Sexta-feira, 19 Abril

Gaspar Noé nos braços do Redentor carioca

Alvo de controvérsias em sua passagem pela Quinzena dos Realizadores de Cannes, Clímax é o resultado de muitos vídeos de YouTube de dança que Gaspar Noé consumiu recentemente, em uma malcriação cinéfila com a produção musical contemporânea: avesso a incursões atuais ao filão, ele começou a procurar alternativas na web, deparando-se com exercícios caseiros nas quais crianças requebram o esqueleto na batida do hip hop ou de ondas eletrónicas.

Juntem a isso uma vontade natural para transgredir, que o francês nascido na Argentina há 55 anos traz para o Brasil, numa passagem por São Paulo e, nesta quarta-feira, por Niterói, para exibir a sua arte no Reserva Cultural, um dos maiores complexos de cinemas da América Latina. É bem provável que, frente ao choque de realidade de um Rio que ferve a uma sensação térmica de 42 graus à sombra, ele encontre por lá material para seu novo projeto: um documentário.

Chega de dizerem por aí que eu manipulo isso, que manipulo aquilo. Quero investir agora na narrativa onde o real aparece em seu estado bruto, para que ninguém possa me acusar de fazer trucagens, de ser sexista, do que for“, disse Noé ao C7nema em um encontro em Paris, uma semana antes de sua vinda para a América do Sul. “Tem uma estética documental que vem ditando tendências na internet, em vídeos que carregam uma marca de expressão muito potente da juventude. É uma exceção num momento em que o cinema é dominado por produtos massificados que têm por objetivo gerar satisfação. Alguem que não se encaixa nessa medida de prazer, como eu, é visto como uma exceção torta. Preciso procurar os meios de me expressar“.

O encontro parisiense com Noé aconteceu durante o 21º Rendez-vous Avec Le Cinéma Français (encontro anual promovido pela Unifrance, o órgão de difusão da produção audiovisual francófona no mundo), entre 17 e 21 de janeiro. Ali, numa mesa redonda, Noé abriu uma reflexão sobre as inquietudes da juventude.

Falar de jovens ainda é falar de excessos. Há uma radicalidade generalizada relativa ao culto à festa como meio de socialização, ao consumo de drogas… O excesso é químico, eletrónico. Isso é global. O que há de diferente na juventude em França é que, entre nós, o cinema é um objeto de culto de todos, desde a mais tenra idade, o que transforma a cinefilia numa prática juvenil, na busca da liberdade pelas via da arte“, diz o diretor de Irreversível (2002), um thriller sobre uma violação, narrado de trás pra frente, tornou-se “O” filme-escândalo da primeira metade dos anos 2000.

De lá pra cá, ele filmou pouco, apostando mais em videoclipes e experiências de música e dança, mas viu as poucos longas-metragens que filmou – “Enter The Void -Viagem Alucinante“, de 2009, e Love, produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, em 2015 – tornarem-se objetos de debate… e de culto, pela sua ousadia formal. Clímax vai pelo mesmo caminho. Doses fartas de sexo, sempre retratado em cenas tórridas, violência (física e verbal) e uma estética taquicárdica, no qual a câmara e a edição convulsionam: tem tudo isso nesta mistura de terror, música e filme catástrofe que acompanha uma longa noite de loucura de um grupo de jovens que, durante uma festa, entram num transe paranoico regado a LSD.

Mais do que o terror, existe um outro género, do qual sou fã, mas que anda há tempos desaparecido dos ecrãs, em ‘Clímax’: o ‘filme catástrofe’, estrutura narrativa de funciona bem como metáfora política. Lembra-se de Terramoto (1974) e Torre do Inferno (1974), explica o diretor. “Eram filmes emblemáticos dessa tendência, fundamental para o cinema comercial dos anos 1970, no qual um grupo de burgueses, preso em uma situação de perigo ligado à natureza, eram postos à prova, numa cilada da sorte que uniformizava sua condição social privilegiado. Todo o burguês é igual no medo. Tentei importar esse formato para um filme sobre jovens dançarinos. A moral do filme vem deles… das suas posturas em relação ao mundo“.

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