Terça-feira, 19 Março

MOTELx: “Extirpar a sexualidade das mulheres sempre foi o alvo da caça às bruxas”, diz Lukas Feigelfeld

Hagazussa – A Heathen’s Curse é exibido na próxima quinta-feira no âmbito da Competição do Motelx e o C7nema conversou com o realizador austríaco Lukas Feigelfeld sobre este imponente registo passado nos Alpes, tendo como pano de fundo histórico um tempo em que bruxas eram queimadas e “goblins” assombravam as montanhas…

O filme conta a história de Albrun (Aleksandra Cwen na versão adulta), que vive num lugar remoto dos Alpes austríacos. Por alguma razão ela herda da mãe o “carimbo” de bruxa (“hagazussa” é uma palavra germânica antiga para designar a palavra) e é ostracizada pela comunidade próxima. Vivendo com seu bebé quase em completa solidão, inserida num vasto cenário magnificamente filmado por Feigelfeld, cuja formação inicial veio da fotografia, ela experimenta terrores reais ou imaginados enquanto sente lentamente o seu mundo mental ruir.

Hagazussa é a primeira longa-metragem do cineasta, que cresceu na região que retrata mas realizou seus estudos de cinema na Alemanha. Sua média-metragem Interferenz passava-se no mar, onde o tema da solidão já era uma das suas premissas essenciais. Este projeto, que teve uma montagem financeira tão difícil quanto as suas filmagens em meio as intempéries imprevisíveis das montanhas, chega a Portugal depois de um sólido trajeto no circuito dos festivais – começando por Sitges. Não há previsão de estreia por cá e, portanto… só no Motelx!

 

Sempre houve uma conexão implícita entre a sexualidade feminina e a bruxaria, algo que você também explorou no seu filme…

As mulheres acusadas de bruxaria na Idade Média eram principalmente crentes em religiões naturais ou no paganismo, tinham uma mente mais aberta, viviam mais apartadas da sociedade ou simplesmente não eram cristãs que se restringiam ao código moral da igreja católica. Naturalmente que as perseguições estavam conectadas com experiências de liberdade sexual e, no caso das mulheres, manifestações de qualquer tipo de sexualidade eram consideradas erradas, pervertidas ou próprias de bruxas. Extirpar a sexualidade das mulheres era um alvo primordial dos seus perseguidores nestes tempos.

Muitas vezes as mulheres eram acusadas de ter relações com o diabo e queimadas por isso. Essas acusações vinham muitas vezes de vizinhos que viam-nas tendo sexo com um “diabo invisível”, o que significava, essencialmente, que estavam se masturbando. Então a história era distorcida e ela era queimada. Explorar esses temas e os elementos essenciais da caça às bruxas era muito importante para criar a personagem de Albrun.

 

Você gosta de explorar nos seus filmes temas como o da solidão. Por que esse assunto parece fasciná-lo?

Eu sou fascinado pela vida interior das pessoas. Há tanto por explorar. A solidão, especialmente em casos extremos, pode favorecer nos humanos o surgimento de características mentais muitas estranhas ou particulares.

No caso de Hagazussa, elas são importantes para o desenvolvimento da psicose da protagonista. A forma como ela é confrontado com o “mundo humano”, a sociedade da aldeia, sua crueldade e falsidade, é crucial para fazer com que, de alguma forma, ela se torne a bruxa que todos dizem que ela é.

No meu novo projeto, ainda em fase de escrita, os personagens principais também vão viver algum tipo de solidão, embora desta vez minha ideia seja explorar o tema situando-os numa cidade grande e povoada.

Existe uma tradição literária, vinda de Ann Radcliffe e das irmãs Bronte, onde a mulher é o centro da história e os seus dilemas interiores estão interligados com o ambiente natural. No caso do cinema, Val Lewton e Jacques Tourneur exploravam essa conexão nos anos 40. Você teve alguma dessas referências em mente quando desenvolveu o projeto ou apenas pensou em artistas mais recentes?

Eu não fui necessária e diretamente inspirado por essas fontes, mas também não por artistas mais recentes. A inspiração para desenhar a personagem de Albrun veio mais do contexto histórico e místico do local ela se encontra.

Depois de perceber o quanto isso tudo esta interligado, não apenas a superstição e as tradições desta área dos Alpes, mas também a luta e o sofrimento das mulheres, eu tente encontrar um entendimento sobre como uma pessoa como ela deve ter sido – alguém com uma capacidade de cometer uma to horrível, mas sofrendo de paranoia psicótica num tempo em que se acreditava que fantasmas e “goblins” perambulavam pelas florestas à noite…

Notícias