Sexta-feira, 19 Abril

«O tradutor»: Rodrigo Santoro na língua da maturidade

Exibido em Sundance em janeiro de 2018, onde impressionou a crítica pela maturidade de seu protagonista, O tradutor (Un Traductor) é o trabalho mais potente e perturbador da estrela brasileiro Rodrigo Santoro (o Rei Xerxes, da franquia “300“) nas suas duas décadas de uma carreira aberta a incursões na seara independente. Esta coprodução entre Cuba e Canadá, ambientada em Havana, em 1989, é realizada pelos irmãos Sebastián e Rodrigo Barriuso com base em factos reais, envolvendo o pai dos cineastas. Estreia no Brasil no dia 4 de abril, cercada de elogios.

No fim da década de 1980, o pai deles, um professor cubano de Russo, foi convocado pelo governo de seu país para traduzir as relações entre os médicos do local e um grupo de pacientes vindos da União Soviética, vítimas do desastre nuclear de Chernobyl. Na longa-metragem, o tal educador, chamado Malin, vivido por Santoro, vai representar esperança para crianças soviéticas em luta contra o cancro decorrente do contágio pela radiação. Mas a sua dificuldade de ligar com os próprios dilemas emocionais (começando pela educação de seu filho e complicando-se com a chegada de um bebé) vai se misturar com sua a entrada no mundo hospitalar, longe das bancadas universitárias. A sua principal arma é um livro de contos infantis cubanos, com destaque para a saga de um filho de apicultor.

Santoro teve que aprender Russo para o papel e chegou a conversar por Skype com o pai dos Barriuso, que hoje mora em Itália, para entender as suas experiências. Na trama, cabe a Malin fazer a ponte das crianças soviéticas com os médicos cubanos. Numa das cenas de maior teor dramático, Malin pede que os jovens pacientes soltem o seu talento para o desenho ou poesia a fim de presentear um pequeno soviético, em estado terminal, com um mimo.

Filho fictício de atores de enorme prestígio como Othon Bastos, José Dumont e Tarcísio Meira em filmes e novelas, Santoro faz jus a seus pais audiovisuais em O tradutor, com uma interpretação de resfolegar o peito. Tem uns problemas no guião: muitas situações se repetem, tornando a narrativa redundante. Mas a atuação doída dele e a forma como a direção refaz traumas políticos de Cuba, no fim dos anos 1980, tornam esta fita num drama bem oleado. É um documento precioso sobre a mudança histórica que se encena com a Queda do Muro de Berlim em territórios socialistas ou comunistas de outros continentes.

O filme dos Barriuso dribla as artimanhas do melodrama para criar um precioso documento da Cuba do fim dos anos 1980. Quem e que herói é esse Malin, o professor que enfrenta as mudanças de seu país, numa relação com crianças?

O pai dos Barriuso, Manuel, não é exatamente o que criamos aqui, um sujeito que aprende a se abrir para as emoões com a morte rondando os seus passos. Temos pouco conhecimento do que a tragédia de Chernobyl representou e do que foi a chegada daquelas crianças com leucemia, com cancro numa Cuba que, de repente, ficou sem o apoio dos soviéticos.

Que Cuba os irmãos Barriuso te apresentaram?

Conhecia Cuba do processo de preparação de Che, de Soderbergh, que tinha uma equipa multinacional. Aqui era diferente, sobretudo pela quantidade de relatos testemoniais sobre o período que recriamos. Agora, durante as entrevistas brasileiras de promoção do filme, um grande crítico aqui fez uma comparação da semelhança entre o povo de Havana, o habanero, e o povo carioca, que não vem da malandragem, mas de um jeito apaixonado, de virilidade, tropical.

Se eu tivesse que usar uma palavra para deferir a realidade cubana, que descobri nesse processo, o termo seria ‘contradição’. É um país de contradições, onde, hoje, filma-se pouco, por conta de uma série de dificuldades locais. Mas há uma história de cinema forte. Foram muitas lutas. Só agora a internet está chegando por lá e testemunhei essa chegada, a viragem de comportamento com essa mudança da tecnologia. Essa é uma história difícil, sobre a educação, sobre o papel do professor. O nosso maior desafio foi quebrar os arquétipos.

O que O tradutor te ofereceu como oportunidade de imersão no cinema cubano?
Eu não conhecia “Memorias del subdesarollo” antes do projeto, mas, após conhece-lo, acabei vendo umas cinco vezes e estudando a obra do Tomás Gutierrez Alea. Mas não foi só no cinema em que fiquei. Pesquisei muito a música cubana, indo além da referência do Buena Vista Social Club. Fui beber na fonte para me alimentar da cultura deles, que está espalhada pelas diferentes manifestações culturais em que aquele povo investiu, como a dança.

Este ano você ainda volta às telas em Laços, primeira longa-metragem live action com base na BD “Turma da Mónica“, tendo como realizador o montador nomeado ao Oscar por Cidade de Deus, Daniel Rezende. A sua personagem é uma divertida entidade que simboliza a perda de lucidez no lúdico, o Louco. Como foi a entrada nesse universo?

Ele me convidou quando eu fazia a telenovela Velho Chico, na Rede Globo, em 2016, e ele fazia a longa Bingo, o Rei das Manhãs” Crescemos com a Mónica, no Brasil. E ele ofereceu-me uma personagem de linguagem ousada, que quebra a quarta parede daquele universo infantil. Colaborei muito com ele na criação da personagem.

Tem mais “Westworld” pela frente?

Começamos a gravar em abril. Eu fiz uma série para a Hulu também, Reprisal, sobre um grupo conectado por uma filosofia niilista. A televisão foi a minha escola. Eu não me vejo a fazer uma novela inteira, pelo ritmo de trabalho da minha vida, mas uma série, no Brasil, eu faria, desde que o projeto me estimule. Não abro a mão disso.

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