Segunda-feira, 29 Abril

Todos os mortos: a aposta da língua portuguesa (e da resistência) em Berlim

O Festival de Berlim está agendado de 20 de fevereiro a 1 de março

No meio da ameaça de desmontagem da indústria cultural brasileira, pelo governo vigente, a seleção de Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, para disputar o Urso de Ouro do 70º Festival de Berlim troveja pela Europa como um sinal de uma tempestade criativa e de resistência estética de um país hoje açodado por crises políticas.

Há um bloco de 19 produções com o Brasil no DNA por todo evento, repleto de mulheres à frente da realização, como Paula Gaitán e Caru Alves de Souza. São filmes falados em português que se espalham por diferentes segmentos do evento germânico – e há quem fale na presença de um cineasta de Pernambuco no júri, a ser presidido por Jeremy Irons.

Os jurados terão 18 títulos para premiar, com direito a Kelly Reichardt, Abel Ferrara e Tsai Ming-Liang, além de um documentário de Rithy Pahn. Gotardo e Dutra chegam amparados por uma trajetória de respeito. Caetano comoveu as plateias com seu O que se move (2012) e Dutra desafiou as forças das trevas múltiplas vezes, incluindo o mundialmente laurado As boas maneiras (2017), codirigido por Juliana Rojas.

Estamos muito felizes com a escolha de Berlim. ‘Todos os mortos’ o primeiro filme que a gente codirige, apesar de já trabalharmos juntos há mais de 20 anos. Nós conhecemos-nos na faculdade, em 1999. É a primeira vez que vamos para a Berlinale com um filme, então estamos muito felizes, ainda mais que é um ano em que tem muitos filmes e coproduções brasileiras no festival. É um momento importante para marcar uma presença forte nesse que é um dos festivais mais importantes do mundo“, comemora Dutra.

Na trama de Todos os mortos, estamos na São Paulo de 1899, onde os fantasmas do passado ainda caminham entre os vivos, importunando as mulheres da família Soares. Elas são as antigas proprietárias de terra, que tentam se agarrar ao que resta dos seus privilégios. Para Iná Nascimento, que viveu muito tempo escravizada, a luta para reunir os seus entes queridos num mundo hostil condu-la a questionar as suas próprias vontades. Entre o passado conturbado do Brasil e o seu presente fraturado, cheio de intolerância, essas mulheres tentam construir um futuro próprio. O elenco inclui Mawusi Tulani, Clarissa Kiste, Carolina Bianchi, Thaia Perez, Alaíde Costa, Agyei Augusto, Rogério Brito, Thomás Aquino, Andrea Marquee e a portuguesa Leonor Silveira.

Uma das coisas que mais nos deixaram felizes é o facto de estarmos na companhia de tantas pessoas e marcar esse momento forte da produção brasileira“, diz Gotardo. “O nosso filme faz parte de um cenário bem amplo de uma produção brasileira que tem ganhado presença importante no mundo. É claro que, no momento em que a arte está sendo atacada continuamente no país, é muito importante a gente olhar-se como um conjunto e perceber que não são eventos aleatórios. Existe uma consistência da arte brasileira, especificamente do cinema brasileiro. Estamos muito felizes de ter um filme brasileiro na competição principal nesse ano, por estar nesse lugar, como parte de um conjunto: são 19 filmes com participação brasileira. Esse conjunto tão grande chega num contexto em que Roterdão também está com muitos filmes brasileiros. Nós viemos de um 2019 com uma presença expressiva de filmes brasileiros nos festivais mais importantes do mundo. Foi um ano de público expressivo do cinema brasileiro dentro do Brasil. Estamos muito felizes de fazer parte desse conjunto e de reforçar essa sensação de que o cinema e a arte brasileira estão resistindo aos ataques que estão sendo feitos“.

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