Sexta-feira, 29 Março

Daniel Barosa: «Há uma nova mentalidade extremista a crescer no Brasil»

Boni Bonita é um canção, uma melodia que remete a sentimentos, desejos, juramentos e até mesmo desilusões. É a união e ao mesmo tempo desunião destes foragidos do destino. Beatriz, uma argentina radicada em São Paulo, que após a trágica morte da sua mãe submete-se à deriva da estrada até se cruzar com Rogério, músico que aguarda o seu momento de reafirmação na indústria. Dois fracassados, cujas falhas de cada um resultam numa relação tempestuosa.

Boni Bonita é também o título da segunda longa-metragem de Daniel Barosa, realizador que se aventura nesta coprodução com a Argentina para encontrar a luz da ribalta na arte de narrar. Filmado a 16 mm sob um potencial de intimismo quase caseiro, Boni Bonita integra a Competição de Slamdance, festival de cinema independente e de baixo-orçamento nos EUA.

O C7nema falou com o realizador sobre este projeto e os seus próximos, assim como a cada vez mais difícil arte de fazer Cinema no Brasil.

 

Como surgiu a ideia para este filme e como foi avançar para uma longa-metragem de ficção?

A ideia surgiu com a personagem da Beatriz, que espelha muitas experiências vividas por mim e do produtor, Nikolas Maciel, na cena de música independente de São Paulo no começo dos anos 2000. O guião começou a ser desenvolvido em 2011 e a ideia era fazer uma longa-metragem de baixo orçamento, já que seria o meu primeiro.

Claro que tivemos dezenas de obstáculos. Filmar ao longo de 3 anos acho que acrescentou bastante à narrativa, mas foi o equivalente fazer três longas em 3 anos, pois sempre implicava renovar toda a nossa estrutura de produção. Trabalhar com película no Brasil foi um desafio à parte, já que durante a filmagem, o único laboratório que revelava no Brasil fechou! Tivemos que levar o filme para revelar no México e depois escanear na Argentina. Deu bastante trabalho, mas valeu a pena! As imagens em películas no filme ficaram lindas e acrescentam muito ao seu proposto clima nostálgico. 

Queria que me falasse sobre a escolha de Ailín Salas como coprotagonista? E se isso foi algum requisito da coprodução?

Desde as primeiras versões do argumento, sabia que o filme só funcionaria se achasse a atriz perfeita para o papel de Beatriz. E é muito difícil achar alguém jovem com experiência, ainda mais no Brasil onde esse perfil de atores tende em trabalhar mais na televisão. Enquanto escrevia Boni, vi a Ailín no filme La Mirada Invisible. Ela tinha um papel pequeno, mas na altura vi que seria perfeita para Beatriz! A Ailín tem um olhar e presença muito forte. Ela fala muito sem dizer uma palavra! Quando descobri que tinha nascido no Brasil, pensei na hora que tinha que conseguir ela para o meu filme! Conheci a Ailín no Festival de Mar del Plata, o qual estava presente com a minha curta A Tenista, e ela se interessou pelo projeto, apesar do desafio de atuar em português (algo que ela nunca tinha feito). A coprodução surgiu a partir daí; foi o resultado de ter a Ailín no projeto.

Sobre o enredo, é curioso este retrocesso na atualidade e ao mesmo tempo encontrar uma época onde se inveja décadas passadas, até como Ney Matogrosso menciona “viver como os 80”. Acha que o Brasil, tendo em conta os eventos da atualidade, este regressar é uma solução (algo fantasioso) para as incertezas do futuro?

Não sei se esse regresso seria uma solução, mas o caminho que estamos a seguir é perigoso e assustador. Há uma nova mentalidade extremista a crescer no Brasil, e no mundo, que já existiu no passado e vimos que foram momentos tristes da nossa História. Acho muito importante revermos sempre o passado para não repetir os mesmos erros, mas infelizmente, não está acontecendo isso. 

Em relação à coprodução, tendo em conta a extinção do Ministério da Cultura Brasileira e as crescentes dificuldades de fazer cinema no Brasil, é a solução para sustentar a produção audiovisual e cinematográfica do país?

Acredito que sim. A extinção do Ministério é algo preocupante e triste, mas precisamos seguir, a cultura não pode morrer! Sempre achei o modelo de coprodução no cinema, especialmente entre países latinos, uma ótima oportunidade, pois estamos unindo forças para sobreviver num meio dominado por Hollywood. A coprodução, além de ajudar os projetos financeiramente, possibilita uma troca cultural importante. Todos os projetos ganham com isso.

Fale-nos da composição e significado da canção homónima criada para Boni Bonita.

A música foi composta por Jair Naves, um musico o qual admiro muito. Conversamos bastante do que seria essa canção e ele teve a ideia de criar algo que remetesse a uma espécie de cruzamento entre samba e bolero, com uma atmosfera das gravações dos anos 50. Ele contou com a ajuda do Renato Ribeiro que criou a linda base de violão. A letra foi feita traçando um paralelo com o argumento do filme e praticamente reconta a história da Beatriz num tom poético, inspirado na MPB.  

Novos projetos? Ambições para o futuro?

Temos três projetos, os quais estamos a desenvolver em paralelo. Desta vez nada de filmar ao longo de três anos! Acho que o meu coração não sobrevive ao stress e à ansiedade! Tenho um argumento de uma comédia romântica que estou a escrever com Sílvia Antunes, um drama estilo coming-of-age, sobre a comunidade de brasileiros em Miami e Oferendas, um filme de terror que estou a desenvolver na produtora com o Nikolas Maciel [Nimbo’s Film]. Oferendas entra bastante no mundo da Umbanda e Candomblé e acredito que tem um potencial comercial maior. E vai ser uma coprodução também!

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