Quinta-feira, 25 Abril

Nicole Garcia: “nunca aprendi com nenhum dos realizadores pelos quais trabalhei anteriormente.”

O “amour fou” (amor louco) de Marion Cotilard levou-a a ser uma das principais candidatas ao prémio de Melhor Interpretação feminina no Festival de Cannes de 2016. Apesar de não ter vencido, a mais requisitada atriz francesa do momento, ofereceu-nos uma personagem fascinante, perdida num romance, algures entre o sacrilégio e o sagrado, acidentalmente estampada na realidade e na fantasia. Para dirigir uma atriz deste calibre foi preciso uma outra atriz, Nicole Garcia, vindo da velha guarda do Cinema “gaulês“. Uma interprete que descobriu um outro amor para além da representação, a paixão da realização e do desdobramento das personagens que parecem ganhar vida no grande ecrã. O C7nema falou com a mulher por detrás de “Um Instante do Amor“, a adaptação do bestseller de Milena Agus, um desafio às próprias convenções do romance estabelecido.

Porquê a escolha do livro de Milena Agus? O que fascinou nesta obra para a adaptá-la?

Sinceramente não sei. Quando comecei a ler o livro, apenas o fiz com o prazer da leitura e não no intuito de procurar o meu próximo filme. Foi recomendado por um amigo meu, aclamando que seria obrigatório “ler este livro de 2006“. Então fiz, comecei a folheá-lo no Aeroporto de Paris e o terminei durante o meu voo para Marselha. Admirada com esta experiência, corri logo em busca dos direitos da obra. Queria adaptá-lo para o grande ecrã e queria ser eu a fazê-lo.

Havia algo neste livro que me dizia muito, provavelmente o facto da protagonista ser uma mulher que pensa que todos os outros a recusam, cuja mãe constantemente a apelida de “louca“, chegando a fechá-la num hospital psiquiátrico e tudo. Mas no fundo, é uma mulher forte e selvagem, e essas características assustavam as restantes pessoas. Porém, mantinha uma certa fragilidade. Porque ela procurava algo sexual e sagrado. Para ela, como para mim, encontram-se no mesmo patamar [risos].

Mas ela conhece que tais oposições existem no seu todo, porque depara com tais descrições na literatura, nos livros que lê, assim como na vida.

Marion Cotillard foi a sua primeira escolha para o papel? Imaginava-a como a protagonista de “Instantes do Amor“?

Determinada a adaptar o bestseller, mentalizei-me que teria que ter a melhor atriz para começar. Teria que ser capaz de encarnar este mistério, algo que a própria ainda não havia explorado ainda, possuir um certo carácter indomável e ser, sobretudo, dura. Não cair no erro da melancolia e da doçura, até porque existe na personagem um desejo ardente que a mantêm forte. Então imaginei Marion Cotillard. E o resultado está à vista, ela conseguiu captar isto que referi nela, assim como muito mais. Um toque de sensibilidade humana. Vi nela a fazer algo idêntico como fizera na sua interpretação de Edith Piaf [La Vie en Rose], que fora um desempenho magistral por parte dela.

Acredita, que como realizadora, encontra-se melhor em cada filme?

Sim, acredito, assim como acreditava que no meu filme anterior, Um Belo Domingo, também estaria a aperfeiçoar-me. Estou a melhorar no contexto da direção, assim como na maneira de contar uma história.

Nicole Garcia começou como atriz, mas agora parece ter abandonado o cargo para dedicar-se com mais tempo à realização. Deseja voltar a atuar?

Continuo a ser uma atriz, mas como dedico demasiado tempo na realização, o qual não sobra muito para a atuação. Mas continuo a ser uma atriz.

Ainda como atriz, trabalhou com alguns dos mais influentes realizadores do cinema francês, tais como Renais, Rivette, Tavernier ou Lelouch. Aprendeu alguma coisa com eles acerca da realização, ou seguiu algum conselho destes para esta arte?

Não. Porque quando era atriz, era o tempo todo somente atriz. Não tinha o desejo de seguir a realização. Aliás, nunca passava pela cabeça que um dia seria realizadora, nada disso. Tudo começou quando filmava uma curta-metragem, durante as minhas férias. Bem, mais um filme caseiro, uma pequena brincadeira, mas quando comecei a editar este pequeno filme, tive então a revelação. Foi na edição que me fez gostar do trabalho de realização. E foi quando estreei a minha curta em Cannes, senti-me determinada em elaborar a minha primeira longa-metragem.

Mas voltando à questão inicial, nunca recebi nenhum conselho, nem nunca aprendi com nenhum dos realizadores pelos quais trabalhei anteriormente. Tudo nasceu do meu instinto.

E como dirige os seus atores? Utiliza a sua experiência como atriz para os coordenar?

Apenas dirijo os meus atores nas duas primeiras semanas, falo com eles, dou-lhe conselhos, exponho aquilo que pretendo da personagem, mas depois o desenvolvimento nasce deles. Não me intrometo na sua atuação, nem tento controlar à risca a fluidez da personagem, esta tem que ser livre, portanto, porquê colocar travões. Até porque o meu objetivo é sempre contratar (muito) bons atores para os meus filmes. Pessoas capazes de dar vida às personagens que imagino.

Em relação a novos projetos?

O meu próximo filme será uma história contemporânea decorrida nos anos 50, e que remeterá o amor entre dois homens, mas não o tipo de amor “romanesco“, mas sim de natureza mais negra e provavelmente com ligação a um homicídio. 

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