Sexta-feira, 19 Abril

Julien Faraut: «Não acredito que o tema desportivo condicione a minha criatividade»

Foi através da lente de Chris Marker que Julien Faraut aventurou-se no Cinema concebido pelo Desporto. A sua primeira longa-metragem, Un Regard neuf sur Olympia 52 (2013), invoca os ecos de Olympia 52, retrato dos Jogos Olímpicos de Helsínquia que automaticamente instala-se como um retrato moral do atleta Emile Zatopek.

Seguindo essa partida, na sua segunda obra, Faraut procura a perfeição através da imperfeição de um dos grandes homens do ténis, John McEnroe, interligando-o com a paixão cinematográfica do crítico Serge Daney, que proclamou certo dia a fidelidade do desporto ao Cinema.

L’Empire de la Perfection é essa mixórdia que resolve ser umas das profundas análises psicológicas de uma personalidade no Cinema. O C7nema teve o privilégio de conversar com Julien Faraut sobre a sua busca da criatividade num historial desportivo e o fascínio pelo perfecionismo de McEnroe.

Começo pelo início, como surgiu esta ideia de fazer um filme sobre Ténis?

Primeiro de tudo, devo mencionar que trabalho no French Sports Institution. Estou encarregado da sua coleção de filmes por mais de 15 anos. Nunca contei, nem nunca tive a intenção de fazer um filme em torno de John McEnroe. A verdade é que tudo começou quando olhava para as amostras de um filme institucional da French Tennis Federation, que tinha o propósito de “educar” os jogadores. Fiquei surpreendido com a qualidade destas, tudo filmado em 16mm.

Tivemos que lidar com as “quebras” porque o laboratório onde este material residia tinha por hábito destruir as amostras para possuírem mais espaço para arrumação. Existiram várias amostras que nunca tive oportunidade de ver, mas senti a necessidade de preservar a película desses mesmos filmes. É um tesouro patrimonial.

Esse filme institucional refere sobretudo a perfeição dos movimentos, de seguida passamos para um jogador que não corresponde a essas mesmas pedagogias – John McEnroe – o qual aborda a sua imperfeição como a verdadeira perfeição no desporto.

Eu gosto de John McEnroe, é uma “personagem” complexa. Falas de imperfeição, o que reparo é que houve nele uma inconstante incompreensão e hoje existe uma espécie de remorsos. É um tipo de jogador que não existe mais e não está morto.

Penso que ele marca uma era, a Era McEnroe, na qual o seu fim deu entrada a um novo tipo de jogadores, mais semelhantes com robôs. Eles trabalham com os seus patrocinadores, são bem-comportados, seguem à risca a nutrição, são “perfeitos”. Elementos que faltavam em McEnroe, que estava sempre chateado, enraivecido sem razão e isso tornava-o em alguém bastante humano. Tudo porque evidenciamos nele sentimentos: frustrações e tensão são características bastante humanas. Queremos reagir, logo temos emoções, e não somente escondê-las de forma a defender uma imagem pública, e apenas reagir na sua intimidade. Temos fortes sentimentos enquanto humanos.

Olho para o McEnroe como um super-herói com uma fraqueza. No caso de Ivan Lendl, o jogador que o venceu, encontro uma “personagem” diferente. Aliás, foi um dos primeiros tenistas contemporâneos, um dos primeiros a apresentar as características dos “robôs” que referi.

Sim, tenho a percepção da imperfeição que é a humanidade em McEnroe, que procura um lugar na sua constante raiva.

No seu filme, ao tentar criar um constante elo do Cinema com o Ténis, cai na comparação de McEnroe com um realizador. Como chegou a essa conclusão?

Era algo que queria clarificar, porque muitos o encaravam como um ator e não um realizador. Para mim, ele era um realizador.

Deixamos de considerá-lo um ator no devido momento em que aprofundamos a sua história, percebendo que ele não atuava nem fingia. Não tive intenção de criar algo teatral, ele era mesmo assim. Era um realizador, porque acima de tudo era um perfecionista.

Trabalhei com um psicólogo no Instituto e, quando o conheci, falamos sobre isso. Descrevi o seu perfecionismo e logo acabei por sair desapontado com a sua conclusão. Julgava que o perfecionismo era algo comum, mas o psicólogo descreveu que neste caso o perfecionismo pode ser uma patologia. Porque um perfecionista vive num mundo imperfeito e imprevisível – o nosso mundo, a nossa realidade. E devido a isso, ele vive numa constante frustração, coloca-se numa posição que não cumpre, algo que não se consegue resolver e ele debate-se nisso. Obsessivamente nisso. Não existe maneira de tornar o Mundo como ele quer. Faz lembrar a declaração de Serge Daney.

Continuando nessas ligações entre a Sétima Arte e o Desporto, que é a questão e criação de tempo no Ténis, apesar de focar nos escritos de Serge Daney para o Liberátion, essa temática levou-me também ao Esculpindo o Tempo de Tarkovsky. O tempo é aqui o conceito de liberdade, quer no Cinema, quer no Ténis?

