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Entrevista a Claudio Cupellini, realizador de «Alaska»

Uma das estreias da Festa do Cinema Italiano mais frequentadas foi a mais recente obra do realizador e argumentista Claudio Cupellini (Gomorra, a série), Alaska. De França a Itália, durante um período de cinco anos, é-nos apresentada uma história de paixão e fúria, onde seguimos o romance entre Fausto e Nadine, dois jovens imaturos que aprendem a crescer e a importância do amor nas suas vidas.

O C7nema teve o privilégio de entrevistar o cineasta no átrio do Hotel Tivoli, com a ajuda da tradutora e programadora da Festa, Anette Dujisin, numa conversa que fala, entre outros temas, das raízes do filme, da diferença entre trabalhar no cinema e na televisão e em como o cineasta define o seu próprio estilo.

De onde surgiu a ideia para o projeto?

É um pouco estranho porque agora estou à procura do meu próximo filme e vejo uma grande confusão que me lembrou da que tinha na cabeça quando estava a pensar fazer o Alaska. Eu e os argumentistas com que trabalho habitualmente começámos com a ideia de uma grande história sobre uma família, o que não tem nada a ver com o que é agora o filme. Nesta família, descobrimos que havia duas ou três personagens muito interessantes: Fausto, Nadine e Sandro. Pensei que não estava muito dentro desta história, mas havia a chance de fazer algo que queria: uma grande história de amor, algo que pudesse ter algum noir e algum melodrama. E foi nesse momento que me decidi focar nelas. O resto veio por si. Agrada-me a ideia de contar uma história que não é só italiana, mas europeia, como fiz com A Quiet Life. Portanto, pensámos em pô-los em dois países diferentes, em tempos diferentes porque se adequa com a história e, passo a passo, tudo ficou lá. O ponto era contar uma história de amor feita de erros, fúria, ao contrário de algum cinema italiano que vi que era um pouco vazio. Esta está cheia de coisas a acontecerem.

A primeira cena mostra as personagens a cruzarem-se num comboio, mas nem sequer se olham. Porque quis começar o filme desta maneira?

Eu aprendi na escola que, na primeira cena, tem de estar o filme inteiro. Fiz uma série de entrevistas sobre o Alaska neste último mês e parece que ninguém repara nela. Não é uma cena narrativa, se for cortada não afeta o resultado final. Mas senti a necessidade de falar que existe algo como o Destino entre eles e que haveria o risco de verem-se e não reconhecerem a pessoa certa. É algo que contém toda a história de Fausto e Nadine. Para além disso, foi uma forma de dizer que vão os dois para o mesmo sítio.

O nome do protagonista, Fausto, deve algo à personagem clássica do homem que vendeu a alma ao diabo?

Doutor Faustus, sim. Durante a história ele está, de certa forma, a vender a sua alma para ter dinheiro porque está concentrado em enriquecer, em ter o mundo inteiro, mas a esquecer-se de algo mais importante que isso.

Reparei que foi buscar algumas coisas a Shakespeare. Não só o tema de star-crossed lovers de Romeu e Julieta, mas o facto da personagem de Sandro ser um boémio que está na maioria das vezes bêbado e que vê Fausto como o seu filho. E depois há aquele final dramático em que o último vira as costas ao primeiro, o que me lembrou de Falstaff na peça Henry IV…

É uma opinião generosa neste caso porque, tenho de ser sincero, não penso sempre “Ok, este pode ser o Falstaff”, mas cresci a ler muito e frequentei uma escola de línguas onde o inglês era crucial. Estudei muito a literatura inglesa e tenho de dizer que quando se quer contar uma história tem de saber-se que tudo já feito por Shakespeare e os dramaturgos gregos. Se queremos encontrar um conflito, um sentimento verdadeiramente trágico, temos de vê-los. Em A Quiet Life quisemos fazer um filme que fosse como uma tragédia grega: um homem comete um erro, deixando uma porta aberta para o passado, e este regressa. Neste filme não tivemos a mesma coisa, mas tínhamos personagens que tinham problemas sérios.

