Sábado, 20 Abril

Pedro Almendra, o Francisco Sá Carneiro de «Snu»

Com presenças na TV e uma longa carreira no teatro, que lhe valeu uma nomeação pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) na sua gala de 2017 como Melhor Ator em 2016, Pedro Almendra tem em Snu o seu primeiro grande papel no Cinema, o de Francisco Sá Carneiro.

Estivemos à conversa com o ator, que nos explicou como foi a preparação para esse papel e quais a expetativas que tem em relação ao sucesso do filme.

Como foi interpretar uma personagem tão importante da história recente de Portugal?

Foi espetacular. Foi um desafio muito grande, mas essencialmente tentar não defraudar a imagem que as pessoas têm do Francisco Sá Carneiro. Para mim foi tentar interpretá-lo da maneira que eu senti quando iniciei a minha pesquisa e quando a finalizei.

Quando iniciei a pesquisa, sabia quem tinha sido o Francisco Sá Carneiro e sabia mais ou menos quem era a Snu Abecassis. Mas quando pesquisei deparo-me com uma série de informação que não conhecia, na verdade porque nunca tinha procurado saber mais. Sabia o básico de quem eram estas duas pessoas, do que tinha acontecido antes do acidente [de Camarate] e durante o acidente, o que quer que aquilo tenha sido…

Acidente ou incidente…

Exato. Foi um desafio muito grande.

Recorreste a muitas imagens do Sá Carneiro para apanhar os tiques, etc?

Eu recorri, de facto, a muitas imagens, e felizmente há um arquivo muito grande com coisas do Francisco. Essencialmente dos momentos políticos. Há pelo menos dois momentos do filme em que há uma espécie de fusão da realidade com o encenado…

Sim, até disse à Patrícia que um dos momentos que mais gostei foi a sequência do discurso ao país… Isso retira-te alguma pressão, não?

Sim, mas há momentos em que os gestos precisam ser imitados. Para não defraudar as imagens que existem daquele momento específico. De resto, eu não tentei imitar nada do Francisco. Primeiro porque, apesar da minha parecença aquilina do nariz, a minha voz é completamente diferente da dele, eu sou muito mais alto do que ele era. Ele era grandioso em muita coisa, mas em tamanho era muito baixinho.

Interpretei-o com a maior fidelidade que consigo enquanto ator. E quando estou a interpretar alguma personagem ficcional, eu tenho a oportunidade ou liberdade de deixar o encenador ou realizador compor essa personagem. Aqui eu não fiz composição nenhuma. Peguei na informação que tinha sobre o Francisco, peguei no guião, nas informações que fui recebendo da Patrícia [Sequeira], e no que a Inês [Castel-Branco] me dava na contracena e interpretei o Sá Carneiro, o Francisco, que eu achava que ele seria nos momentos em cena.

E como foi com a Patricia. Ela disse-me que teve de amarrar as mãos da Inês porque ela está sempre a mexer-se. E contigo, houve algum “puxão de orelhas” da realizadora nesta linha?

(risos) A Patrícia dizia-me muitas vezes: “Epá, deixa de ser pomposo”! (risos) Pomposo no sentido da colocação da voz. Eu sou um ator de Teatro. A minha formação é de Teatro. Faço-o há muitos anos. De forma amadora desde 1994, e sempre “amadoramente” até à presente data. Sempre amando o Teatro. De facto, o registo em TV ou Cinema não permite [ ser pomposo], não se coaduna com a projeção e presença vocal que temos de ter em cena no Teatro. E às vezes a Patrícia chegava ao pé de mim e dizia, “estás pomposo. Deixa-te lá disso. Isso é lá para o Teatro. Relaxa. Tas a dizer as coisas certas, mas não precisas ser assim [na colocação da voz] “.


Foi uma boa experiência?

