Terça-feira, 19 Março

Margarida Vila-Nova: “no Cinema como na Vida, o amor será sempre o fio condutor”

Com uma carreira bastante interessante no Teatro, na TV (Mar Salgado; Paixão) e no Cinema (Mistérios de Lisboa; Filme do Desassossego; Cartas da Guerra), Margarida Vila-Nova surge em Amor Amor no papel da destemida Lígia, uma mulher “sem medos” que “vive o sexo e o amor de uma forma livre, em pleno“. Namorada de Carlos (Nuno Casanovas), Lígia aparenta tanto ter um fraquinho por Jorge (Jaime Freitas) como por Marta (Ana Moreira), mas mostra-se acima de tudo independente de qualquer um deles.

Estivemos à conversa com a atriz, que não só nos falou da sua personagem, como também nos deu algumas dicas sobre dois projetos que filmou com Ivo Ferreira: uma curta e uma longa-metragem.

Vamos começar por falar na Lígia – que o próprio Nuno Casanovas disse ser a personagem com que mais se identifica na sua vida. Como é que encarou esta personagem?

É curioso, porque é provavelmente a personagem que mais se afasta de mim. (risos).

A Lígia é atrevida, malandra, é uma personagem sem medos. A mim como atriz interessa-me explorar este limbo, este terreno um pouco pantanoso. Pois viver sem medo, viver em liberdade, sem pudor, sem preconceito, sem medo do dia seguinte, sem ter medo do que vai acontecer, acho que é… Quando penso nessa imagem, nessa ideia, fico com borboletas. (risos)

Para mim, isso interessa-me explorar, interessa-me trabalhar. É uma segurança mesmo. A forma como fala, a forma como age, a forma como se comporta, como manipula as relações, como ela se expõe…

 

Isso acaba por ser também uma forma de defesa, não?

Sim, é uma defesa. Acho que tem uma forma muito livre de viver o amor. Eu atrevo-me a dizer que ela é amoral, no sentido de não ser nada moralista, ou paternalista em relação às situações amorosas. Ela vive o sexo e o amor de uma forma livre, em pleno. As consequências do dia seguinte não estão na balança, porque a consequência de não viver o amor em pleno – segundo a sua conceção -, é deixar de viver.

 

É uma daquelas pessoas que se arrepende daquilo que não faz..

Exato

 

Como foi a sua contribuição para a construção dos textos e da sua personagem, tendo em conta o guião e a peça de teatro no qual o filme se baseia?

Nós trabalhamos muito o texto com o Jorge [Cramez], que fomos adaptando. O filme foi sofrendo algumas alterações em função das personagens, dos ensaios e das improvisações que fazíamos. Mais do que o nosso ponto de vista, pensámos no ponto de vista da personagem sobre este tema, sobre “esta” cena. E muitas vezes foi à mesa. Foram três horas sentados a almoçar e a pensar porque é que a Lígia “age assim e não assado”, a “importância de deixar esta cena suspensa”. “Esta cena tem de ser ambígua”, porque senão estamos a obrigar a personagem a tomar uma decisão, ou a tomar um partido, ou a fazer uma escolha.

O atrevimento de não fazer uma escolha, ou de jogar ao jogo das cadeiras, ao gato e ao rato, com a personagem da Ana Moreira, a Marta, que eu acredito que no fundo a Lígia tem uma paixão. Que vive uma paixão em segredo pela Marta. Como vive uma paixão enciumada pelo Jorge. Esta forma como conduz e manipula cada relação foi discutida antes de iniciarmos a rodagem com o Jorge e com a Ana, de forma até a construirmos uma relação entre nós.


Margarida Vila-Nova e Ana Moreira em Amor Amor

Para mim, a Ana era uma referência no cinema português. Já a tinha conhecido mas nunca tinha tido o prazer de contracenar com ela. E fomos nos encontrando nos silêncios, nas pausas, no plateau, fora do plateau, ao entardecer, ao anoitecer …. ao amanhecer, porque este filme foi rodado praticamente de noite. Foi uma rodagem dura nesse sentido. O facto do filme se passar em 24 horas.

