Sexta-feira, 29 Março

Entrevista ao produtor e realizador brasileiro Cavi Borges

O C7nema em conjunto com o Rick’s Cinema falou com Cavi Borges, aquele que é visto como um dos mais prolíferos produtores e realizadores do atual panorama cinematográfico brasileiro. Sob um tom descontraído, uma enorme afabilidade e paixão pela Sétima Arte, Cavi Borges vive o cinema e contagia-nos com o entusiasmo com que apresenta o seu trabalho.

Em 2010 esteve no Festival de Cannes com a curta A Distração de Ivan. A presença em Cannes permitiu-lhe abrir novas portas e maiores apoios?

Eu fui duas vezes ao Festival de Cannes, uma delas com A Distração de Ivan, uma curta que estava a competir na Semaine de la Critique. Para mim o Festival de Cannes foi inspirador. Eu não sabia o que esperar, sentia-me uma formiguinha. Milhões de pessoas, de filmes, tudo lotado. Eu comecei a tentar entender como funcionava todo esse mercado de cinema de arte. Não é igual a Hollywood mas é bem movimentado. Eu também sou produtor. Eu comecei a tentar entender como é que posso promover o meu filme fora do Brasil, vender para canais de televisão de outros países. Foi a minha primeira experiência fora do Brasil. Quando você entra em Cannes, toda a gente quer ver o seu filme. A Distração de Ivan já passou em mais de sessenta países, incluindo no Líbano. Nem sei como chegou lá. A partir daí comecei a pensar em tentar levar os filmes para fora do Brasil e é complicado.

Uma das razões para eu ter vindo a Portugal, em particular para Lisboa, é para tentar fazer essa ponte, procurar exibir mais os nossos filmes, trazer filmes portugueses para o Brasil. Estive na Cinemateca, para procurar organizar uma mostra do Luiz Rosemberg Filho. Aproveitei para deixar filmes da Cavídeo na loja para venderem, levei filmes portugueses para o Brasil, encontrei-me com um produtor português. Temos de fazer dinheiro. Quanto mais gente vê os filmes, quanto mais estes passam noutros países, é sempre melhor. Os filmes transformam-se em várias obras cinematográficas de acordo com as pessoas dos diferentes países: têm uma leitura diferente, as sensibilidades e as referências são distintas. Eu quero muito que o filme rode o Mundo inteiro. E aí é trabalho de fundo que eu tenho de fazer. De conhecer, de contactar com os produtores, com os curadores, dar os dvds, fazer um lobby.

Essa visão empreendedora do negócio vem desde os tempos em que abriu o clube de vídeo?

Não, vem desde os tempos do judo. Eu fui atleta profissional de judo, mas no Brasil é algo que não é apoiado. Eu tinha de vender camisolas, ser DJ, fazia qualquer coisa para pagar as minhas viagens para competir fora do Brasil. Eu sempre tive que aprender a arranjar um meio para me desenrascar. Vender coisas, DVDs. Eu falo que sou um camelô mas sou mesmo. Eu fazia mostras de filmes lá na Cobal, onde tenho o meu clube de vídeo, e depois tinha os VHS para vender. Tem muita gente que me critica quando eu falo do filme como um produto. Tem muito cinéfilo que fica lixado e pergunta: “como é que você trata o filme como um produto?”. No Brasil, principalmente, se quiseres ser só artista, ou só o realizador, gravar e continuar a fazer carreira, tens de ser um pouco de produtor. No teatro também é assim. O diretor é o produtor, por vezes a atriz é a produtora.

Um dos casos mais curiosos com que me deparei a ler sobre si foi também a procura em trabalhar com Luiz Rosemberg Filho, um cineasta algo “ostracizado”. Como foi essa experiência de produzir e colaborar com Rosemberg?

