Sexta-feira, 29 Março

Nicolas Pariser e “Alice e o Presidente”: a política e os homens por trás dela

É um dos grandes filmes do ano e provavelmente um dos mais interessantes de contornos políticos e pessoais da última década. Depois de estrear na Quinzena dos Realizadores, Alice e o Presidente (Alice et e Maire) chega à Festa do Cinema Francês e brevemente estreia nas salas nacionais.

Alice e o Presidente coloca Fabrice Luchini como um político que lidera a cidade de Lyon mas que ambiciona ser o candidato do seu partido às eleições nacionais. Há largos anos no poder, este homem necessita de alguém que o volte a “ajudar a pensar”, já que segundo ele, não tem uma ideia verdadeira há anos. Será na figura de uma jovem inteletual (Anaïs Demoustier) que o político vai reencontrar a sua marcha, isto num meio cada vez mais marcado pelo marķeting e por frases ocas que enfraquecem as ideologias e o pensamento político.

Um filme tremendo no seu guião, repleto de referências culturais, mas extremamente humano na descrição das fragilidades dos seus peões. Uma viagem muito pouco comum a um mundo particular, com o realizador Nicolas Pariser a investir novamente na política e nos homens por trás dela, como já o tinha feito em O Grande Jogo (2015).

Estivemos à conversa com Pariser em San Sebastián. Aqui ficam as suas palavras

O Nicolas é um pouco viciado em política nos seus filmes. Considera-se um animal político?

Não sou um animal político. (…) Desde pequeno que me interesso pelo processo de eleição, tendo me candidatado a cargos na minha turma, nos meus clubes, etc, mas tornei-me um cinéfilo e decidi não fazer política. E qualquer forma de militarismo que tinha foi imediatamente parasitada pela sede do poder (risos). Assim, como não me queria tornar em alguém mau, parei. Decidi ver filmes e escrever sobre eles e um dia apareceu-me o desejo de os fazer.

O meu interesse pela política não é apenas o de um observador comum, mas algo que mexe comigo por dentro. Por isso percebo aqueles jovens que seguem a política, mesmo que eu não a tenha seguido e a considere uma vocação complicada. Foi por isso que decidi fazer filmes que se passam nesse mundo e de defender pessoas que estão neste mundo e que normalmente não têm ninguém que os defenda. Em França, as pessoas mais detestadas são os intelectuais, os políticos. Queria fazer um filme onde de certa forma eu era o advogado de pessoas com defeitos mas também com virtudes.

Como foi trabalhar com o Anaïs Demoustier e o Fabrice Luchini?

Trabalhar com o Luchini foi curioso no sentido em que ele começou a decorar os textos três ou quatro meses antes das filmagens, ele telefonava-me todos os dias para me dizer onde estava nos textos e propunha-me entoações, dicções e algumas vezes pequenas alterações nas palavras usadas. Às vezes concordava, às vezes não e explicava porque formulava assim as palavras e expressões. Foi assim um trabalho longo, de março a agosto, sempre ao telefone: frase a frase, palavra a palavra. O Fabrice não trabalha de todo na psicologia da personagem, ele não estuda os políticos vendo reportagens, etc. Tudo o que conta para ele é o texto.

Com a Anaïs é totalmente diferente. Ela teve menos tempo para trabalhar o texto, pois tinha outros filmes. E tem um método totalmente diferente, eu diria mais baseado nos instintos. Ela decorou o texto antes do filme começar, mas não muito tempo antes. Quando chegou para as filmagens ela estava extraordinariamente preparada. Ela tem um instinto, um talento e um dom efervescente.O seu talento fez com que a sua presença nas filmagens fosse extremamente respeitosa ao lado do Fabrice e isso vê-mos na cumplicidade que eles demonstram no filme. Organizei também leituras do texto entre eles antes das filmagens, para ver como iriam funcionar conjuntamente. Formamos assim uma entidade a três antes das filmagens e por isso quando nos reencontramos estávamos preparados para trabalhar conjuntamente.

O público reagiu com muitos risos a várias situações do filme, pois reviu-se na ideia generalista que estamos cercados por políticos imbecis. Crê nisso, que estamos cercados de políticos incapazes sem ideias?

Posso responder, mas a resposta não será fácil. Eu faço filmes, você escreve artigos. As qualidades necessárias para um homem de Estado não são as mesmas para um inteletual, um artista ou alguém que escreve. Creio que tem a ver com a decisão do momento, a coragem e não forçosamente ser inteligente. Por exemplo, até há pouco tempo os reis eram elevados pelos atos guerreiros, a sua coragem nas guerras. Tinham de ser respeitados e por isso trabalhava-se muito na sua autoridade. Eles tinham de meter medo.

