Sexta-feira, 19 Abril

Ruben Brandt, Colecionador: uma viagem às belas-artes, ao crime e à psicologia

 

Estreou esta semana nos nossos cinemas o filme Ruben Brandt, Colecionador, uma pérola do cinema de animação europeu onde acompanhamos um famoso psicanalista, Ruben Brandt, que é forçado a roubar treze das mais famosas obras de arte do mundo, para parar os terríveis pesadelos que o assombram.

Realizado pelo pintor Milorad Krstic, com a ajuda do Instituto do Cinema Húngaro, o filme é um poço de referências às belas-artes e à cultura pop, sendo praticamente impossível captar todos os seus elementos apenas num visionamento.

Estivemos à conversa com Milorad Kristic, que nos explicou o processo criativo que o levou à execução deste filme, no qual a banda-sonora e a geografia dos locais têm ainda uma palavra a dizer. Aqui ficam as suas palavras:

Como começou a construir este filme na sua mente?

Creio que foi há nove anos que começou a nascer a ideia de fazer uma longa-metragem sobre a arte. Eu sou pintor e amante de cinema. Queria fazer um filme sobre alguém ligado à arte. Nunca pensei em fazer um documentário sobre arte, mas sim uma animação na forma de um filme criminal. O melhor não era falar da arte em si, nem dos museus ou galerias, mas sim de um famoso ladrão de arte em todo o mundo. Esse foi o início.

Depois sentei-me e pensei que não era suficiente fazer um filme sobre arte com elementos criminais, por isso decidi colocar alguma psicologia. O tipo não podia ser só um ladrão que rouba arte, mas alguém que é forçado a isso. As personagens dos grandes quadros fazem dele refém nos seus pesadelos. Ele não rouba a arte apenas porque gosta dela, mas porque é assombrado por mortos-vivos. Mas esses mortos-vivos tinham de ser criaturas maravilhosas, como a Infanta Margarita de Velazquez ou a Vénus de Boticelli. Ou seja, ele seria assombrado mas por criaturas maravilhosas das belas-artes.

Foi aqui neste ponto que comecei a pensar em como conetar tudo: a arte, o crime e a psicologia. Em fazer um thriller de ação sobre arte.

O Milorad tem uma base artística, como estudou o lado da psicologia? Falou com psicólogos, terapeutas?

Sim, primeiro falei com a Radmila Roczkov, que é a minha mulher e parceira criativa há anos. Abordamos as personagens, a psicologia delas. E falamos com um amigo meu, terapeuta profissional. Nós não seguimos à linha as regras da psicanalise, pois um bom psicanalista não é propriamente alguém como o maestro de uma orquestra. E o Rupert Brandt é assim, ele guia as pessoas. Queríamos alguém peculiar, que fosse bom terapeuta mas de um jeito muito particular. Tinha de ser uma personagem forte, alguém muito bom naquilo que faz.

Eu não tenho bases de psicanálise ou psicologia, por isso o meu foco era pensar se seríamos capazes de fazer aqui na Hungria, em hora e meia, um filme de animação que não fosse chato. Usei tudo o que tinha para atingir este objetivo. O filme pode até não ter lógica muitas vezes, não ser completamente verdadeiro e fiel, ou até muito claro naquilo que mostra, mas acima de tudo não queria ser aborrecido.

E não é nada chato, permita-me que lhe diga. Uma das coisas que mais gostei é que para captarmos tudo o que está em cena, as referências à arte, é preciso vê-lo várias vezes. Especialmente no campo da direção artística, temos uma tonelada de posters, dezenas de influências. Temos até cenas de filmes, como aquela imagem numa TV de O Padrinho. É alguém meticuloso, não? Alguém que trata cada frame ao pormenor…

Sim, eu fiz as coisas de forma a que quando pudessem ver em DVD analisassem frame-a-frame. E assim descobrissem que cada gráfico, cada carro, cada frame está cheio de referências ocultas. Há mais de uma centena de trabalhos artísticos e referências cinematográficas espalhadas pelo ecrã. Queria que as pessoas fossem descobrindo isso aos poucos. Mencionou O Padrinho, mas existem mais de cem filmes referenciados. Foi também a minha homenagem a esses filmes.

Sim, isso nota-se. Nos posters, por exemplo, tem dezenas de nacionalidades. Até encontramos um miúdo com uma t-shirt do Messi. Ou seja, vai além da arte, entra na cultura pop…

Correto, é a minha vida. É a minha arte. Eu era miúdo quando comecei a absorver esta arte. Podemos dizer que todas as coisas que se veem são um reflexo das minhas memórias no campo das belas-artes e particulamente do cinema.