O Luiz Rosemberg Filho era considerado como impossível de produzir. Era considerado demasiado radical. Por exemplo, durante o processo de casting, fomos chamar uma atriz. Ela disse que gostou mas pediu para mudar algo no argumento. Ele disse “mudar o meu argumento? Não! Não serve.”. Eu até disse para a Patrícia Niedermeier: “se não gostares do argumento, não fales num primeiro momento. Durante as filmagens podes propor algo, tentar mudar”. Ele é radical. No início eu tinha medo. Depois revelou-se como o realizador mais fácil de produzir. Antes de começar a filmar ele era difícil. Difícil para escolher os atores, para ensaiar, mas quando começámos a filmar mostrou-se como um dos realizadores mais generosos com quem eu trabalhei. Ele aceitava opiniões do fotógrafo que era muito mais jovem do que ele.

Ele tem mais de cinquenta anos de carreira e aceitava opiniões de um fotógrafo que não conhecia, que contava com vinte e três anos de idade. A Patrícia propôs uma cena em que dança. Como ela veio da dança, ele aceitou. Foi um trabalho bastante coletivo mesmo. Como produtor, eu não sou um produtor normal, que fica só a pensar no dinheiro. Eu sou bastante participativo. Eu gosto de estar junto. Eu estou na edição, nas filmagens. Costumam dizer que o produtor não é um artista, algo que eu não gosto. Eu não concordo com isso. Até comecei a realizar, em parte, devido a isso. Eu sou um produtor artista, que opina. Eu não vou interferir mas eu vou propor. Se ele gostar ou não, por mim está bom Eu aceito. É a opinião do realizador, mas eu vou propor. A minha forma de produção não é essa coisa dura do tipo que apenas coloca o dinheiro. Eu quero que o filme aconteça, que o projeto ande, que fique o melhor possível para todo o mundo. Se for preciso empurrar o carrinho, se for preciso bater claquete, eu bato direto.

Na entrevista ao site Usina salienta que a “Cavídeo” é o samba do crioulo doido. Pode falar-nos um pouco dessa diversidade da Cavídeo a nível de produções cinematográficas?

A Cavídeo tem muitos filmes. Qual é a marca da Cavídeo? Eu vejo a Cavídeo como um lugar de diversidade, de multiplicidade. As pessoas com quem eu trabalho tanto vão desde o Luiz Rosemberg Filho, até ao indivíduo que está a começar a carreira e nunca fez filmes. O realizador tanto pode ser rico ou pobre, tanto pode querer fazer cinema mais comercial ou mais radical. Eu acho isso muito rico como produtor e realizador. Eu aprendo muito com estas pessoas. Quando eu produzo um filme do Rosemberg, é quase uma aula para mim. Por exemplo, o caso do Um Filme Francês, eu aprendi muito com elas (nota – Patrícia Niedermeier e Juliana Terra) sobre como dirigir atores. Eu sempre chamava um diretor de elenco para fazer os filmes comigo. O Um Filme Francês é quase uma codireção, elas são quase correalizadoras do filme.

Eu considero-me ainda um iniciante, um indivíduo que ainda tem muito para aprender. Eu tenho os meus defeitos, os meus pontos fracos e estou a tentar trabalhar e aprender. Eu sempre ficava a pensar nos planos, na fotografia, no enquadramento, na edição. No caso dos atores eu chamava sempre alguém. O trabalho com os atores foi muito na base do diálogo, da conversa, da utilização de referências. Os nossos ensaios eram muitas das vezes feitos a ver filmes. Por exemplo, ver os filmes do John Cassavetes.