Foi uma experiência excelente. A Patrícia é uma realizadora muito segura daquilo que pretende, daquilo que está a fazer, daquilo que quer. Não está com meias medidas em dizer que o que estamos a fazer, está mal. Ela tem uma ideia muito concreta daquilo que quer dos atores com quem trabalha e isso dá-te uma segurança imensa.

Depois, quando trabalhas com pessoas que trazem as coisas preparadas, e não as estão a preparar no momento, é maravilhoso. É o caso também da Inês e de toda a gente com que me cruzei no filme. Foi um processo de trabalho, não só com a Inês, mas com todos, muito, mas muito bom, prazeroso e enriquecedor. Eu tenho algumas experiências em Cinema, umas mais curtas, outras mais longas, mas de facto ainda tenho muito pouca experiência. Estar assim envolvido num projeto e numa personagem desta dimensão foi maravilhoso, ainda que assustador ao início.


E já tens outro projeto para o Cinema?

Não. Neste momento estou a fazer uma coisa no Estúdio Latino, no Porto, com a Mafalda Lencastre, com a direção do Ricardo Pais, que é o Oleanna do David Mamet…

Isso é uma história poderosa de assédio sexual…

Exatamente. É uma história controversa na época e hoje em dia também. Tenho também outros projetos mais à frente, aqui em Lisboa, com o João Reis no Palácio de Queluz…

E o Oleanna não vem para Lisboa?

Esperamos que sim. Esperamos encontrar datas para vir a Lisboa. Datas, disponibilidade, financiamentos e essas coisas todas difíceis.

E na TV tens alguma coisa na agenda?

Não. Nada.

Estás à espera de ver que impacto vai ter este “Snu”? Acreditas que pode ter um grande impacto?

Sim. Acredito porque acho que é uma história muito querida dos portugueses. É uma história muito pouco resolvida na cabeça dos portugueses. E é uma história de amor. As histórias de amor são, todas elas, lindas. Por mais trágicas que sejam, como esta. Mas também se não tivesse acabado num fim trágico, nós não tínhamos feito o filme. Mas eu preferia não ter feito o filme em troca dessas pessoas poderem ter tido um futuro.

Acho também que vai ter impacto numa certa geração, mais na geração da minha mãe, de pessoas que vivenciaram o percurso político do Francisco e as pessoas que conheciam a influência da Snu, não só na vida pessoal dele, mas também na vida dele enquanto político. E acho que vai dar uma outra perspectiva da “sueca do Sá Carneiro” [como muitos diziam dela na época]. Não era a “sueca do Sá Carneiro”, era uma mulher super emancipada (…) Ela foi uma mulher que chegou a este país, vinda de uma Europa Livre, uma Europa democrática, educada, e de repente chega a um país numa ditadura. E como se luta contra isso? Vai-se embora ou fica-se cá? Ela ficou. Isso foi uma atitude de coragem muito grande. Um ato de alguém que não se conforma com os sistemas opressivos e pensou que podia fazer a diferença. Eu posso lutar aqui. E monta a editora, a Dom Quixote, e é através da literatura que ela faz cá a diferença.

Tens algum tipo de feedback por parte de pessoas que conheciam o Sá Carneiro?

Não.

E temes isso?

Não. É como disse, nunca tentei imitar o Francisco a não ser em momentos específicos em isso é requerido. Aliás, a Patrícia dizia-me: “Eu não quero o Sá Carneiro. Quero uma sensação do Sá Carneiro“.

A pesquisa que fiz foi no sentido de o conhecer para o poder interpretar da maneira que o sentia. Eu senti aquele homem, assim. Da maneira que o fiz. Acho que não o podia ter feito de outra forma. Claro, é evidente que as pessoas vão dizer coisas como: “ele nunca diria isso (…) não faria aquilo“. Se calhar faria. Ou então, desculpem. Eu não sou o Sá Carneiro. Eu sou o Pedro Almendra, ator. Interpretei-o o melhor que sabia. Dei tudo para ser o mais fiel àquilo que conheci e estudei daquele homem.

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