Quarta-feira, 24 Abril

Os bons, os novos… e a máfia. Arranca hoje (25/03) a Festa do Cinema Italiano

Um dos melhores cinemas do mundo volta a marcar presença em Portugal através da 8 ½, a Festa do Cinema Italiano, que arranca nesta quarta-feira no cinema São Jorge, em Lisboa. Como tem sido habitual, o evento estender-se-á a outras cidades, como Porto, de 9 a 12 de abril, Évora de 15 a 18 de abril, Caldas da Rainha de 25 a 27 de abril, Loulé de 1 a 3 de maio e Coimbra de 5 a 7 de maio.

A programação deste ano destaca o retorno à ativa de alguns mestres da fabulosa geração dos anos 60, como Ettore Scola e Ermanno Olmi, homenagens ao inventor do western spaghetti, Sergio Leone, e ao já clássico Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore (exibido em cópia restaurada) e a aposta nos jovens talentos italianos que têm marcado presença nos grandes festivais internacionais. A máfia, esse espetro da vida italiana, é outro tema recorrente.

Era uma vez na Itália

Na senda dos irmãos Taviani, que trouxeram um novo trabalho há dois anos, os veteranos Ettore Scola e Ermano Olmi, possuidores ambos de uma boa quantidade de clássicos no currículo, retornam respetivamente com Que Estranho Chamar-se Federico (foto acima) e Voltarão os Prados (foto abaixo). Mas, serão ainda estes grandes cineastas do “passado” capazes de dialogar com o mundo contemporâneo? 

Stefano Savio, diretor e co-programador da Festa, acha que sim. “Aquilo que se nota é que não são filmes maneiristas, fechados, à antiga. Este do Olmi é um filme forte, muito poético enquanto o do Scola é muito divertido, com muitas ideias, muito pouco convencional. O filme dele mistura ficção, documentário e memórias de uma maneira muito descontraída e livre. Esses realizadores tiveram oportunidade de voltar a fazer o que eles queriam, sem grandes imposições“, diz.

E se os mestres autorais dos 60 entraram para a história, o mesmo se pode se dizer do fantástico cinema de género: para além de deixar a sua marca na comédia, no drama, no policial e no terror, os italianos conseguiram ser o único povo fora dos Estados Unidos a fazer westerns de uma maneira credível. E a prova maior é o seu grande criador, Sergio Leone, que será objeto de duas exibições no São Jorge e uma extensiva programação na Cinemateca de Lisboa. Fora do género, o destaque é o seu épico Era uma vez na América, pela primeira vez exibido em Portugal na sua director’s cut.

“A Itália é uma paródia social…”

Falando-se em géneros, é possível que ninguém no mundo faça comédias como os italianos que, a milhas da parvalheira brejeira dos filmes de Hollywood, trazem obras realmente engraçadas, inteligentes e, frequentemente, com um forte subtexto de crítica polícia e social. Por que as suas comédias são tão boas?

Stefano acha que os italianos são muito bons a rirem-se de si próprios. “Esta é uma das nossas especialidades e é uma coisa que nos outros povos raras vezes se consegue encontrar. Os italianos sabem reconhecer a piada que há neles e nas outras pessoas e transformá-la num estereótipo, numa representação de pessoas reais. Para além disto nós temos uma necessidade de reconhecimento público constante. Quando não somos reconhecidos pelo bom, somos pelo mau. É o que acontece aí: o defeito é empurrado para fora de forma a ser identificável“.

E os modelos para estas representações são facilmente encontráveis. Ele faz jus ao que acabou de dizer e ironiza: “Neste momento vivemos numa paródia social, a Itália é uma paródia social. Há palhaços, há cómicos… Ao mesmo tempo temos sempre oportunidade de gozar com isso. Às vezes rimos é até demais, esse é o risco!

Ousadias maravilhosas

É certo que o que sucedeu à pujança dos “anos dourados” foi um processo contínuo de queda que acompanhou o cinema italiano na década de 80 e intensificou-se na de 90. O diretor da 8 ½ acredita que a sombra dos génios do passado estrangulou a criatividade de quem veio depois, algo que só começou a ser recuperado há alguns anos e que já traz consigo o selo de qualidade de alguns grandes nomes, como Matteo Garrone e Paolo Sorrentino. “Ainda era cedo para aquela geração lançar novas perspetivas, para que tivesse um outro olhar, uma autonomia, uma linguagem, Havia falta de coragem no universo dos autores.”

O cinema italiano ressuscitou no novo século, acompanhado por uma presença ostensiva nos grandes festivais de cinema internacionais. É deste meio que vem o filme de abertura, O País das Maravilhas (“Le Meraviglie”, no título original, foto acima) – naquilo que Stefano Savio reconhece como uma escolha ousada por ser uma obra completamente autoral. “É um dos filmes italianos mais esperados, a crítica tem sido excelente e o filme é poderoso. Apesar de procurarmos também um público mais amplo neste ano optamos por um desafio. Mas tem lá a Monica Bellucci, o público vai gostar“, brinca. A realizadora Alice Rohrwacher estará presente na sessão. 

Ousadias também no encerramento, onde Gabriele Salvatores traz O Rapaz Invisível, um filme de aventura à moda antiga, “onde a história era mais importante do que os efeitos especiais. Neste sentido o filme tem uma componente nostálgica“. Também deram o que falar obras da mostra competitiva Idade à Flor da Pele e In Grazia di Dio. Mais uma porção de títulos promissores completam a programação. 

A Máfia só Mata no Verão

Esse era o título do magnífico filme assinado por Pif que ganhou o prémio do Júri no ano passado e que trazia, justamente, o tema da omnipresença da máfia na vida italiana. A apropriação deste flagelo pela cultura cinematográfica faz com que novamente o tema apareça na Festa. Em 2015 é a vez do soturno Almas Negras, a ser lançado comercialmente pela Il Sorpasso, e da bem-sucedida série televisiva Gomorra (foto abaixo), adaptação do incómodo livro de Roberto Saviano (e escrita pelo próprio) que também inspirou o filme de Matteo Garrone.

Por que essa organização criminosa está entranhada desta forma numa sociedade a outros pontos tão sofisticada? Como o próprio Saviano o faz no seu livro, a desconstrução intelectual do mecanismo da máfia passa por entendê-la também como um fenómeno económico, social e político – e não apenas como um facto violento. A verdade é que os italianos têm uma vida no cinzento. Nós conseguimos pôr no mesmo prato realidades que parecem opostas mas que não o são. A máfia, onde age, completa a falta do Estado. Eles têm poder num território porque arranjam trabalho para quem não tem, oferecem serviços e toda uma rede de segurança àqueles que optam por ficar de um lado ou de outro. Este é o cinzento desta realidade“, observa Stefano. Neste sentido é que ele vê o grande mérito da série Gomorra, onde o gângster é despido de uma eventual aura romântica vinda dos filmes norte-americanos e incluído num sistema de gestão de poder e importância económica. “Não há um único personagem decente“, completa.

Por um punhado de livros

Um dos destaques das atividades paralelas é uma mostra de livros italianos, mais focada em autores recentes, publicados em Portugal – assim como de autores portugueses lançados em Itália. Outros eventos já tradicionais estarão presentes: os workshops de língua italiana para principiantes e o Cine-Jantar – este ano inspirado em Roma, de Frederico Fellini. Para os mais pequenos a programação inclui sessões de Pinóquio, Topo Gigio e Calimero.

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