Sexta-feira, 29 Março

«Marie et les Naufragés»: Conversa com Eric Cantona e Sébastien Betbeder

Apesar daquilo que muitos julgam, Eric Cantona não é novo na área da interpretação. O anterior jogador do Manchester United já contracenou com Cate Blanchett e Vincent Cassel no épico «Elizabeth», em 1998, assim como já foi dirigido por Ken Loach em «O Meu Amigo Eric», onze anos depois. Agora, interpretando Antoine, um sensível escritor em busca da sua inspiração, nesta comédia de “naufrágios humanos“, Cantona confirma a sua aptidão para a arte do desempenho, algo, que o próprio garantiu, sempre o havia fascinado.

C7nema falou com o ex-jogador, como também com Sébastien Betbeder, o jovem realizador que o dirige em «Marie et Les Naufrages», um comédia dramática onde um bando personagens sem nada a perder, decidem reencontrar-se a si próprios numa ilha remota. Um filme apresentado na 17ª Festa do Cinema Francês.

 

Como é que surgiu a ideia deste projeto?

Sébastien Betbeder: Quando escrevi o projeto tinha um “mundo de ideias” e, simplesmente, não queria recusar qualquer uma. Criei um argumento extremamente longo, que continha 250 páginas e muito barroco. Foi então que senti a necessidade de reescrever e substituir por outras palavras mais densas no filme. Quis fazer algo extremamente literário.

Vi muitos detalhes e passei muito tempo a regressar à história principal. Queria um filme acolhedor, convidativo. Era essa a ideia inicial. Depois disso, queria fazer uma história de amor e de aventura, extremamente moderno, que falasse da época que se vive em França e da geração de jovens que resistem pela prática artística, em particular. Música, literatura, a cultura em geral.

No seu filme temos uma seleção de personagens que procuram algo que sentem falta e estão ligados por essa sensação de vazio. Como construiu as suas personagens?

SB: Sim, podemos falar desse vazio. Lidamos com personagens que chegaram à plenitude das suas existências e cada um procura soluções para viver melhor e, com efeito, o amor é uma delas neste conjunto masculino. Porém, não interpretam tudo da mesma maneira. A personagem do Siméon, muito apaixonada, está, com efeito, numa jornada em busca do seu propósito na vida, enquanto que a de Antoine é bastante diferente, tem qualquer coisa de muito forte, mentalmente. É hipersensível às “ondas” (visto que a dada altura não pode estar perto de telemóveis), revê o seu coração nelas e crê no romance.

Os media norte-americanos descrevem-no como a coisa mais próxima de Sundance em França. É essa a sua influência, o cinema indie norte-americano?

SB: Eu sei que é um pouco pejorativo dizer isto, mas venho de um cinema influenciado pela Nova Vaga, particularmente de um cineasta bastante importante para mim que é o Alan Resnais, com aquela vontade de fabricar cada filme em Paris.

Mas também sou influenciado por autores norte-americanos, principalmente pelo género mumblecore, porque têm a capacidade de dizer coisas muito sérias sobre o mundo através da comédia e da fragilidade de sujeito, particularmente os jovens, que são um pouco frágeis como os deste filme. Nesse sentido, as principais influências é o cinema de Noah Baumbach, o dos irmãos Duplass e até mesmo as comédias de Judd Apatow e Wes Anderson.

E como foi trabalhar com o Cantona?

SB: No princípio, a personagem de Antoine era muito jovem, com a idade de Siméon [interpretado por Pierre Rochefort, filho do veterano actor Jean Rochefort] e eu procurava um ator capaz de suster, até ao final do filme, algo entre uma emoção à flor da pele e a comédia. Fiz um casting, mas não encontrei ninguém à altura. Então repensei na personagem, falei com o Eric e ele mostrou-me no plateau que conseguia trazer esse traço particular, que era ir do riso a algo mais emocional e melancólico. Após ver o filme e estar em entrevistas com o Eric, creio que ele é um ator que deu à personagem aquilo que eu tinha esboçado. E é evidente que percebeu o argumento.

Eric Cantona e o realizador Sébastien Betbeder

(Para o Eric) Como veio a ideia de se tornar ator?

Sempre o fiz. Sempre fui apaixonado pela profissão, mas também pelo futebol. Comecei no futebol, mas sempre soube que um dia poderia interpretar com outros atores, fosse no teatro ou por detrás das câmaras. Onde? Não importa. E hoje é assim, o passado decidiu. Esperei, fiz outras coisas, mas quando estamos apaixonados por algo e temos a possibilidade de fazê-lo, não é um trabalho como os outros, é amor.

Como descreve a sua personagem?

Éric Cantona: Sensível, um escritor que adapta a realidade para credibilizar a história, captando cada situação. Ele é hipersensível às “ondas”, mas as “ondas” são o amor. E creio que acaba por funcionar no sentido metafórico.

Já fez dois filmes como realizador. Planeia fazer mais?

EC: São tudo formas de expressão. Fiz um documentário e uma curta-metragem. Escolho a história, os atores, a luz, os cenários, o guarda-roupa. Sou apegado à estética, mas também à profundidade, ao sentimento. Mas ainda não tenho mais nenhum filme na cabeça.

Vive agora em Lisboa. Espera aparecer em filmes portugueses?

EC: (Risos) Sim, eu gostava. Eu tenho fama como ator. Mas não só em cinema, também em teatro. Estou agora num filme croata. Em Portugal, preferia aprender português e fazer teatro. Assim seria mais excitante.

E quanto a projetos novos?

SB: Vem aí uma nova longa-metragem que se passa na França e uma curta que decorre num apartamento em Itália.

Eric Cantona e Sébastien Betbeder durante a apresentação de «Marie et les Naufragés» na Festa do Cinema Francês 

 

Notícias