E outra coisa interessante é a sua visita aos diferentes países. Aí também existe um olhar cuidado, como por exemplo em Paris. A geografia e a toponímia também foram muito importantes para si. Estudou tudo ao detalhe?

Cada cidade tem o seu perfil. Por exemplo, quando estivemos em Chicago o nosso olho captou o Hancock Center devido à sua arquitetura e construção. Peculiar para aqueles tempos e ainda o é agora. A Radmila, por exemplo, quando estava num hotel a escrever guiões na época, tinha vista para esse Hancock Center e tirou várias fotografias. 

Em Florença, claro que temos de ver todos aqueles edifícios daquele ponto de vista. Vê-los de uma forma 3D. Ver os carros, as árvores, as folhas e os monumentos mais conhecidos do local numa única cena que dura vários segundos. Fiz o mesmo noutras cidades, como Paris. Sempre quis um olhar sobre o espaço como nos filmes do James Bond. O mais atrativo nessa saga é que podemos ver os monumentos mais bonitos do mundo, mas simultaneamente um Casino no Mónaco, ou um iate, mulheres bonitas, carros, ou até espaços estranhos, como bases militares. Ou até visitar a Coreia do Norte.

Sempre quis colocar o espectador em várias partes do globo e que – no final –  ele se sentisse satisfeito com a viagem. Queria que o Ruben Brandt, Colecionador fosse um filme global, original e em inglês. E é original, viaja para além da Hungria. Washington, Florença, São Petersburgo, Paris. É global, como um filme da saga Bond.

Outro elemento importante é a música. Nós começamos com rock e depois vamos para outros sítios e a música vai mudando. Como foi essa seleção?

A banda-sonora é muito importante para mim e comecei a trabalhar nela logo quando criei as primeiras “previews”. Uma das coisas mais importantes para mim era o ritmo. Este filme é uma sinfonia audiovisual. E para esta sinfonia audiovisual, o áudio era um dos primeiros passos a trabalhar, através da música. Essa música ia ditar o ritmo. 

Coloquei algumas das minhas músicas preferidas, de Mozart a Sam Kvist. É a música que gosto e usei também os temas criados pelo compositor Tibor Cari. Quis juntar tudo, música antiga, atual, música de horror, especialmente dos meus compositores preferidos, como o Krzysztof Penderecki. Sempre amei a sua ópera, que estreou em Chicago em 1976, Paradise Lost, e quis usá-la. Infelizmente não podíamos, pois para a recriar precisávamos de 200 músicos e conseguir os direitos dela era uma tarefa praticamente impossível. Mas usei outros trabalhos dele. Eu tenho sempre na minha mente o tipo de musica que quero usar num filme antes de o fazer.

Por exemplo, agora estou a trabalhar num novo filme e já sei que no início quero usar o trabalho de um compositor do século XIX, o Vasily Kalinnikov. Ele não é muito famoso, mas o seu trabalho é fantástico para a primeira cena. O ritmo da sua sinfonia inspirou-me a começar o filme com um sonho. A música inspira-me e o seu ritmo é uma forma de introdução para qualquer história. Mesmo quando já tenho uma história, a música inspira-me a como começar a contá-la. A abertura da sinfonia, por exemplo, leva-me a imaginar eles a voarem, ou sobre Chicago, ou Nova Iorque ou sobre o Taj Mahal.

Por isso agora, ou peço ao Tibur para fazer algo na mesma linha de um trabalho musical que goste, ou então usamos mesmo o original e pagamos os direitos, que no caso do Ruben Brandt não foram baratos para uma produção húngara.

E o novo filme que está a trabalhar, também envolve arte?

Não. É um desafio para mim fazer agora um filme para crianças. Sem brutalidade, crime. Apenas aventura, como Indiana Jones. Claro que terá a minha marca, as minhas personagens peculiares, mas quero fazer algo para os mais jovens (nos EUA, Ruben Brandt teve a classificação R).

E vai permanecer na animação por desenho 2D ou experimentar outras técnicas, como stop motion, por exemplo.

Não sei, pois serão sempre trabalhos baseados nos meus desenhos. Todas as personagens deste filme têm rostos diferentes, até quando aparecem no pano de fundo. Quis sempre dar uma energia peculiar a cada rosto. Quis diversidade, sou um pintor e gosto disso. Por isso, por enquanto, não penso em stop motion ou outras técnicas. Serão filmes baseados no meu estilo, nos meus desenhos, no meu traço.

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