Eu realizava os filmes a utilizar muitas das vezes outras obras cinematográficas. Eu produzia muitas pessoas. Aí perguntaram-me porque é que eu não realizava filmes. Eu dizia que não tinha câmara, que não sabia mexer na mesma. Disseram que não era preciso saber mexer na câmara porque tinha o diretor de fotografia, os meus amigos quase que me convenceram que não era preciso saber de nada antes de realizar a minha primeira curta. Então, antes de iniciarmos as filmagens, perguntaram-me como era com a decupagem? Onde é que a câmara iria ficar posicionada? E eu fiquei “não pensei nisso”. Então fui para o meu clube de vídeo e fui ver tudo o que era filme de pessoas a correrem, o Corra Lola Corra, o Um Assassino pelas Costas, do Spielberg, entre outros. Eu procurei inspirar-me nos planos desses filmes. Eu sou muito cinéfilo, então muitas das minhas referências são dos filmes que eu vi.

O Jean-Luc Godard foi uma das grandes referências para “Um Filme Francês”?

Total. O Jean-Luc Godard foi mais do que uma referência, foi quase uma proposição. Muitos críticos não vão gostar. A ideia era tentar inserir no argumento situações semelhantes de alguns filmes do Godard que não parecessem gratuitas mas que funcionassem na história. Foi mais do que uma reprodução, foi uma espécie de homenagem.


Um Filme Francês

Você disse há pouco que a sua escola de cinema foi ver filmes. Qual é a sua opinião sobre as escolas de cinema?

Eu formei-me em Economia, aí abri a locadora. Posteriormente comecei a fazer filmes. Comecei a fazer filmes antes de estudar cinema. Num determinado momento eu achava que era importante estudar. Eu fazia cinema como hobbie, por brincadeira. Quando decidi que queria ser cineasta, tomei a opção de entrar na faculdade. Foi muito bom, descobri muitas pessoas, muitos artistas, muitos cineastas, a História do Cinema. Mas eu sentia uma enorme vontade de fazer. A faculdade tem uma burocracia muito grande: “Não se pode usar a câmara aqui, não se pode filmar mais de uma hora”. A faculdade foi muito bom, conheci muita gente porreira, mas não conseguia fazer filme nenhum. Na altura cheguei a estudar com o Ian, da Porta dos Fundos. Na minha opinião, se você quer fazer cinema: faz. O resultado pode não o melhor mas você vai aprender é na prática. Filmar é isso. Eu dou cursos de cinema e costumo dizer que mais importante do que faculdade, importa é ver filmes. Tem que ter bagagem, tem que ter referências. Você não se lembra, nem se percebe por vezes das influências que utiliza. Está dentro de você, nem percebe. Quanto mais você vê filmes mais vai aprendendo.

Foi através do clube de vídeo que começou a desenvolver a sua cinefilia ou pelo menos esta instigou a uma maior investigação para poder aconselhar os clientes?

CB:  Antes de abrir o clube de vídeo eu não entendia nada de cinema. Eu só via filmes do Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e afins por causa do judo. O lugar onde fica localizado o meu clube de vídeo é muito frequentada por artistas.É um local central no Rio de Janeiro. Então as pessoas passavam pelo clube de vídeo e perguntavam se eu tinha filmes do Tarkovski, do Cassavetes e eu ficava sem saber. Ia anotando e pesquisando. Comecei a ver esses filmes. Lembro-me da primeira vez que vi um filme do Jean-Luc Godard, eu achei o filme insuportável. Achei muito ruim. Achei mesmo chato. Então você vai vendo, de novo, vai lendo, ouvindo e pensando. Hoje sou apaixonado. É normal, quando não conhecemos alguma coisa tendemos a rejeitar. Por exemplo, se a minha filha vir um prato ali que nunca provou vai dizer que não gosta. Se abrirmos a cabeça e começarmos a ver começamos a gostar. Estamos habituados ao ritmo dos filmes americanos e da TV. Quando vemos um filme do François Truffaut, com um ritmo mais lento, você estranha. O Godard era aquela coisa meio louca. Primeiro você estranha, depois começa a ver de novo e começa a gostar.

Foi por isso que o Cavi disse que tinha receio de ver os filmes do Ingmar Bergman?

