Quinta-feira, 28 Março

Festival de San Sebastián: o balanço

Magical Girl e La Isla Minima, ambos de Espanha, dividiram entre si os prémios principais sublinhando o triunfo castelhano num festival que confirmou a forte presença hispânica na seção oficial. Pena é que o melhor filme da seção tenha sido totalmente esquecido. Felizmente, Phoenix, o pungente drama do alemão Christian Petzold, recebeu o prémio da crítica (FIPRESCI).

A 62ª edição do festival de San Sebastián ficou marcada pela forte representação local, não espantando por isso que a cinematografia espanhola dominasse o palmarés. E não surpreende justamente pela forma como a produção da indústria espanhola se desenvolve. Desde logo por a palavra indústria ter um significado preciso – fazem-se filmes (e muitos!) para ser vistos pelo grande público -, ainda que essa quantidade não tenha evidenciado, no nosso entender, filmes à altura dos que considerámos premiáveis. Por outras palavras, mostraram um cinema bonito, bem “esgalhado”, mas em que o lado autoral parece ter ficado algo esbatido na vontade de chegar a um público crescente. Impressionou mais pelo elevado grau de execução na exploração de diversos géneros cinematográficos, do que propriamente por um eventual golpe de asa que nos enchesse as medidas. Afinal de contas o tal diálogo que sempre apaixona e divide.

Na verdade, não parece ter existido grande unanimidade das escolhas do júri oficial, presidido pela atriz Nastassja Kinski. Desde logo porque a seleção oficial continha uma short list de filmes com méritos para serem recordados nos prémios. Foi, portanto, sem qualquer surpresa que se confirmou o que muitos antecipavam, ou seja, a Concha de Ouro para Magical Girl, de Carlos Vermut, ainda por cima reforçado com o da realização, sem que isso se note verdadeiramente no filme.


Magical Girl

La Isla Minima, de Alberto Rodríguez, foi o outro vencedor castelhano da noite. O thriler policial foi galardoado com a melhor fotografia, um prémio justíssimo, e o prémio de Melhor Ator para Javier Gutierrez. Já aqui ficamos sem perceber: num filme com uma dupla de detetives fica estranho direcionar o prémio para um. De resto salientado na situação algo caricata, em que Raúl Arévalo teve de receber o prémio em nome do colega Javier Gutiérrez. Já o público decidiu, e bem, distinguir a delirante e ácida produção argentina Relatos Selvajes e ainda o europeu The Salt of the Earth, um documentário sobre o famoso fotografo brasileiro Sebastião Salgado.

Não deixa de ser curiosa a trama de Magical Girl: um professor desempregado aceita cumprir um desejo excessivo da sua filha, depois de saber que ela tem leucemia. No caso, um vestido original da sua personagem favorita de animação japonesa. Só que o vestido, um exemplar único, custa uma pequena fortuna. Dentre as peripécias para conseguir dinheiro, acaba por envolver uma mulher numa trama de traços um certo realismo espanhol vincado pela crise, mas temperado com elementos do film noir e até alusões veladas a Kubrick. O problema é mesmo o filme perder um pouco o seu norte diante dessa mescla de personagens. O que deixa ainda menos evidente o prémio de realização. Mas vá.


La Isla Minima

La Isla Minima tem o mérito inegável de gerar um intocável filme de género, ainda que muito mais próximo da trama americana do que da tradição castelhana. Inegável logo nas primeiras imagens percebemos estar perto da paleta visual da popular série americana True Detective. Não só pela estética, mas também por ser dominada pela dupla de detetives que investigam a morte de duas jovens desaparecidas numa zona pantanosa do sul de Espanha.

Em boa hora o júri decidiu quebrar esse domínio hispânico e não ignorar a valia de Vie Sauvage, do francês Cédric Khan, a recordar a utopia de uma família nómada e a ruptura pela mãe decidir reintegrar a vida em sociedade, mas não conseguindo impedir que os seus filhos menores fujam com o pai e só a encontrem quando estão quase na maioridade.

Foi igualmente ajustada o prémio do guião para Dennis Lehane pela narrativa de The Drop, um série B bem recriado no género por Michael K. Roskan. Por fim, os prémios de interpretação ficarem bastante aquém do esperado. Por um lado, o desajuste já citado da distinção de Javier Gutierrez sem incluir Raúl Arévalo, em La Isla Minima; mas mais chocante a escolha de Paprika Steen no pouco convincente drama familiar de Bille August, Silent Heart, em estilo Bergman, abordando a causa polémica da eutanásia, mas sem nos chegar a convencer. E o problema é que Paprika é apenas uma das personagens do típico filme danês que tantas vezes já vimos. E sem qualquer tipo de destaque, portanto, mais integrada num ensemble cast. E depois de termos visto a magistral composição de Nina Hoss em Phoenix, como o dilema da alemã que regressa de Auschwitz, com o rosto mudado mas a tentar recuperar o marido. No festival não se viu qualquer interpretação tocar notas tão altas.

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