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Dalibor Matanic: «a minha avó sempre me pediu para arranjar uma rapariga que não seja Sérvia»

Há dois anos atrás, na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, um filme croata emocionou o público com uma abordagem criativa e romântica do conflito dos Balcãs. É um enredo que prolonga-se por mais de trinta anos, jogando-se com encarnações e momentos dignamente shakespearianos. Esse filme foi “Zvizdan”, por cá sob o título de “Sol de Chumbo”, que acabaria por vencer o prémio de Júri de tal secção.

O C7nema falou na altura com Dalibor Matanić, o realizador assumidamente optimista que parece figurar-se numa nova e ascendente geração que promete fazer um cinema ativista, mas sobretudo de carácter urgente e moralista.

Ao ver o seu filme temos a sensação que o Dalibor é um homem romântico.

Sim, mas penso que se deveria antes dizer que sou um otimista. Neste assunto é o meu ponto de vista, a minha posição e o filme sou eu, é tudo aquilo que vejo à minha volta. A minha família sempre me disse: “que as pessoas metem em primeiro lugar as suas energias mais negativas, como o ódio, ao invés de outros sentimentos como o amor e o afeto“.

Como nasceu a ideia para este filme?

Curiosamente, a ideia veio da minha avó. Cresci com ela e ela foi para mim um poço de amor incondicional, mas à medida que ia ficando mais velha começou a repetir o mesmo conselho “por favor arranja uma rapariga que não seja sérvia“. Isto é absurdo, alguém que te dá todo o amor na tua vida e ao mesmo tempo é capaz de interditá-lo. Isso fez-me pensar no porquê que estas boas pessoas estão infetadas com este elemento de ódio, ou por vezes, presas. Por isso, este filme funciona como um “gatilho” de resposta a esses sentimentos, e demonstrar como é possível apostar no oposto.

Digamos que este é um filme ativista?

Sim, mas no filme tentei ser gentil na temática, mesmo assim poderá suscitar algumas reações negativas para algumas pessoas com ideias fundamentadas. Para além da gentileza, tentei transparecer uma certa disposição, como um espelho, que reflecte-as e que as confronta com o seu próprio reflexo.

Mas porquê este formato: 3 histórias, 3 décadas diferentes e 2 atores?

Queria transmitir às audiências uma precaução de que o destino é sempre o mesmo, uma sensação de ciclo repetitivo e foi com esse intuito que utilizei os mesmos atores para personagens diferentes. Porém, com esse processo tentei esclarecer um ciclo onde as cargas negativas vão-se esmorecendo conforme o destino.

Como preparou os seus atores para um ciclo repetitivo, e ao mesmo tempo divergente, de papéis?

Eu não sou do tipo que gosta de explicar tudo, a maneira como se deve agir, o sorriso, o olhar. Nada disso. O que pretendia aqui era pequenos ou até pormenores invisíveis entre personagens. Trabalhamos muito e por muito tempo para poder encontra estes pequenos itens que nos levam a diferenciar personagens, não pretendia diferenças discrepantes entre elas, queria transmitir a sensação que apesar de diferentes e de viverem em décadas distantes, estas eram unidas, como algo hereditário, a um só ser, aquela energia continua. As minhas personagens possuem uma ideia que habita dentro delas, não exibindo-as como parte da sua estética. Algo comparado ao subconsciente.

Estes eram os atores com quem inicialmente pensou trabalhar? Como os escolheu?

Tenho orgulho de ter no meu elenco Tihana, o qual considero ser uma das melhores actrizes croata da sua geração. Já nos conhecíamos há anos e por isso a adaptação foi tranquila. Claro que tive que executar um casting para as personagens mais velhas e sobretudo para o protagonista masculino. Foi então que encontrei Goran Markovic, que foi perfeito para o papel.

Muita da imprensa afirma que o seu filme poderá se tornar no mais influente e conhecido filme croata. O que sente acerca destas afirmações?

Sou pacifico em relação a isso [risos], quando estava a filmar o filme, depositei nele alguns dos meus sentimentos e em Cannes apercebi-me que essa energia está de certa forma estampada nele. Mas não são só as referências croatas, julgo que todo o leste precisa de filmes como estes. Um cinema que aborda estes mesmos medos, fantasmas e temas. Atualmente, surge entre nós uma geração de jovens com um tamanho ódio instalado no coração, eles odeiam tudo, por isso, é importante que exista este tipo de filmes e que esta mesma geração os veja e, acima de tudo, sejam confrontados por estes.

Em relação ao título. Porquê High Sun (título internacional)?

“High Sun” (Sol ascendente) é quando o Sol está no pico, e ele ilumina-nos deixando a nossa sombra saliente no chão, como tal existe uma espécie de reflexão, ou por outras palavras, um confronto entre o iluminado e o fruto dessa iluminação. É como olharmos para nós próprios, mas sob a influência de algo acima da nossa compreensão.

Novos projetos?

Este “Zvizdan” será o início de uma trilogia, o qual apelido de a Trilogia do Sol. Com esta saga tentarei esclarecer os aspectos sentimentalmente positivos como negativos, um embate entre a Humanidade e as energias negativas que habitam entre nós há séculos. O meu próximo capítulo terá como título “Down Sun“, como uma Aurora, o qual tentarei estabelecer sentimentos próximos do luto.