[Risos] Eu tinha medo do Bergman. Eu achava que tinha de ser muito cinéfilo para gostar de Bergman. Então eu tinha os filmes de Bergman no meu clube de vídeo e eu ficava a olhar para eles. Passaram dez anos até eu achar estar na hora. Então decidi ver os filmes do Ingmar Bergman e adorei. Não é tão inacessível como aquela ideia que eu tinha criado. Vi tudo o que podia ao longo de um mês. Tinha ideia que os filmes do Bergman eram algo de muito intelectual, que era necessário saber de psicanálise. Quando eu fui ver reparei que tinha ali muita coisa interessante. Eu já deveria ter visto há muito tempo. Hoje em dia eu adoro Ingmar Bergman, é um dos meus realizadores preferidos.

Outro dos seus filmes que se encontra no FESTin é Setenta, embora realizado por Emília Silveira. Li que é um produtor ativo. Qual foi o seu papel no desenvolvimento do filme?

A Emília é uma realizadora da Rede Globo. Ela é uma realizadora de TV, nunca fez cinema. Ela estava há dez anos a tentar fazer esse filme. Ela chegou a ser prisioneira durante a ditadura. Outrora foi casada com dois militantes. Ela conhecia vários elementos da Globo mas não conseguiu desenvolver o projeto. Disseram para ela falar com o Cavi. Eu falei com os meus contactos. Falei aqui e ali e conseguimos fazer um filme. Ela mostrou à Globo. O indivíduo da Globo Filmes disse que gostou muito do Setenta. A Globo não costumava investir em documentários. O Setenta e o Tim Lopes foram alguns dos primeiros documentários a serem apoiados pela Globo. Inclusive, a Rede Globo no canal aberto nunca emite documentários, só são transmitidos na Globo News, que é o canal a cabo. A Globo entrou no projeto devido à Emília.

A Globo fez anúncios, pagou imensa propaganda. A Emília participou em diversos programas de cinema. O filme esteve um mês em cartaz e alcançou apenas mil espectadores no Brasil. As pessoas pensam que o facto da Globo anunciar vai dar um milhão de espectadores. Alcançou praticamente o mesmo número de público que o filme do Lula Buarque na abertura do FESTin [“O Vendedor de Passados”]. Não basta apenas ter o apoio da Globo. São vários fatores. No Brasil, as pessoas já não vão às salas de cinema ver documentários. Elas esperam para assistir na televisão. Eu vou lançar o Cidade de Deus – 10 Anos Depois no cinema mas não tenho grandes expectativas. As pessoas dizem que vai bombar, que vai ser um sucesso mas eu não acredito. As pessoas não vão ver documentários ao cinema. Por um lado exibir os filmes no cinema é bom, quanto mais divulgar melhor, mas o Setenta mostrou que o público não vai ao cinema ver documentários.


Setenta

O Streaming não será uma boa opção?

O Cidade de Deus – Dez Anos Depois, por exemplo, já está disponível no iTunes em setenta países. Eu acho que vou alcançar mais pessoas no iTunes do que no cinema. Como é que eu vou conseguir lançar o filme no Japão, na Austrália, no Vietname? O cara compra e está lá, pode ver. Acredito que o futuro de algum tipo de filmes esteja na internet, tais como os filmes de arte. Podem ser exibidos em festivais, em mostras, em cineclubes, cinematecas, mas acredito que seja cada vez mais difícil lançá-los comercialmente em sala. O cinema mais comercial, em 3D, é o que acaba por ficar em sala. A televisão e o Vídeo on Demand vão ter relevância para a divulgação do cinema do autor.

