Sexta-feira, 26 Abril

Paulo Filipe Monteiro: “eu não me vou especializar em filmes de época”

Antes de ser presidente, era escritor e foi a sua paixão pela escrita que fez Manuel Teixeira Gomes lançar-se no anonimato, viajar para uma Argélia colonialista e escrever a sua mais concretizada obra-prima. Esse pedaço de História esquecida fascinou Paulo Filipe Monteiro, ator e argumentista, e através da imagem de Teixeira Gomes lança-se na aventura da sua primeira realização. Mas o anonimato não mora aqui, e o C7nema testemunhou essa autoria.

Sabendo que esta é a sua primeira longa-metragem, o porquê de Manuel Teixeira Gomes? O que lhe fascinou?

Fascinou-me em primeiro lugar este gesto desmesurado dele de largar tudo, a presidência, a sua vida elegante, a sua coleção de arte, e partir no primeiro barco a sair de Lisboa. Isso, no geral, foi o que primeiramente me fascinou. À medida que ia pesquisando, aprofundando esta história, encontrei outros fatores interessantes na sua vida, uma delas foi o facto de ter sido um caso único no Mundo, o de um escritor de literatura erótica a chegar à presidência de uma Nação. O sensualismo da sua obra, assim como a proclamação das suas raízes, algarvias com ligação ancestral à cultura árabe, a sua paixão pelo Magred [região noroeste da África] que vem em contraponto com a atual demonização do Islão, o seu percurso como Presidente, que foi bastante importante, tendo sido uma figura politica reformista que lutou contra a especulação da banca, a crise financeira (tema atual).

Como funcionou o casting? Porquê Sinde Filipe na pele de Manuel Teixeira Gomes?

Para além de ser também ator, conhecer os meus colegas, e gostar de dirigi-los, faço apostas e pelos vistos, ganhei as todas. A nível de interpretação, Sinde Filipe [ler entrevista] está alto, e eu queria apostar numa nova linguagem, uma nova dimensão, um novo estilo. Com Zeus vão ver atores que por exemplo, toda a gente conhece das novelas ou dos palcos de teatro, duma outra maneira.

Paulo Filipe Monteiro é também o argumentista de Zeus, tentou evitar a esquematização das biopics convencionais?

Pois, eu já escrevi sete longas -metragens, para outros. Aqui, o que consistia era o desejo de fazer um filme em três blocos, como As Horas ou até Magnólia. Zeus presta-se a esses mesmos blocos. O bloco da presidência, escuro e claustrofóbico, em contraponto com o da Argélia, bastante solar e luminoso, e ainda, o romance de Maria Adelaide, que ele escreveu aos 77 anos no seu “quartinho” de hotel. Portanto, o filme vai saltando entre os três e penso que os espectadores vão gostar disso.

Manuel Teixeira Gomes é um homem interessado quer na politica, quer no meio artístico. Como foi consolidar esses dois “mundos” que parecem antagonizar um ao outro?

Ter um homem na política que é um escritor, para além de mais, ser um esteta, um interessado em artes plásticas, na pintura, um coleccionador de arte, faz com que se acha um casamento natural, mais fácil em relação à Arte. Se tivéssemos um presidente, ou até mesmo um primeiro ministro assim, teríamos uma grande afinidade entre a politica e o meio artístico.

Zeus apresenta uma época pouco retratada no cinema português, e até mesmo um pouco esquecida dos nossos manuais de História. Com a cada vez mais adesão ao período salazarista em relação a adaptações cinematográficas, acha importante explorar outros episódios da nossa própria História?

Sim, se repararmos no cinema dos EUA, eles tem menos História, mas a exploram até à exaustão. Quantos filmes existem sobre o Vietname? Nós temos menos filmes históricos, provavelmente por serem de produção cara, e difícil em termos de recursos reconstruir essa visão de época, mas nós temos muito material para explorar, para filmes. Não pensem que vou ser a fazê-los, eu não me vou especializar em filmes de época [risos]. Fiz este, mas o próximo projecto que tenho na cabeça é absolutamente contemporâneo.

Quer falar mais sobre esse novo filme?

É um projeto que tenho na minha mente, veremos se tem financiamento, e é previsto ser um filme bem contemporâneo, moderno, experimental, prometo “rasgar”.

Para além de realizador, Paulo Filipe Monteiro é ator. O facto de ter sido um interprete o ajuda na direção do seu próprio elenco?

O facto de ser ator permite-me compreender os actores, como tocá-los, chegar a eles, como conseguir deles certas coisas, ou seja, esses dois mundos complementam.

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