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“Frankenstein”: «É incrível que uma miúda de 19 anos se tenha lembrado disto»

Em 1816 Mary Shelley participou de um desafio proposto por Lord Byron, um dos supremos ícones do Romantismo britânico, e legou um dos grandes clássicos da literatura popular.

A edição do Motelx deste ano recorda a efeméride com um ciclo de nove filmes, a iniciar no dia 6, em parceria com a Cinemateca Portuguesa, e um debate com acento no feminino. O C7nema conversou com um dos diretores do festival, João Monteiro, sobre esta longeva sobrevivência…

Em termos de programação do Motelx os 200 anos de “Frankenstein” são lembrados através de uma parceria com a Cinemateca.

Sim, nossa colaboração com eles vai abranger o mês todo, passa por sessões na Esplanada, pela seção Lobo Mau e vai integrar um debate 100% no feminino – que tenta discutir mais o papel da Mary Shelley na sua época, centrar a lógica da mulher, num debate especialmente relevante na indústria do cinema neste momento em que Harvey Weinstein tornou-se uma espécie de “golem”.

A programação traz desde o mais óbvio (os dois filmes da Universal feitos por James Whale, a versão da Hammer) até obras que exploram outras fronteiras, como “The Body Snachter”, produção de Val Lewton dos anos 40 que reunia Bela Lugosi e Boris Karloff, e “Near Dark”, de Kathryn Bigelow, o primeiro filme de terror feito por uma mulher com uma repercussão mais alargada.

Um dos aspetos singulares de “Frankenstein” é que ele contém outros tipos de elementos com relação às narrativas góticas do final do século XVIII. Entre eles está a ação de um cientista cujo resultado dos experimentos num laboratório é o que dá início aos problemas todos.

Segundo Stephen King, no seu livro ‘Danse Macabre’, existem três cânones literários no qual toda a ficção de terror pode se encaixar: ‘O Médico e o Monstro’, de Stevenson, ‘Drácula’, de Bram Stoker, e ‘Frankenstein’.

É um exercício interessante tentar encaixar ‘Frankenstein’ nessa perspetiva. ‘Drácula´ representa o sexo, a doença e ‘Jekyll’ o condicionamento do teu lado animal. No caso de ‘Frankenstein’ o que está em causa é o medo da ciência, o “moderno prometeu” do subtítulo, a preocupação de se o homem é capaz de agir em conformidade com o poder que tem na mão e onde parece óbvio que Shelley identifica-se mais com o monstro do que com o cientista.

A questão da ciência que ela introduz vem do pai, que convivia com muitos cientistas e assumiu a educação dela. Entre as suas discussões estavam o velho mito de que se seria possível ou não reanimar um corpo. Isso num contexto de início da Revolução Industrial e é incrível que uma miúda de 19 anos se tenha lembrado de construir uma ficção em torno disto.

Guillermo del Toro fez uma leitura de “Frankenstein” na qual afirmava que ele era a “quintessescência do livro adolescente” – no sentido de como um “teenager” se sente: você não pertence a nada, foi trazido ao mundo por pessoas que não se importam contigo e atirado num universo de dor e sofrimento, lágrimas e fome.

É uma leitura interessante…

É uma ironia a ciência seja vista como um elemento corruptor da humanidade no sentido de perda da sua inocência.

Sim, e acaba por ser perfeito nessa época de aquecimento global onde estamos assistindo o princípio da extinção da humanidade. Ainda há pouco ouvia um cientista meteorológico a dizer que esse processo é irreversível. Ela tinha razão, a ciência na mão do homem é um perigo…

Porque acha que essa história sobreviveu tão bem ao tempo?

Aí tem a ver com o filme de 1931, de James Whale, que tornou Boris Karloff na imagem icónico do monstro – que é reconhecível até nas animações para crianças, com aqueles parafusos, cicatrizes e aquela imagem meio verde. Para além da maquiagem de Jack Pierce é a própria interpretação de Karloff que dá vida aquilo.