Terça-feira, 19 Março

A Floresta das Almas Perdidas: entrevista a Daniela Love e José Pedro Lopes

Com estreia mundial no Fantasporto a 26 de fevereiro, A Floresta das Almas Perdidas é uma longa-metragem de terror passada numa floresta onde pessoas suicidam-se. É lá que Carolina (Daniela Love) e Ricardo (Jorge Mota) conhecem-se, partilhando o mesmo propósito. Ela é uma adolescente niilista citando as obras depressivas que leu, ele um pai de família remoído pela culpa da morte da filha. No entanto, num inesperado twist, Carolina revela-se uma assassina que irá perseguir e tentar chacinar a família de Jorge.

No bar 39 Degraus da Cinemateca Portuguesa, o C7nema teve o privilégio de entrevistar e discutir com a atriz principal do filme, Daniela Love (D.L.) bem como o seu realizador, José Pedro Lopes (J.P.L.) a propósito do que é a primeira longa-metragem da produtora Anexo 82.

Como é que surgiu o projeto?

J.P.L.: Inicialmente escrevi o filme para participar no FEST (Festival Novos Realizadores de Espinho) no pitching forum onde apresentas uma curta-metragem. Essa curta era o equivalente aos primeiros 30 minutos do filme. Recebi algum feedback e uma das críticas apontadas foi ao facto de perder mais tempo a explicar as personagens do que, propriamente, a história. Foi daí que surgiu a 2ª metade. Isto foi em 2011. Depois fomos fazendo outros filmes e arranjando parceiros.

Foi fácil arranjar o financiamento?

J.P.L.: Não. Apesar de ter muitas parcerias, o filme é maioritariamente pago pela Anexo 82. Quando fazes um filme assim, por um lado, contas muito com a ajuda dos teus amigos e com pessoas que querem fazer filmes como tu. Não contas ganhar muito dinheiro com isso, mas sim gastar muito dinheiro com isso. Demora muito tempo porque quando aparece outra coisa tens de a pôr à frente. Nós rodámos uma semana no Verão, outra no Inverno e depois vários dias quase um ano depois.

Começou por trabalhar em curtas. Qual a principal diferença na transição do formato curto para o longo?

J.P.L.: Tu podes fazer uma curta baseada numa ideia específica. Geralmente, a que as pessoas mais gostam não giram tanto em torno de uma narrativa, mas sim na forma visual como a apresentas. Quando fazes uma longa, por muito que queiras ser só concetual, tens sempre que adornar muito. Eu gostava que isto fosse um Antes do Amanhecer e depois que se tornasse o Halloween. Isso daria para uma curta de 10 minutos, mas fazê-lo em 70 significou que tinha que ter assunto para esse tema e que tinha de justificar as 2 partes, uma não podia funcionar como contexto para a outra. Tens que pensar muito mais nas personagens e na história, não é só fazer o filme por fazê-lo.


José Pedro Lopes

Chamar a este filme “terror” é redutor. Começa por ser um melodrama familiar e a meio é que entra a parte do terror, o que me relembra a mistura de géneros em alguns dos filmes de Takashi Miike.

J.P.L.: A maior referência a fazer ao filme é o Audition do Miike, sim. Há uma cena do lago no meu filme que parece remeter para a tortura com as agulhas nessa obra, sem a violência prolongada. Sobre a mistura de géneros, já reparei que desde há 5 anos para cá faz-se muito isso, mas no que toca ao cinema asiático, sempre foi feito. No I Saw The Devil tens um momento dramático, outro cómico, outro policial, outro terror e é tudo o mesmo filme

Já que falamos no cinema asiático, há constantes referências à cultura nipónica ao longo do filme. O harakiri ou a floresta dos suicídios, reminiscente da Aokigahara.

