Terça-feira, 19 Março

Claude Barras: «é difícil filmes como ‘A minha Vida de Courgette’ encontrarem um público»

A minha vida Courgette [ler crítica] separa-se do destino do homónimo protagonista, Courgette, pois a sorte bateu à porta desta longa-metragem de animação stop-motion assinada pelo suíço Claude Barras. Uma passagem feliz no Festival de Cannes, uma nomeação ao Óscar, para além de ter sido o candidato suíço à categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira, e agora, a alta distinção na 16ª edição da MONSTRA.

A minha vida Courgette enche-se de orgulho, mas pouco foi uma questão de sorte e o filme fala por si. O C7nema teve a honra de conversar com o realizador sobre esta sua preciosa criação, um conto infantil agridoce com todos os requisitos do cinema social europeu e, claro, uma alternativa ao mercado imperativo da Disney. As crianças requerem diversidade, assim como nós. 

Como surgiu a ideia para este filme?

Quando tinha 10 anos li um livro o qual achei muito bom (Autobiographie d’une courgette), que me remetia às séries de órfãos como Nobody’s Boy: Remi ou a Heidi. Hoje em dia há menos diversidade de filmes para crianças, não há muitos filmes realistas ou que simplesmente falam da realidade para os mais novos. Foi por isso que decidi adaptar o livro.

Courgette é um pouco diferente dos outros filmes. Em vez de ser um filme para crianças, é um filme sobre crianças.

É uma abordagem realista sobre a infância na animação, a dirigir-se também às crianças e com a estrutura de um conto. 

Como funcionou o processo de stop-motion?

Influenciou o lado realista no uso da luz e da mise-en-scène, a partir de marionetas muito simples para a animação. Foram 12 fotos por segundo com a pessoa que manipula a marioneta a alterar os braços, as pernas, a boca, faz pestanejar, imagem por imagem.

Em relação ao design, houve quem apontasse como uma influência ao universo de Tim Burton?

Sim, adoro os filmes dele, sobretudo pelo aspeto gráfico. Mas também sei que ele foi influenciado pela Rankin / Bass, uma dupla de cineastas da década de 60 que também recorriam ao uso de marionetas. Portanto, também me baseio no trabalho deles.

Acha que o Tim Burton vai gostar de ver o seu trabalho?

Não sei, espero que sim. (Risos)

O The Guardian aclamou que o seu filme era um “Ken Loach para as crianças“.

Gosto muito dos Ken Loach, dos Dardenne, aquele cinema social europeu. Sim. Penso que sim, que possa ser visto dessa maneira, cinema social de animação.

É um statement político aquele que faz no filme, contra o mercado da Disney na animação?

Penso que as crianças têm necessidade de diversidade e que este é um pouco diferente dos outros. Penso que fiz bem em comparar a animação à realidade, à sociedade, à violência, à sexualidade, mas através de um muro, que é o da esperança. Os filmes da Disney são muito caros e têm menos liberdade no que abordam. Ao fazer um filme com um orçamento menor, consigo ter a liberdade que quero.

Como se sentiu por Courgette ser a sua primeira longa-metragem?

Estou muito contente com o resultado, foi muito duro. Mas é um filme coletivo, com uma grande colaboração técnica. Também estou feliz porque acho que vou continuar a dirigir-me às crianças com um lado ecológico, com estes temas importantes e que nos fazem refletir.

Como foi colaborar com a argumentista Céline Sciamma?

Gostei muito, admiro imenso o trabalho dela e foi o meu produtor que me propôs trabalhar com ela. Já tinha as personagens e uma primeira versão do argumento e, portanto, trabalhámos ao longo de um mês. Pelo meio tivemos uma pequena discussão, mas tive a impressão de que ela estava a escrever para mim. Ficámos a conhecer-nos bem pessoalmente e com a promoção do filme ficámos muito amigos.

Alguns pensamentos sobre a nomeação aos Óscares e a passagem pelo Festival de Cannes?

Durante a rodagem, sabia que o filme agradaria às crianças, mas não tinha tanta certeza o quanto iria agradar uma audiência adulta. A passagem por Cannes foi muito forte, intensa, violenta, porque creio que dei mais de 100 entrevistas em apenas três dias [risos]. Mas foi uma chance enorme passar por um festival que deu uma projeção tremenda. A quantidade de jornalistas que falaram do filme atraiu um grande número de pessoas para vê-lo. Porque, infelizmente, é difícil filmes como A minha vida Courgette encontrarem um público.

Depois de Cannes passei 2 meses a fazer 30 projeções nos EUA. O produtor do filme tinha dinheiro para permitir a cobertura por revistas e pôs em movimento uma máquina de guerra. Para a seleção, são 200 pessoas que votam e foi bom ter a energia e dinheiro para fazer o filme chegar até elas. É uma competição difícil, é necessária muita publicidade. Mas gostei de ir à cerimónia, mesmo não tendo ganho, mas o único filme de animação não-americano a ser premiado com o Óscar até à data foi A Viagem de Chihiro. Por isso, nada a fazer.

E quanto a novos projetos? Vai ficar-se pela stop-motion?

Sim, gosto muito da técnica que, ora está perto da animação, ora se aproxima do cinema “live action“, graças ao uso da luz e do mise-en-scène. Tem uma certa veia direta com o teatro e com a perfomance, daí poder surgir algo espontâneo o e que é muito bonito.

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