partilha e colaboração de projetos a diversos níveis onde Larraín e o seu irmão produtor Juan de Dios têm o devido peso. Ficamos agora à espera do projeto sobre Pablo Neruda numa nova colaboração de Alejandro Goic. Adelante!

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