Terça-feira, 23 Abril

Festa do Cinema Francês arranca hoje (02/10) dominada por temáticas sociais

A 15ª edição do evento inicia em Lisboa um longo périplo que deve percorrer ainda mais 17 cidades do país até 22 de novembro – naquela que é a sua mais ambiciosa realização. Na capital os filmes são exibidos no cinema São Jorge, no Instituto Francês de Portugal (IFP), organizador do evento, e na Cinemateca – local que sediará a retrospetiva dedicada a Alain Resnais. 

Embora reunindo alguns exemplares do cinema comercial francês, a programação da Festa incide claramente em obras com um caráter social muito vincado e onde os adolescentes e seus problemas surgem em quase uma dezena de filmes. No todo, a mostra compõe um panorama bastante relevante dos eternos problemas dos franceses – a falta de rumo dos jovens (desde os pobres descendentes de imigrantes até os meninos brancos de classe média), os resquícios da descolonização e a intolerância racial.

A França da tolerância contra a Frente Nacional xenófoba

Refletindo um pouco disto tudo, os programadores adotaram a decisão inédita de abrir o festival com um documentário, La Cour de Babel (foto abaixo), que focaliza o quotidiano de jovens estudantes de todo o mundo que passam por uma escola de Paris. De acordo com o diretor do IFP, Azouz Begag, este filme representa “a França da tolerância, o país onde a escola e a educação em geral estão no centro do princípio da igualdade republicana“.

Ao mesmo tempo, investe numa imagem completamente oposta a chaga da extrema-direita do país. “Este filme-documentário é, para além disso, uma bela homenagem à França, que alberga as mais diversas culturas do mundo. A sua escolha acontece após a vitória do Front National nas eleições europeias do mês de maio“, assinala.

Os jovens e os seus dilemas

Uma juventude de todos os estilos e matizes destaca-se no centro de vários filmes. A Caminho da Escola, por exemplo, vai busca-los em quatro regiões afastadas do mundo para retratar as incríveis odisseias que muitos deles enfrentam para ter acesso ao ensino. Os desejos e sonhos, utópicos ou não, guiam adolescentes em condições precárias, como os de Comme un Lion, sobre um costa-marfinense que sonha jogar futebol na Europa, ou de Brooklyn, sobre uma jovem suíça que emigra para Paris para tentar a sorte no mundo da música.

Queremos com efeito atingir o público jovem português com os filmes mas queremos também com isso mostrar a complexidade da França contemporânea e quebrar os clichés, os estereótipos“, observa Begag.

O universo problemático dos jovens ressurge em Camping a la Ferme, onde um grupo de adolescentes revoltados é retirado do seu ambiente urbano e levado para umas “férias” forçadas no campo. Já em Vandal é o universo do grafite que vem à tona como forma de rebeldia. Mas a proposta mais ousada é, sem dúvida, a de Eastern Boys (foto abaixo), um filme impressionante de Robin Campillo (cujo Les Revenants venceu o Fantasporto em 2004) sobre um assunto raras vezes abordado – a prostituição masculina de jovens do Leste europeu em Paris.

Hope, por sua vez, cruza os destinos de dois imigrantes que se conhecem na duríssima travessia do Sahara rumo à miragem de uma vida melhor na Europa, enquanto Ne Quelque Part reflete as diferenças culturais entre franceses e argelinos. A África também está presente em Run, um thriller dramático da Costa do Marfim que passou pela A Certain Regard (Festival de Cannes) este ano.

O hype: festivais e mediáticos

Histórias românticas estão por trás de dois filmes que reúnem, de maneira muito diferente, elogios da crítica. Les Combattants, de Thomas Cailley, vem do burburinho da Semana da Crítica do Festival de Cannes, enquanto um dos darlings absolutos dos especialistas, Lucas Belvaux, está de volta com Pas son Genre. De Cannes vem também a estreia nas longas-metragens de Fabianny Deschamps, com o multicultural New Territories, cuja história é situada na Ásia. Já Sylvain Chomet, depois de duas animações aclamadas (Belleville Rendez-Vous e O Mágico) aventura-se no mundo de gente de carne e osso no muito colorido Attila Marcel (foto abaixo).

Anne Fontaine, por sua vez, que teve seus dois últimos trabalhos estreados em Portugal recentemente (Meu Pior Pesadelo, com Isabelle Huppert, e Paixões Proibidas, com Naomi Watts) retorna com dois nomes mediáticos – Gemma Arterton e um dos maiores atores franceses contemporâneos, Fabrice Luchini, em Gemma Bovery.

Entre as obras de cunho mais comercial que completam a programação, destaque para O Amor É um Crime Perfeito, que reúne uma constelação de estrelas francesas: Mathieu Amalric, Karin Viard, Maïwenn, Sara Forestier e Denis Podalydès.

As últimas peripécias de Alain Resnais

Os dois mais recentes filmes de Alain Resnais, falecido em março deste ano e merecedor de uma retrospetiva na Cinemateca, Vocês Ainda não Viram Nada e Amar, Beber e Cantar, terão sua antestreia na Festa. No primeiro, o cineasta põe a dialogar as linguagens do teatro e do cinema com alguns temas e formas características da sua carreira, como a abordagem rigorosa e fria de histórias românticas passionais. Já o seu último trabalho, premiado no Festival de Berlim, traz tons de comédia e tem sido lembrado pela jovialidade com que um realizador com 91 anos ainda gosta de experimentar.

A retrospetiva dedicada a ele, por sua vez, reúne curtas-metragens raras (Guernica, Les Statues Meurent aussi, Nuit et Brouillard), três dos seus clássicos dos anos 60 (Hiroshima mon Amour (Hiroshima, Meu Amor, 1959, foto abaixo), L’année Dernière à Marienbad (O Último Ano em Marienbad, 1961), Muriel ou le Temps d’un Retour (Muriel ou o Tempo de um Regresso, 1963), seus dois únicos trabalhos da década de 70 (Stavisky e Providence), três do decénio seguinte, Mon Oncle d’Amérique (Meu Tio da América, 1980), Melo (Mélo, 1986), I Want to Go Home (Quero Ir para Casa, 1989), a célebre “dupla” Smoking/No Smoking (Fumar/Não Fumar, 1993) e mais dois trabalhos deste século além dos dois em antestreia, Les Herbes Folles (As Ervas Daninhas, 2003) e Coeurs (Corações, 2009).

A alegria da aldeia: Marcel Pagnol

Já um dos mestres franceses do cinema pré-Nouvelle Vague terá exibidas cópias restauradas de quatro dos seus filmes. Le Schpountz (em Portugal foi lançado com o título de Schpountz, o Anjinho em Portugal, de 1938), Naïs (1945), Topaze (1951) e Les lettres de mon Moulin (1954).

Segundo Begag, a escolha simboliza a busca por retratar “a França que amamos. Queremos partilhar com o público português a alegria de viver de Pagnol… Nas grandes cidades, mas também no interior, já que este ano há uma Festa do Cinema Francês nas aldeias!“. O neto do realizador, Nicholas Pagnol, estará presente no evento.

 

 

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