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Uma conversa com Maria Galant, a revelação de “Mulher do Pai”

2017, Festival de Berlim. Maria Galant tem 20 anos, quatro a mais que a sua personagem Nalú, de Mulher do Pai. É sem dúvida uma revelação, que ostenta ainda a sorte da seleção, no seu primeiro filme, para um dos maiores eventos cinematográficos do planeta. Passado um ano, o projeto da realizadora Cristiane Oliveira continua a rodar o mundo – e hoje à noite passa no cinema São Jorge, em Lisboa, no âmbito do FESTin.

O enredo mergulha no quotidiano de pai e filha numa região de fronteira entre o sul do Brasil e o Uruguai. Nalú não tem uma vida invejável: vive ao lado do pai cego, Rúben (o sempre carismático Marat Descartes), enquanto partilha as angústias da adolescência com uma amiga e o seu mais óbvio desejo é fugir daquele fim de mundo. Ou, pelo menos, daquela relação familiar desconfortável. Deixados a só depois da morte da avó, é uma relação difícil: ninguém sabe exatamente o que fazer na presença do outro.

O C7nema conversou com a atriz de Porto Alegre, sul do Brasil, durante o certame germânico. Neste momento ela aguarda o lançamento de Irmã, de Luciana Mazeda e  Vinícius Lopes, filmado em 2017 noutra pequena cidade – desta vez um antigo centro turístico em função dos fósseis encontrados por lá…

Maravilhas

Maria Galant ingressou no teatro aos 13 anos. Num acontecimento fortuito, encontrou um ex-professor na rua dois anos depois – que avisou-a que tinha lhe “indicado para um teste“. “Eu nunca tinha feito nada, só umas curtas-metragens na escola. Então a Cristiane chamou-me para conversar e explicou o que era o projeto. Achei maravilhoso e queria muito que ela me escolhesse“, relembra.

A partir daí, no entanto, o processo foi mais lento – especialmente falando de um projeto com uma longa trajetória em editais. “Ficamos dois anos trocando referências e demorou um ano até que ela dissesse que eu tinha sido escolhida“.

Na pré-produção, testes em São Paulo com Marat Descartes, um ator de currículo sólido que, também ele, concorreu com outros tantos para o papel. “Fizemos o teste sem nos vermos. Mais tarde a Cristiane disse que tínhamos nós os dois os escolhidos“. Mais uns bons meses passaram-se. Seguiram-se ensaios e, então, rumo à fronteira…

Distanciamentos

A equipa de filmagem seguiu para uma pequena localidade perto de D. Pedrito. Conta Maria: “Gostei muito da cidade. Ela é hoje muito pequena, mas nem sempre foi assim. Tinha cinema, hospital… Agora não tem nem farmácia, perdeu vida, muita gente foi embora“.

Essa característica local é fundamental para exacerbar o drama da protagonista, uma adolescente encarcerada nos cuidados a um pai cego com o qual não tem grande à vontade e apostando numa relação fortuita com outro rapaz da terra.

A falta de intimidade com o progenitor, que acompanhou sem interesse o crescimento da filha (a mãe morreu prematuramente) que nunca pôde ver,  marcou também o método de interpretação. “Eu normalmente vejo nos olhos da pessoa quando estou atuando, mas neste caso não, nunca o olhava, o que ajudava a criar essa estranheza entre eles – que não sabem como se comportar ao lado um do outro“.

Ambiguidades

O distanciamento entre os protagonistas é um facto, mas não repleto de ambiguidades. Nalú está a descobrir a vida: num momento crucial, é apanhada pelo pai a descrever à uma amiga pormenores eróticos de um encontro. “A Cristiane pediu que eu ficasse num quarto, com um gravador a imaginar histórias para tornar a conversa credível“, relata.

Já para Rúben ouvir o relato da filha lhe fez lembrar quem ele tinha sido antes de ficar cego. “Não acho que exista nada de sensual entre eles. Ele está há muito tempo fechado nesta casa e começa a ver a menina a ter uma vida que ele tinha tido. Isso mexe com ele“.

Berlim

Começar a carreira com passagens por vários festivais importantes (Festival do Rio, Mostra de São Paulo, Mostra de Tiradentes) e culminar com a Berlinale é algo para não se desprezar. Com temas adultos e um ritmo cadenciado e próprio do cinema de autor, Mulher do Pai foi selecionado, ainda assim, para a seção Generations, destinada aos mais novos.

É fascinante como a cidade se envolve. O nosso filme fez parte da Generations, teve imenso público jovem a participar dos debates, sempre com salas cheias. Gostei muito da relação de Berlim com o cinema“, conclui.