Por vezes gosta de interromper a história entre Nadine e Fausto e virar a sua atenção para a amizade entre os homens, tal como entre Fausto e o companheiro de cela (Benoit) ou o próprio Sandro…

Quando era estudante, um ator disse-me que as outras personagens que não são protagonistas não sabem que não o são dentro da história e, por isso, temos de lhes dar a dignidade correta. Não podem ser apenas uma função para a história. Sempre adorei estas pequenas personagens porque tem de se tomar melhor conta delas do que as principais, que têm muita chance para contar a sua história ao longo do filme. Neste caso, elas tiveram um papel importante porque Benoit é como um irmão mais velho para Fausto. As coisas que Benoit deixa na prisão são as mesmas que irão deixar Fausto de maneira diferente no fim do filme por causa das relações que ambos têm pelas respetivas mulheres. Sem Benoit, Fausto não perceberia as coisas que percebeu.

Sandro é como um Fausto desafortunado, alguém que talvez tenha tido uma série de chances ao longo da sua vida, que esteve prestes a ficar rico, mas não conseguiu. Tem uma última chance e, depois dela, será o suicídio. Quando o vemos pela primeira vez ele estava quase a fazê-lo. Acho que Sandro é uma outra perspetiva do que Fausto poder-se-ia ter tornado.

Quando Fausto e Nadine se juntam, a cena termina de forma muito dramática, seja no hotel ou no café. É como se o Universo não quisesse que estes amantes estivessem unidos, mesmo que gostem um do outro.

Eu acho que eles são muito infantis, frágeis, não estão prontos para esta história de amor. São mundos que colapsam. Há medida que crescem, as coisas mudam. Os seus encontros são sempre violentos, mas, no fim, algo acontece. Depois da cena do suicídio, quando Nadine vai ter com Fausto a anunciar o seu retorno a França, se fosse o Fausto do começo do filme, ele tê-la-ia empurrado contra a parede. Em vez disso, ele diz “Espera” porque começou a perceber as coisas. Tirando isso, sim, são como uma bomba prestes a explodir.

Como aproximou, em termos de linguagem, o filme? Reparei em planos-sequência, mas no momento seguinte deparamo-nos com o campo/contracampo. Como usou-a para contar esta história?

Eu acho muito chato um estilo comum que faz sempre as mesmas coisas. Cada cena precisa de algo diferente para ser contada de forma diferente. Quando trabalho com o diretor de fotografia, não gostamos de fazer storyboards ou listas de planos. Mas estudamos o ambiente da cena e preparamo-nos para o que vamos precisar. Por exemplo, na cena em que Fausto está no trabalho, sabíamos que íamos precisar de uma grande grua. Às vezes são ideias que só acontecem quando vamos aos locais onde vamos filmar para estudá-los e pensamos “Imagina, isto descreveria muito bem o que queremos fazer”. Da mesma forma deparamo-nos com uma cena muito nervosa que tem de ser filmada hand-held como quando eles vão juntos para o bar porque queria este nervosismo, mesmo que estivéssemos a fazer em campo/contracampo, queria senti-lo. É o mesmo nervosismo que encontramos no fim quando Fausto entra em casa de Nadine e vemo-la a chorar. Noutra cena queremos ser suaves, como no hotel e usamos a steadycam. No suicídio do Sandro não há um único movimento de câmara. São estas coisas diferentes que constroem o estilo.

Assim sendo, não há muitas influências cinemáticas. Apenas estuda o ambiente de cada cena e tenta descrevê-la…

Não, este é o meu estilo. O meu. Por exemplo, em Gomorra (a série) temos um estilo comum porque temos de respeitar a história, somos quatro realizadores diferentes, há estas regras comuns que nos pedem para fazer sempre: handheld, com teleobjetivas e fazer grandes planos gerais. E aceito esse estilo. Mas quando faço os meus filmes, o estilo apresentado é o meu. As influências que acho que se podem notar são do cinema francês, mas também do americano dos anos 70. Vi imensos desses filmes, como Scorsese ou de Palma. Adoro a forma como descrevem as coisas e como estão aptos para mudar às vezes o seu estilo. Não sou o Scorsese mas ponho dentro dos meus filmes o que aprendo e sinto.

Tem algum projeto futuro que queira partilhar?

Sim, vou escrever o meu próximo filme, enquanto preparo a terceira temporada de Gomorra. Será uma época difícil porque terei de fazer seis episódios e o problema é que agora tenho a confusão de que estávamos a falar no começo. Há uma multidão imensa, tenho cinco ou seis ideias e, enquanto estava a vir para esta entrevista, pensava se seria possível ter um contrato para dois filmes em vez de um. Porque poria um pé numa história e o outro noutra. Mas penso que é cedo para falar de alguma coisa em particular.