J.P.L.: Eu gosto muito da cultura japonesa e do seu cinema por motivos separados. O cinema pela forma como é feito não subscrito a géneros e como ainda tem uma abordagem para o público em geral, bem como os seus valores de produção sempre acertados. Já em termos culturais acho interessante a relação que o país tem com o tema do suicídio. É semelhante à que Portugal tem com o Fado. Apesar de sermos muito diferentes dos japoneses, também celebramos a morte de uma forma romantizada, com a saudade e o fatalismo como forma de apreço. Os EUA e os países de centro da Europa veem sempre que as coisas felizes são boas e as tristes más.

Daniela, para interpretar esta assassina, que referências de filmes lhe foram indicadas e houve algum trabalho de investigação adicional?

D.L.: Vi um documentário onde entrevistavam um assassino em série, mas depois concluí que a minha personagem não era nada desses casos típicos, por isso, não podia ir aí. A piada da personagem é essa, ser uma miúda normal. Usei o Hard Candy como referência, apesar da protagonista nesse filme ser uma heroína e não uma vilã. Mas os mais importantes foram o À l’intérieur e o Halloween porque queria sentir-me tão grande como os antagonistas desses filmes. Aprendi a conduzir e cheguei a esfaquear carne para ver a força com que tinha que o fazer. Só depois criei aquela teia carismática da parte inicial, para a qual me baseei na Julie Delpy da trilogia Before, pretensiosa e senhora do seu nariz. Finalmente, li todos os livros referidos.


Daniela Love

Têm surgido vários filmes nos últimos anos em torno desta floresta de suicídios. O The Sea of Trees do Gus Van Sant ou A Floresta. Tratou-se de uma coincidência que os 3 quisessem abordar este tema?

J.P.L.: E ainda há mais, o Syfy também fez um e houve um documentário, para além do livro do Valter Hugo Mãe, Homens Imprudentemente Poéticos. Acho que é um tema que agora está na moda. A cultura oriental está na moda quando queres ir atrás de coisas que não são da moda. E eu não sou melhor que isso.

Porquê a Daniela Love interpretar uma assassina?

J.P.L.: É uma das maiores especificações do filme porque, por um lado, não é costume ter um assassino fisicamente inferior às vítimas. Foi uma das coisas que tivemos de fazer pesquisa. Ela, por ser bastante pequena, para esfaquear pessoas teria que esfaqueá-las de uma maneira diferente. Isso é uma coisa que geralmente em filmes slasher são muito espalhafatosas, mas também é por os assassinos serem fisicamente possantes. E depois tem a ver com a reta final do filme porque queria que parecesse um antagonista poético, mas que no final fosse apresentado como uma personagem muito pouco interessante e que o único lado aliciante dela seria o de matar.

São colocadas muitas citações de Nietzsche, como se fosse a partir do niilismo e da defesa do suicídio como finalidade para a vida que nascesse o impulso dela para matar. Como veem a personagem criada?

J.P.L.: Para mim havia um lado temático dentro do género terror que queria inverter. Tens antagonistas representativos do que é visto culturalmente como um conservador e as vítimas são associadas ao mundo contemporâneo moderno. Queria o oposto, ter uma assassina da geração millennial que matasse personagens conservadoras. A história da família é a parte com que eu mais me identifico e o antagonista para mim representa aquilo que é visto nos dias de hoje de que as coisas não valem por elas próprias, mas apenas pelas ideias delas. É uma pessoa que vai fingir para sítios onde outras estão mais sensíveis e expostas. E finge da maneira mais fácil que é fazer citações banais. Eu gosto muito do Nietzsche e da Virginia Woolf, mas aquelas são as frases mais “caracácá” que arranjas. Se calhar para quem não os conhece é capaz de ver ali muita profundidade, mas se alguém me dissesse aquilo, acharia que estava só a fazer figurinha.

D.L.: Comigo foi um pouco difícil porque não compreendia o motivo desta personagem para matar. Ela simplesmente é uma miúda de classe média alta que não vê as consequências dos atos e então decide que para sair do aborrecimento teria que assassinar pessoas. Mas discuti imenso com o José a personagem, ele deu-me imensas referências de filmes e fui pegando em coisas daqui e dali.


Daniela Love

Apropria-se de alguns dos clichés do terror, como a rapariga virginal que no fim consegue matar o assassino ou chamar a polícia. Mas não é isso que acontece. Pretende pegar nestes traços característicos do filme de terror e inverter as regras?