Em oposição, os homens que deixaram muitos obras políticas, como Maquiavel, eram homens que estavam muito próximos do poder, mas que verdadeiramente nunca exerceram e que constantemente quando se aproximavam desse poder fracassavam na ambição. O Maquiavel era alguém importante na escrita, mas a sua carreira política foi extremamente medíocre. E todos consideramos com um dos autores políticos mais importante da história.

Li há muito tempo as memórias da guerra de De Gaulle e algo verdadeiramente impressionante na sua coragem, mas não podemos dizer que era tão inteligente como o Proust ou Rousseau. Fomos assim esmagados pela sua coragem, não pela inteligência. Esmagados pelas suas qualidades de homem de Estado, capaz de dizer não a pessoas muito importantes.

O grande problema hoje em dia é que encontramos muita gente sem um caracter, ou seja, não há assim nada por onde pegar nelas. No meu filme, por exemplo, pensei em “salvar” um homem político mediano. Ele não é muito inteligente, não é muito culto, mas espero que seja visto como alguém que nos agarra. Espero sinceramente que o público goste dele apesar de tudo.

E porque escolheu uma “filósofa” como par para o seu político?

Ela não é filósofa e no guião há um momento em que ele diz isso mesmo: “eu pedi uma filósofa e você não é uma“. Não é assim tanto a Filosofia a sua especialidade, mas as Letras, a Cultura, as Humanidades. Os escritores que ela fala são Rousseau e Orwell, por exemplo. Bem, o Rousseau é um filósofo, mas também um escritor. O Orwell não é de todo um filósofo, mas sim um jornalista, um ensaísta. Ela representa essencialmente uma ligação ao Pensamento, à História do Pensamento e vai ajudar o presidente da câmara com esses elementos, essa tradição de pensamento.

Muitos governos hoje em dia têm eliminado dos programas escolares o ensino da filosofia. Crê que existe uma forma de tentar criar uma geração de estudantes incapazes de pensar?

Sinceramente acho que os estados não querem criar cidadãos imbecis, mas acho que há uma grande inconsciência neles. Quando fiz o meu primeiro filme questionaram-me muito se achava que havia um complô em todo o lado relativamente a isso, mas essencialmente acho que a maioria dessas decisões são tomadas por meros incompetentes, amadores que analisam superficialmente e tomam decisões. Por isso não acredito mesmo que exista um complô. Muitas vezes têm que fazer poupanças económicas e pensam: não as vamos fazer na informática, nem na matemática pois são úteis para as finanças. Depois pensam, e a filosofia, serve para quê? E é aqui que cortam. Não creio que as pessoas pensem em transformar as crianças em idiotas. Por exemplo, em França já não se ensina o Latim. O que tiro daí é que a sociedade perdeu as razões para se educar o Latim. Quando perguntei aos meus pais porque tinha de aprender o Latim, eles não sabiam responder. Por isso, quando eles mesmo não sabiam a razão, uma geração mais tarde chegou-se à conclusão que ele não era mais necessário. Penso que com a Filosofia passa-se o mesmo.

Viu o Les Misérables do Ladj Ly?

Sim, conheço mas ainda não o vi

Esse é o primeiro filme de uma trilogia que o Ladj Ly vai fazer. O segundo filme vai ser sobre o falecido presidente da câmara de Clichy-sous-Bois, Claude Dilan.

Ah, sim. Interessante…

Tendo em conta que fez um filme sobre um presidente de câmara, neste caso Lyon, tem algum conselho que queira dar ao Ladj Ly?

Oh, não (risos). Claro que não. Ele conhece bem a sua profissão para que precise de conselhos. E mais, certamente conhece melhor esse município que eu.

Considero o meu filme como uma espécie de sonho do encontro de um presidente de câmara idealizado e uma intelectual, e não algo mais documental. Não vi o Les Misérables mas creio que é um filme muito próximo da realidade, do realismo e de certa maneira um filme de intervenção. O cinema que eu faço é um cinema de imaginação, do faz de conta.

Há uma frase no filme – de Vargas Llosa – em que é referido que a França se tornou Merda. Acha que a França se tornou merda?

Como dizer… Acho que não é de todo falso. Ele di-lo num contexto muito particular. Ele fala de bons alunos que embarcam numa sociedade mais justa, mais humana, mais civilizada – no sentido de evitar a violência social ao máximo. Reinventar a segurança social, a escola, a fiscalidade. Nesse sentido tem razão. 

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