Por isso é que acho bizarro homenagear os setenta anos da Globo. A Globo é que tem de homenagear o FESTin. No entanto, eu acho que esta parceria entre o cinema e a televisão é muito importante. A televisão tem interesse nos filmes. Nós temos interesse na televisão e na visibilidade que ela dá. Nós sabemos que a televisão acabou com o cinema. Eu falo como produtor. No Brasil, os cineastas independentes tendem a odiar a televisão e a Rede Globo: “o cinema é bom, a televisão é ruim”. Eu fiz o Setenta, a Rede Globo não interferiu em nada, eles só ajudaram. Se quiserem apostar em nós por mim está tudo bem, desde que deixem desenvolver aquilo que pretendemos fazer. Se oferecessem um dinheiro para vocês fazerem um livro, iam recusar? Eu vejo a televisão como uma grande parceira. O pouco dinheiro que o Um Filme Francês teve foi devido ao Canal Brasil.

Vocês trabalham com orçamentos bastante baixos?

Esse filme é o preço de uma curta-metragem. Custou cerca de quinze mil euros. Eu estou a lecionar um curso no Brasil sobre como fazer filmes de baixo orçamento. Uma equipa reduzida. Ao invés de termos setenta pessoas, temos quatro ou cinco no máximo. É muito mais rápido. No cinema, tempo é dinheiro. Nós filmávamos uma vez por semana, num total de onze dias. No caso do Um Filme Francês, foi filmado muitas das vezes como aparece representado na personagem interpretada pela Patrícia. É assim que é o nosso cinema. No Brasil, muitas das vezes é proibido filmar na rua, em locais como aeroportos. É preciso autorização para quase tudo. No caso do Aeroporto pensam que é necessário gruas e afins, mas eu colocava a câmara, filmava e as pessoas nem percebiam que estávamos a filmar. As pessoas passam e nem sabem se estamos a fotografar ou a filmar. Eu estava aqui a ler que o Pedro Costa passou a utilizar um sistema muito mais simples. Eu quero fazer esse tipo de filmes. Mesmo se eu tiver muito dinheiro para fazer uma obra cinematográfica, eu quero fazer filmes pequenos. Eu quero efetuar colaborações duradouras nas quais os atores e atrizes já saibam aquilo que eu quero.

Visto que Jean-Luc Godard foi uma grande referência para Um Filme Francês. O que você acha sobre os filmes atuais do Godard?

O Godard antes de entrar na fase mega política, do grupo Dziga Vertov, é que é referência. O “À Bout de Souffle”, “Une Femme Mariée”, “Vivre Sa Vie”. Eu até admiro esta nova fase e acho interessante, mas não serviu para a base do roteiro. O Luiz Rosemberg Filho e aquelas colagens dele têm muito a ver com o Godard. Mesmo com mais de oitenta anos de idade, o Godard continua a inovar, a procurar coisas novas. Ele é famoso, se quisesse poderia continuar a fazer o mesmo tipo de filmes. Ignora o Festival de Cannes, não aparece por lá. Ele é um indivíduo velho de idade, mas não é de mente.

Regressando ao filme. Como foi o trabalho com a Patrícia Niedermeier, a Juliana Terra e o Erom Cordeiro?

É quase uma relação familiar. A Patrícia é a minha mulher. A Juliana e o Erom são meus amigos. Nós víamos muitos filmes, conversámos muito, eu falava o que achava nas cenas, improvisávamos. É um coletivo. Eu mudava o argumento todo o dia. Aí a atriz trazia outra ideia e eu mudava. Quase de codireção. Foi uma construção muito rica. Eu estou a aprender muito a partir deles. Na hora das filmagens, sempre que existia algum problema nós aproveitávamos e alterávamos.

Calculo que já conte com diversos projetos para o futuro?

CB: Estamos num sistema muito doido por lá. Estávamos a fazer uma longa por mês. Este ano vamos fazer três. É muito cara. Como eu faço filmes com muito pouco dinheiro, eu tenho muitos realizadores a procurarem-me. Todo o dia bate lá na Cavídeo um realizador novo com projetos. Eu tenho onze projetos para fazer. Terminamos um e começamos logo outro. Quando eu regressar ao Brasil, já vou fazer outro. O Rosemberg vai fazer uma segunda longa-metragem comigo. Tenho mais cinco filmes prontos, mais três filmes para editar, outros para filmar, outros para estrear. É uma fábrica.