Mas fomos nos encontrando, fomos descobrindo, não só a nós próprias, como as personagens. E acho que no Cinema como na Vida, o amor será sempre o fio condutor que nos aproxima, que nos une e que nos faz levantar da cama. Se não for com amor para filmar, então…

 

Tem uma carreira na TV e no Cinema. Qual dos dois meios prefere. O que lhe dá mais prazer?

O que me dá mais prazer é representar, mas infelizmente nem sempre tenho oportunidade de poder filmar e, não podendo isso, de estar mais próxima do Cinema ou do Teatro, prefiro ter trabalho e uma personagem que me desafie e que me permita representar, que é aquilo que mais gosto de fazer.

 

Trabalhou recentemente em dois projetos com o Ivo [Ferreira], uma curta e uma longa metragem. Pode nos falar disso?

Sim, a curta-metragem rodamos recentemente, o Equinócio, no Algarve. A ideia surgiu no verão anterior, em que estávamos a passear na ilha do farol. Andamos ali entre o Farol a Culatra e a Armona. Aí surgiu a vontade de filmar.

 

E pode nos dizer do que trata?

A questão da identidade, a questão dos lugares não nos pertencem mais e da natureza tomar conta deles, a intervenção humana. Isto no caso das ilhas, onde muitas habitações foram derrubadas, de forma a devolver à Ria Formosa a sua natureza.

Mas, onde ficaram as nossas histórias, as nossas memórias e a nossa identidade? Onde é que ficaram aquelas pessoas? E como serão aquelas ilhas depois de com elas ser levado este património das memórias que pertenceram de gerações a gerações [que lá passaram]. E depois fomos lendo e fomos descobrindo, fomos investigando sobre as ilhas. E começa com um camaleão. E depois vamos aos primeiros, a quem habitou ali. Os guerreiros. Eram guerreiros que ficavam nas ilhas isolados, sem acesso a eletricidade e água potável. Há histórias de pescadores incríveis, lindissimas. E histórias trágicas, tristes, mas que fazem parte de uma identidade e da nossa história.

No seguimento desta investigação, desta descoberta, e tratando-se de uma curta, pois não podíamos ir muito longe. a minha personagem regressa à ilha com a sua sobrinha e a partir daí é um encontro com o passado.


A ria formosa | Margarida Vila-Nova em Hotel Império

 

E a longa metragem, o Hotel Império?

Está na fase de montagem, no pós produção. Estreia ainda este ano, num festival. Rodamos em 2017 no primeiro trimestre. Foi todo filmado em Macau. A minha personagem, curiosamente, também fala de identidade (risos). A identidade anda a perseguir-nos. Esta questão de viver entre duas cidades anda a puxar para este tema.

Esta personagem, a Maria, é uma sobrevivente. É filha de um português, uma personagem que fica amarrada ao seu passado, às suas memórias, à sua história, às suas raízes. É alguém que nasceu num ambiente muito particular, na pensão do pai, onde o jogo e a prostituição foram uma realidade que a acompanharam. Mas ela também torna-se incapaz de romper com o seu passado e de procurar o seu sonho e a sua verdadeira identidade.

É uma personagem profundamente triste. É uma sobrevivente no sentido que o Hotel está penhorado e a sua grande luta é mantê-lo de pé, e todos aqueles que vivem dentro do Hotel e que a viram crescer. Não os deixar para trás. E a vida vai-lhe pregando partidas e surpresas que a vão transformando.

 

Tem ambição de um dia passar para a realização?

Já pensei nisso, mas como vivo com um realizador, às vezes torna-se complicado. (risos) Não, estou a brincar (risos).

Tenho um projeto que um dia gostaria de fazer, mas é muito específico. Não tenho a ambição de fazer ficção. Mas há uma história que um dia gostaria de contar. Um documentário.

 

Não quer falar um pouco sobre ele?

É passado em Macau.

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