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Jonathan Beller: «desenvolvo as minhas doutrinas de imagens através do marxismo e do capitalismo»

Teórico fílmico, investigador, crítico e professor do Pratt Institute, Jonathan Beller trabalha constantemente para desconstruir o valor simbólico da imagem e relacioná-la com a perceção do espectador. Os seus livros [The Cinematic Mode of Production] referem esse vinculo profundamente psicológica da audiência para com o Cinema, e tal a extensão para o lado mais politizado do visual.

Beller esteve presente em Lisboa, mais concretamente na Cinemateca Portuguesa como um dos intervenientes da 2º edição do Laboratório do Ciclo de Encontros O que é O Arquivo?, de forma a debater a importância do Arquivo e da Imagem no ponto de vista social e antropológica.

Ao C7nema falou sobre os seus objetivos assim como do arquivamento, passando pela raiz do seu trabalho e do seu fascínio pelo Cinema das Filipinas.

 

É sabido que esta é a sua primeira vez em Portugal, o que está a achar do país até então?

Bastante agradável, Portugal é tudo aquilo que esperava. Provavelmente melhor. As pessoas são amigáveis e o ambiente é absolutamente relaxante.

Começaremos por falar sobre o seu trabalho bibliográfico, como por exemplo o seu livro The Cinematic Mode of Production. É curioso como você habilmente mistura a natureza das imagens com questões politicas. Recordo que utiliza inúmeras vezes a palavra Marxismo para clarificar a economia simbólica das mesmas.

Ou seja, o meu trabalho é marxista e lírico? [risos] Para dizer a verdade, não uso a palavra ‘Marxismo’ como um conceito ou uma teoria, apenas desenvolvo as minhas doutrinas das imagens através das ideias fixas do marxismo e do capitalismo. Dessa forma enuncio a organização da qualidade consoante a evolução das tecnologias visuais e assim da estruturas financeiras.

Matrix (Lana & Lili Wachowski, 1999)

Gostaria de invocar a pergunta que serve de titulo para este evento-ciclo: O que é O Arquivo?

O Arquivo é uma questão que tem muita atividade em diferentes sentidos. Um desses, é que senão existir acesso ou oportunidade de “navegar” no arquivo experienciaremos uma sensação de empoderamento. Cuja realidade destes é fabricada por aqueles que tem o controlo do Arquivo, sendo que, principalmente no caso dos EUA, há uma tendência de fabulação dessa mesma realidade através da ausência / lacuna. Contudo, existe outra questão a ser feita: o que pretende ser arquivado ou merecer esse espaço? E de que ponto as novas descobertas pretendem inserir-se no mesmo? Será que existe legitimidade social nesse campo?

O que pretende atingir com a sua intervenção neste evento?

Nesta conferência espero elucidar que o Cinema é um “world making” (um “criador de Mundos”) e que a programação é um algoritmo que faz com que as pessoas acedam ao arquivo, fortalecendo assim o seu próprio conhecimento. Mas o meu trabalho de pesquisa não se baseia simplesmente na questão do Arquivo. Eu trabalho sobretudo, naquilo que apelido de “Imagens Programáveis”, o qual uma imagem é utilizada para organizar espaço social, assim como desejo e pratica. Nesse sentido, o autor destas imagens transmitem o seu significado, como por exemplo espelhar nelas a promoção dos ideais do capitalismo ou da supremacia branca. Mas tal difere do autor e as suas próprias ideologias e objetivos. Este problema com a criação de imagens afeta todos nós, até porque estamos a produzir em massa novos conteúdos. Para tal devemos fundar novos arquivos, programa-los ou reprogramá-los para que a imagem torne-se num símbolo de resistência.

Curiosamente, quando usamos a palavra Arquivo, somos levados à preservação de um certo espólio cinematográfico, sendo esse um dos papeis fundamentais das Cinematecas. Contudo, a minha questão é, com toda esta preocupação com o material fílmico físico, é possível o digital assumir um papel de salvador dessa conservação patrimonial cinematográfica?

Respondendo diretamente à tua pergunta, não. Todavia, o digital não é sinonimo de objeção nem sequer de neutralidade, as pessoas tendem em esquecer que o digital emerge como parte da História de uma espécie. Porém, não quero responder quanto à nossa manifestação enquanto espécie ou enquanto História. Essas questões cabem ser respondidas pelo filme em si e não pelo formato. Outra questão a ser respondida é aquela que tenho lecionado em palestras, o facto destes arquivos serem compostos por materiais físicos como bobines, fitas, ou o que quiserem chamar, e a sua relevância quer cultural ou social.

A Short Film About India Nacional (Raya Martin, 2005)

Relembro um cineasta filipino, o qual tenho colaborado em muitos trabalhos, Raya Martin, que realizou um filme chamado A Short Film About India Nacional (2005), no qual retratava eventos ocorridos durante a independência das Filipinas em relação à Espanha. A obra foi dirigida como se tivesse sido concretizado em tempos do “Early Cinema” (Cinema Primitivo). Os movimentos de câmara, a fotografia, os intertítulos, tudo executado a mimetizar aquele período em contexto tecnológico. O curioso é que muitas das situações do filme decorrem em 1893, ou seja, muito antes do nascimento oficial do Cinema, e como tal ele é criado de forma a constituir uma ausência do arquivo no panorama filipino.

O que quero dizer é que, sem o arquivo, os filipinos não teriam poder enquanto colónia, e sobretudo não teriam acesso ao real. A destruição deste património físico poderá ser encarado como uma pratica de colonialismo.

Tem um fascínio enorme pelo Cinema das Filipinas, inclusive tem trabalhos bibliográficos nesse sentido.

Sim, interesso-me bastante por este Cinema, aliás, por toda a sua cultura artística. Foram precisos 6 anos de investigação para conseguir concretizar o livro Acquiring Eyes, que foca principalmente o cinema social-realista das Filipinas. Muito deste Cinema surgiu em ambiente de opressão ditatorial, mas mesmo assim são poderosas obras de arte.

Curiosamente, aqui em Portugal é escasso a exibição e distribuição desse cinema.

Os filmes existem, mas enquanto não houver interesse por parte das audiências ou dos programadores, estes mesmos não poderão sair do seu “arquivamento”. Por isso, não me admira que estes filmes tenham pouca divulgação e difusão.

Quanto ao Cinema atualmente produzido? Como o vê?

Para dizer a verdade, já não vejo mais Hollywood, interesso-me por muito do Cinema Europeu, especialmente o de Haneke, assim como o cinema do Sudoesta Asiático. Particularmente interessa-me o Cinema das imagens repreensivas, como o caso do Haneke, em que filme gira em volta do que não está representado no ecrã, e trabalham em volta disso mesmo. A resistência da mentira invisível, da vida desaparecida através das possibilidades do tempo, um sitio interessante para as intervenções cinematográficas. Não é que pense que estes elementos sejam realmente necessários, transformativos, ou seja, não há garantia que tal cinema mudará o Mundo para melhor, mas julgo que são importantes, assim como, em paralelo, o trabalho do Arquivo, a datação dessas vidas invisíveis. Uma conexão desses tempos, dessas realidades, uma ligação direta com o nosso imaginário.