Sim, certamente. Mais preciso que o tempo, é a questão da duração. O tempo é consoante através da dramaturgia. A duração por outro lado é diferente. São perspetivas diferentes.

Por vezes, um filme de uma hora consegue ser para nós uma eternidade, enquanto que outros de três horas equivalem a menos. O senso de duração vem em intermédio do drama. Quando lia os escritos de Serge Daney sobre o Ténis, refletia na questão do tempo e na duração dos filmes. Julgava que era o ponto que ligava o Cinema e o Desporto.

Quanto ao Ténis, não existe um tempo limitado, por isso mesmo, nós enquanto espectadores, não sabemos quanto tempo desenrolará nem como se desenrolará, porque até a previsibilidade pode tornar-se em imprevisibilidade. É uma grande liberdade e cria algo surpreendente.

Serge Daney admirava esta questão no Ténis.

Visto falar de dramaturgia, Julien aborda este “documentário” de uma maneira tão ficional. O seu final recorre diversas vezes ao trágico quase shakesperiano. A queda de um ídolo, de um herói.

No meu filme, pelo menos em uma hora, segue sem saber onde quer realmente ir. Mas isso respeita o trajeto que eu próprio fiz enquanto trabalhava nele. Mas depois isso, deparei-me com uma ausência, faltava-me algo. Possivelmente, o elo entre Cinema e Ténis. O drama.

Então trabalhei na narração de um só jogo. No meu filme, como reparaste, não existe a descrição de nenhum evento, nem jogo, nem torneios, nem datas, simplesmente nada. Nos últimos 30 minutos foquei-me num jogo só. No mais famoso, por assim dizer, o qual foi considerado o ponto de transição entre o Ténis dito moderno e o Ténis contemporâneo. Para tal, submeti-me a uma terceira via de como observar uma partida de ténis.

Digo terceira porque existem duas bastantes comuns. A primeira é comprar o bilhete e seguir ao estádio e ver o jogo ao vivo a partir daí. A segunda é obviamente ver o jogo no televisor, com uma transmissão bastante rudimentar, sob o mesmo ângulo e os mesmos comentadores.

Tendo estas duas opções, pensei numa terceira maneira de ver tenis, pensá-lo como um espetáculo de Cinema. Quis criar algo cinematográfico. E fiz com aquilo que tive acesso. Não podia ir aos arquivos do jogo, por isso construí através de excertos. Não sabia qual o momento em que começava a partida. Era como um puzzle, por isso trabalhei para criar uma narrativa linear.

Peguei naquele jogo e tratei-o de maneira operática, queria transformá-lo numa Ópera, o que me ajudou acima de tudo a narrar a história. Toda essa fazia lembrar-me o destino fatídico de McEnroe, ou como vocês chamam aqui, o seu Fado.

Um herói para ser um herói tem que ter a sua queda ao cair do pano?

Sim, necessita de “cair”, mas a última imagem do filme não se resume à queda de McEnroe e sim à tabela de pontuação dessa temporada. Queria que esta fosse a última impressão a dar à audiência. De como seria ser o melhor jogador e os custos que teria para ser o número um. Podes jogar muito durante toda a temporada, mas não conseguir ganhar o jogo crucial da final e devido a isso não conquistares o cobiçado troféu. Para McEnroe foi depressivo, uma cicatriz que ficou.

John McEnroe viu o seu filme?

Sim, mas não foi fácil. Tentei contactar diversas vezes o agente, curioso que ele trabalha com o mesmo desde sempre. O meu pedido era diferente dos habituais que ele recebia.

Demorou um ano até ele perceber o que realmente queria fazer. Mas o filme foi distribuído nos EUA em agosto e teve o privilégio de contar com uma excelente crítica no New York Times. Dois dias depois, McEnroe pediu ao meu produtor um link para poder partilhar com os seus familiares e amigos. Porque realmente gostou do filme.

Quanto a novos projetos? Continuará no desporto?

Sim, continuarei. Eu trabalho na Cinemateque e julgo ser o único a fazer este tipo de filmes em França. Acho que sou o único realizador de lá interessado nesta área. Assim é mais fácil ser identificado por estes filmes. Não acredito que o tema desportivo condicione a minha criatividade.

O meu próximo filme será sobre uma equipa feminina de voleibol no Japão, na década de 60. É sobre o desporto em si, mas abordará a condição feminina e vidas industriais até porque estas mulheres trabalhavam e viviam numa fábrica de têxteis.

Quero mostrar através destas condições que estas atletas eram muito mais resistentes do que as atuais, contrariando a ideia de que hoje se treina mais e mais de forma a atingir a perfeição. Estas mulheres vão demonstrar o contrário.

Não quero fugir do desporto porque sei que é mais que um tema. O desporto não é apenas boletins televisivos que informam quem venceu ou perdeu na partida. O desporto também é criatividade, da mesma maneira que os outros filmes e outras artes. É um planeta à parte, e nós, enquanto realizadores, não sabemos aonde chegar.

Sou fascinado pelo gesto e pela performance em si.

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