J.P.L.: Sim, um pouco. Na parte das vítimas o filme vive por ele próprio. A história do pai, da mãe e da família que sobra quando alguém se suicida é uma história que dava um filme por si. Não vive para o terror. Mas a ideia era inverter a ideia de que os filmes de terror tentam sempre ser muito moralistas à sua maneira. Queria algo imoralista.

Porque filmou a preto-e-branco?

J.P.L.: Facilitou a produção, pois filmámos no Inverno e no Verão. Por outro lado, verificámos que ao filmarmos as personagens assim na floresta, elas ficavam muito destacadas. Como ia haver muitas cenas de diálogos, obtivemos uma maior sensação de isolamento. E depois o tom melancólico da história convidava ao preto-e-branco. Baseámo-nos muito no Frances Ha para o trabalho de composição da imagem, com as personagens sempre a falarem da esquerda para a direita e não ter um plano para um, plano para a outra, o que dá um ar relaxado ao que tu estás a ver. Muitas vezes, num filme indie, tens handheld e tracking shots, como se estivesses no meio delas, o que eu não queria. É um pouco reminiscente do cinema do Tarkovsky, planos gerais com muita informação.

Devido às constantes referências musicais pensei, ao princípio, que estivesse a tentar fazer com que a audiência se identificasse com a assassina. Mas depois nunca usa algo característico do cinema de terror que tem justamente esse propósito que é o plano subjetivo do assassino. Afinal pretende, ou não, que a audiência se identifique com ela?

J.P.L.: No final, definitivamente não. Até porque ela é mostrada como uma personagem vulgar e fútil. No início sim, há uma vontade de ser uma personagem carismática e é suposto as pessoas identificarem-se com as referências que ela apresenta, apesar de não saber se as pertencentes àquela geração achem aquilo tão interessante quanto isso. Sobre os planos subjetivos, ao princípio considerámos em colocá-los, mas optámos por não ter porque era importante a personagem da filha na segunda parte ser a protagonista. Se os tivéssemos usado, estaríamos a dar mais screen time à vilã que o suposto. Se reparares, na segunda parte, a assassina só tem um momento de diálogo, mas de resto não tem mais nenhuma deixa e quase só aparece em segundo plano.



A equipa de A Floresta das Almas Perdidas —  Daniela Love, Inês Balbino, Isabel Braga, Ana Almeida, Francisco Lobo, Jorge Mota e José Pedro Lopes

Daniela, como foi a relação com o realizador, a equipa e o restante elenco?

D.L.: Nunca tinha trabalhado com o José a realizar, mas mesmo em outros projetos, ele era uma pessoa muito presente. Como conhecia quase toda a gente que lá estava, o ambiente foi muito familiar e descontraído. Às vezes trabalho com pessoas que é difícil perceber o que querem, mas com o José foi fácil porque conhecemo-nos há vários anos. Ele é muito direto, sem ser autoritário, diz exatamente o que tem a dizer sem rodeios, o que é ótimo. Ele é muito livre, mas está também aberto a sugestões por parte dos atores, desde que respeitem o que ele quer. Foi uma experiência muito colaborativa com todos.

Têm alguns projetos que queiram partilhar?

D.L.: Neste momento vou continuar a fazer o trabalho de atriz em filmes low budget, vídeos para aplicações e teatro para escolas.

J.P.L.: A Anexo 82 é uma produtora que não trabalha exclusivamente em ficção. Acima de tudo trabalha para terceiros. Estamos a fazer candidaturas para futuros projetos de ficção. A Floresta das Almas Perdidas representa aquilo que nós mais queremos fazer que são as longas-metragens. Mas queremos aprender também com esta o que é que está de errado ou não, bem o que devíamos fazer diferente. O filme começou a apontar para um lado e acabou por outro, inicialmente não era tão artisticamente fechado, mas mais comercial. Eventualmente, surgirá outra longa, mas para já vamos dedicar-nos à distribuição deste.

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