Algum desses filmes vai ser realizado por si?

Eu tento realizar um filme meu por ano. E procuro produzir oito a nove por ano. Por exemplo, terminei o Um Filme Francês no ano passado. Realizar, editar, etc, conduz a que demore cerca de um ano para fazer uma longa-metragem. Eu queria fazer mais, eu tenho várias ideias mas não existe tempo. Teria que ter um clone. Eu vou voltar agora para o Brasil, vou ser um jurado num edital, vou dar uma palestra em São Paulo. É isso o que eu faço para ganhar dinheiro para pagar as minhas contas.

O Um Filme Francês vai estrear comercialmente no Brasil?

Eu abri uma distribuidora minha. Primeiro vai estrear o Cidade de Deus – Dez Anos Depois. Vou lançar ainda o Dois Casamentos, do Luiz Rosemberg Filho. Agora, o “Canal Brasil” quer passar logo os filmes. Temos de passar rapidamente o filme porque o Canal Brasil quer exibir já o Um Filme Francês no final do ano. Eu tenho de lançar esses filmes no cinema porque aí ganha mais atenção, ganha artigos nos jornais, ou seja, o filme ganha valor agregado. Eu vou lançar em sala de cinema mais para o filme ganhar projeção.

Como é que é a reação dos críticos brasileiros em relação ao cinema brasileiro?

Lá no Brasil existem dois tipos de críticos: os críticos mainstream e os que cobrem festivais. Temos muitos mais críticos interessantes a escreverem em blogues e sites do que nos jornais. Na imprensa escrita têm um número muito limitado de caracteres. São muitas das vezes os críticos online que cobrem os festivais, que viajam, que colocam os artigos nos blogs. Eu conheço alguns críticos nos festivais. A crítica também ajuda a divulgar o filme.

Qual é a sua opinião sobre a crítica cinematográfica?

Lá no Brasil eu sou muito amigo dos críticos. Inclusive, encontrei um crítico meu conhecido aqui na Cinemateca em Lisboa. O Sérgio Alpendre. Eu admiro muito a crítica. Eu entendo que às vezes os críticos querem aparecer mais do que o filme. Em alguns casos, por vezes tenho dificuldade em ler. Não consigo compreender se ele gostou ou não do filme. Quer aparecer. Eu respeito, não tenho nada contra. Eu realizo o meu filme, eu fiz o Um Filme Francês, sei aquilo que fiz. Ao ouvir a opinião de outras pessoas sobre o filme, de quem percebe, começo a ver outro filme a pensar em outras coisas que não tinha pensado.

Eu realizei uma curta que era filmada num plano-sequência de um tipo a avançar com uma arma na favela. O Kléber Mendonça Filho disse que a curta era inspirada no Doom, o jogo de computador. E eu nunca joguei o Doom. Depois comecei a pensar e percebi que a comparação fez todo o sentido, apesar do jogo não ter servido de referência. Mesmo que não gostem dos filmes, eu acho interessante. Por vezes penso, “dei mole”. Para alguém ser crítico normalmente sabe sobre cinema, vê filmes, tem referências. Normalmente é um cara que entende. Não é um idiota qualquer que escreve qualquer coisa. Aí eu detesto. Eu acho até bastante generoso quando alguém gasta duas horas da vida dele para comentar um filme meu. Com tanta correria, alguém que pára, fica duas horas a pensar sobre o meu filme, a fazer uma análise. Eu adoro isso. Eu tenho uma boa maneira de me defender dos críticos. É normal um crítico não gostar do seu filme. Aí eu digo: “estou vindo com mais quatro filmes aí, algum você vai gostar” [risos]. Eu levo isso na boa.

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